segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Às vezes o entusiamo arrefece nas descidas

22 Novembro 2015
(Serra da Lousã)

O dia calhou ruim, como se dizia na serra.
Estava frio, chuviscava e a serra coberta de neblina densa dizia-me que embora pedalasse instintivamente para a luz, serra acima, desta vez não encontraria o Sol.
A serra neblínica, em semi-escuridão, exerce uma atracção extraordinária em mim. Tudo é indistinto, não há certezas, está-se sempre na expectativa, é tudo novo nos caminhos onde passei já mil vezes, as cores mudam, os sons propagam-se com mais nitidez mas somos como que abraçados pelo silêncio. As rectas transformam-se em labirintos.

9 graus C na Vila era uma temperatura boa para pedalar serra acima. O problema seria descer. Geralmente levo um casaco ou uma jersey de mangas compridas suplente para vestir na descida mas, com chuva e frio, fazer streat-tease no cimo da serra pode tornar-se numa actividade cheia de surpresas. Como é sabido, em dias frios a última coisa que queremos é chegar ao cimo da serra mais suados do que uma lagosta. Base layer e blusão gore tex (Alp X active jacket, custou-me dias de trabalho mas vale cada cêntimo). Pronto vai assim. Até um pouco abaixo dos 4 aguenta-se.

A primeira paragem (não pode haver muitas nos dias assim) foi na paragem. Na paragem da camioneta de carreira. Da camioneta que já por ali não passa há muitos anos. Em frente à fonte e à casa dos cantoneiros. A temperatura tinha caído para os 6 graus. Uma bela manhã de Domingo.


Era nas paragens da camioneta de carreira que dantes se comia a merenda. Num exercício de contorcionismo artístico, levei a mão com a luva (tirar as luvas é nestes dias um exercício a evitar) ao bolso de trás e com pouca sensibilidade tentei abrir o fecho, tacteando e tentando encontrar a banana por entre outra tralha sem a esmagar. Não sou nada bom a fazer isto, sobretudo com o braço da clavícula partida.


Aos 900 m de altitude deixei a N236 e entrei na floresta. Passei do alcatrão para o tapete de folhas de castanheiros e carvalhos e musgo, e terra, e ramos partidos das árvores e... e...
A floresta estava bela. Aqui estavam 4 graus e a esta temperatura o nevoeiro é mais denso. Quase que se come se abrirmos a boca. À chuva miudinha juntavam-se os pingos grossos que caíam das árvores.


Era isto que eu esperava desde que tinha saído da Lousã. Estes sítios atraem-me.


Olhava à volta como que a procurar um vulto fugidio contra a claridade por entre as árvores. Um resfolhar a denunciar uma gineta ou um veado. Silêncio. Nem vento soprava.


Os únicos vultos visíveis estavam hirtos, imóveis e silenciosos; as árvores na floresta.
Quase que ouvia uns dedos a cair numas teclas e o som de Satie abafado pela neblina.


Mas, olhando bem, entre as árvores, contra a luz quase que percebia um vulto. Como que me via a mim próprio, a pedalar


Era eu. Não tinha dúvidas.



No fundo, esta historieta é apenas um pretexto para mostrar a floresta sob a neblina.


A descida, pela N236, geralmente arrefece o entusiasmo. Para além do normal (frio, chuva, a água a começar a chegar aos pés e a outras concavidades organísmicas, por assim dizer, provocando uma arrepiozinho pela coluna acima, sensação que para quem pedala à chuva não é surpresa ...) houve um componente adicional; não via a ponta de um chavelho. Não só porque o nevoeiro se tinha assapado na estrada mas também porque ando a experimentar lentes de contacto (depois de anos e anos por caminhos em que só via as pedras, os regos, etc quando estava com o nariz em cima deles) e protegia os olhos com uns óculos que ficaram completamente embaciados. Já em casa fui à Evans Cycle (loja on line em que tenho visto os melhores preços) e comprei uns óculos anti-fog por 19 euros. Não são bué da nice mas as descidas às cegas com chuva e nevoeiro às vezes, para além de arrefecerem o entusiamo, reorganizam a lista das prioridades.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Não são as águas de Março mas as neblinas de Novembro

Novembro 2015
(Serra da Lousã)

Pois é como dizes Elis também é pedra e é um pouco sozinho mas não são as águas de Março; são as neblinas de Novembro. Também é a luz da manhã e um pingo pingando e etc, mas é Novembro.


O nevoeiro denso cobria a Lousã. À medida que pedalava sentia-o na ponta da língua, como numa sauna. Aprendi com os Finlandeses, nas saunas tradicionais da Finlândia (umas casotas de madeira na floresta à beira de lagos gelados para onde nos atiramos de braços abertos depois de uns minutos na casota), que a humidade da sauna mede-se no friozinho na ponta da língua. E a água deita-se sobre as brasas em função do friozinho na ponta da língua.


O nevoeiro cobria a Lousã mas alguns de nós sabem que o Sol está a meia dúzia de pedaladas de distância, a uma subida de distância.
Na transição entre o cinzento e os verdes, azuis, amarelos, laranjas, castanhos ..., quando se deixa de sentir o friozinho na ponta da língua e se emerge vê-se que nevoeiro corre como um rio em turbilhão pelo vale da ribeira de S. João,





desaguando no vale, cobrindo a Lousã e endendendo-se até à Serra do Carvalho.


Talvez até à Serra do Caramulo.


Mas alguns de nós sabem que em dias assim o Sol encontra-se umas pedaladas acima, ainda antes de chegarmos ao Candal.

Estava curada a ressaca das memórias do post anterior, das pedaladas que falhei nos Alpes.

Agora era só pedalar por ali abaixo e mergulhar no nevoeiro de boca fechada, é que não me apetecia sentir de novo o friozinho na ponta da língua.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

As pedaladas que falhei

Les Diablerets, Alpes Suíços, Abril 2013
(Gordon Research Conference)


Andando por ali em trabalho tentava a todo o custo inventar um plano para arranjar uma bike. Os sapatos, blusão, capacete etc. que se lixasse. Logo improvisaria um equipamento. Eu queria era pedalar por ali acima. Já tinha feito o mesmo noutros sítios. O primeiro post deste blog ao  Quilómetro Zero na Patagónia Chilena foi o relato de um desses "desenfiamentos".
O plano da bike gorou-se.

Na fim-de-semana seguinte chegaria ali o Tour de Romandie na etapa do Col de la Croix. A etapa rainha desse ano. Descida do col a 1770 m até Diablerets a 1100m.  Rui Costa ficaria em terceiro lugar neste Tour (Tiago Machado em 17º).

Não tendo conseguido arranjar a bike, fiz-me ao caminho e subi a pé desde Diablerets pela montanha do lado nascente acima. Logo ao início previa-se um bom aquecimento, 11% de inclinação durante 6.5 Km. O facto de haver sinalização específica para bikes arreliava-me. Imaginava-me por ali acima a arfar e a levar com o vento nas ventas. País civilizado este, sinalização para bicicletas e tal.




Não havia nada que enganar. Pela esquerda ou pela direita?


na dúvida, sobe-se


uma estratégia perspicaz é optar pela estrada aberta 


Ora, deixa cá ver ... hammm... se estivesse na bike ... pela esquerda.


As horas passavam e eu estava cada vez mais acima. Vou só até aquela curva e depois, só até à outra, e só mais esta recta para ver o vale que se abre e, e, e, e ...


Depois da bela da subida de várias horas a pé com sapatinhos de caminhar em alcatifa,


tomei consciência de que iria levar um par de horas a fazer o caminho inverso. E sem bike teria sido esse o desfecho não fora aparecer por ali um limpa-neves, eu ter pedido boleia, o condutor ter olhado para mim com cara de "mas donde é que saiu este gajo", ter travado aquela máquina num grande estrondo e, a rir-se, ter-me indicado o lugar ao lado do dele.
E ali vou eu montanha abaixo num limpa-neves.


Foi por ele que soube que iria ali passar o Tour da Romandie e era por isso que havia por ali umas equipas de filmagens


Limpámos uma ou duas curvas e em pouco tempo estava de novo em Diablerets



Que grande volta de bike poderia ter sido.
Já no quarto






soube que o Mário Torres, um colega das Astúrias, tinha encontrado uma pequena loja que alugava bikes. O Mário foi por ali acima na bike por uma outra estrada. Que pena não termos ido os dois, disse-me mais tarde quando nos encontrámos. A pena é minha Mário.









quinta-feira, 12 de novembro de 2015

O que se passa nas costas quando passas de bike

Enganei-me no post anterior.
Não era a gineta que me observava pelas costas. Devia ter desconfiado, aquele friozinho pela "espinha" acima era demasiado fino para ser provocado apenas pelo olhar de uma gineta cravado nas minhas costas.


quarta-feira, 11 de novembro de 2015

O dia tem que começar de alguma maneira

Serra da Lousã
(Novembro 2015)

E foi então que apareceu a lagartixa.
Bom dia – disse a lagartixa.
Bom di … Não consegui terminar. A lagartixa estava já a debater-se debaixo das patas da gineta. A gineta saltou para cima do muro onde a lagartixa se tinha estrategicamente colocado à espera dos primeiros raios de Sol da manhã para lhe aquecer as entranhas e, num ápice, zás, pata em cima da lagartixa. As ginetas são belas e danadas. Espertas, ágeis, rápidas e mal-cheirosas. Tal como as raposas. Belas e mal-cheirosas. Cheiram a urina. Às vezes, nos caminhos mais fechados da serra sente-se um súbito cheiro a urina. Nada vejo mas sei que por ali há bicho. Acelero as pedaladas e fujo dali em alta velocidade.
Bom dia – disse a lagartixa.
Olha, outra lagartixa – pensei. Mas porque é que hoje há por aqui tantas lagartixas? Ah, espera, esta não é uma lagartixa, é preta e com manchas amarelas, é uma salamandra-de-pintas-amarelas. Daquelas que costumo ver esventradas na estrada, sob os pneus dos carros. Aqui na serra, o maior inimigo destas salamandras não são as ginetas; são os gatos vadios. Por isso, na aldeia do Candal, algumas pessoas vão lá alimentar os gatos para evitar que estes encham a pança de salamandras. Às vezes penso que as engolem de um fôlego como a minha cadela a engolir torradas com manteiga: boca aberta e aughhhgrrhg … parece um buraco no centro da galáxia a sorver as estrelas à volta. E se as engolem inteiras será que as salamandras se ficam a debater, pelo menos durante uns segundos, no estômago dos gatos? E não lhes fazem cócegas no esófago?
Gosto mais de lagartixas do que de salamandras. Manias.

Siga, mais umas pedaladas. Parece que, por agora, se acabaram os répteis e os anfíbios. Pelo menos não vejo nenhum no muro até à curva.


A certa altura tive a sensação de que a gineta voltara ao muro e me observava. Pelas costas, à socapa. Aquelas sensações que sentimos pela "espinha" acima. As ginetas não têm os pigmentos para o azul nem para o verde. Fiquei a pensar na visão do mundo da gineta.


sexta-feira, 6 de novembro de 2015

e de como me penalizo por não estar a trabalhar

tanto que fazer e, afinal, perco o meu tempo em Photoshopatetices

(os originais das fotografias estão no post anterior)







segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Entra Novembro

1 Novembro 2015
(Serra da Lousã)

Peguei na bike de montanha e pedalei até à montanha. Pedalei pela serra acima, até ao cume. No cume, aos 1200 m, no Trevim, tem-se já a sensação da montanha.

Nos caminhos da serra, por entre os carvalhos e castanheiros, a meia encosta do lado Norte, o dia estava ameno. Belo e ameno.


No chão, o tapete de pedras e ouriços das castanhas tornava as pedaladas pouco confortáveis, como convém. Cheguei à conclusão de que os pitões do sapatos de BTT são uma ferramenta excelente para abrir os ouriços de modo a ter acesso às castanhas aninhadas naquela cama de picos.


Houve tempo para parar e olhar o contraste dos carvalhos com os pinhos (como lhes chama o meu pai)


para me deixar ofuscar ligeiramente, apenas ligeiramente, pela luz que vem do vale e invade os caminhos


Depois, mais acima, a floresta acaba e os horizontes abrem. O dia ameno ficou menos ameno. Transformou-se em medianamente agreste.


Mais acima, na aproximação ao cimo da Serra (Trevim), Aeolus, o deus Grego dos ventos, abre os portões a Eurus, deus do vento Sul, que veio por ali desenfreado e quase me atirava ao chão e me empurrava para baixo, impedindo-me de pedalar caminho acima para atingir o cume.
Os últimos pinheiros que por ali havia inclinavam-se para Norte à passagem de Eurus.


Parei para comer metade de um pão com marmelada e retemperar forças. Adivinhava uns difíceis últimos 500 m.



Foi uma luta renhida entre mim e Eurus; eu a puxar para cima e ele a empurrar-me para baixo.
Houve dois ou três momentos que quase fui vencido, mas cheguei. De dentes cerrados mas cheguei.


Traiçoeiro, Eurus, na descida pelo lado Sudeste, aproveitou para me tentar atirar da bike apanhando-me lateralmente. Parei, comi o resto do pão com marmelada


e vim a travar, evitando ganhar velocidade. Era o truque para fintar Eurus. As pequenas ervas rasteiras tombavam, quase tocando o chão, sob o poder de Eurus.


Na descida passei pela floresta de Cabeço Marigo.
Aeolus e Eurus tinham feito estragos. Alguns seres vivos magníficos tinham tombado, impedindo o caminho.


Esse era o menor dos problemas, é lendária na região a minha perícia BTTista em ultrapassar obstáculos. Pelo menos na região, cerca de 200 m, entre as ribeiras de S. João e da Fórnea. Com um toque subtil faço levantar a bike, depois, dando um ligeiro impulso, desloco o centro de gravidade para o lado de lá e, violá! É notória a elegância, o equilíbrio e a complementaridade homem-máquina, qual Grou japonês na dança de acasalamento.


A partir daqui foi abrir pela N236 abaixo, passei pelo Candal, e rapidamente cheguei a casa. Estava com alguma pressa; tinha uns sargos para grelhar para o almoço.

Entrou Novembro.