sexta-feira, 29 de julho de 2016

O dia tem que terminar de alguma maneira

Serra da Lousã
(Julho 2016)

A Quinta-feira quente terminou vermelha, e laranja, e amarela, e incendiada. Isto em grande parte da subida e 1/4 da descida. O resto foi uma descida já com pouca luz, em semi-escuridão, sobretudo nas zonas em que as árvores fazem uma abóbada sobre a estrada, com insectos a esmagarem-se contra a cara e os braços (nestas descidas com pouca luz no Verão é essencial manter a boca fechada), e aaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhh com o vento fresco a deslizar sobre o corpo ainda ligeiramente suado da subida, primeiro provocando uns ligeiros arrepios, e como sabe bem um arrepio depois da tarde quente, e logo mais macio, o vento, e é um lugar-comum mas é isso mesmo, o vento acariciando a pele, e a noite que cai, e as luzes que começam a perceber-se cá em baixo no vale, como pirilampos, e, se não fizermos um esforço para perceber que se vai ali a deslizar estrada abaixo sobre duas rodas, quase que parece uma viagem virtual, é que a sensação de bem-estar e de beleza mete-se na pele de modo inconsciente e nem sei bem se vale a pena forçar a consciência disso mesmo.


























E agora? Vou para onde a partir daqui?



segunda-feira, 25 de julho de 2016

Panorâmicas horizontais (e verticais e de esguelha)

Serra da Lousã
(Julho 2016)
Fotografias tiradas com a função "foto panorâmica" do iphone.


Há coisas que se entendem. Olhamos e o cérebro reconhece padrões que já lá tem gravados. É só fazer uns pequenos ajustes entre a memória e o que vemos e tudo fica "normal. Desde cores, perspectivas e linhas de fuga, 3 dimensões normais ... (e, no entanto, o que vemos na fotografia é uma manipulação). O que vemos nestas fotografias a duas dimensões (são quase 180˚) reproduz a paisagem a três dimensões que só conseguimos ver rodando a cabeça e juntando os vários planos.




Se deformarmos um pouco mais as linhas laterais (registando mais que 180 ˚ à nossa volta) é, mesmo assim, fácil reconhecer a deturpação, desconstruindo a fotografia de acordo com padrões que temos na memória. E percebemos o caminho para um lado e para o outro.




Tudo normal? Não, é um ângulo de 270 graus. Não vemos isto sem olhar para trás.


Desconstruída


Mas temos os olhos lado a lado na horizontal e, por isso, os planos na horizontal, ainda que num ângulo muito aberto, percebem-se, mais coisa menos coisa.
Não é o caso dos planos verticais. Aqui o nosso cérebro está menos treinado  - por regra olhamos rodando a cabeça de um lado para o outro e menos vezes de cima para baixo. Teríamos que ter os olhos lado a lado na vertical, por exemplo um na testa e outro na ponta do nariz.



Enquanto que 180˚ na horizontal sugere uma visão normal,


o mesmo na vertical (imagem iniciada com o telemóvel apontando ao chão e terminada apontando ao céu) parece estranho.



E 180˚ de um lado do caminho ao outro lado, passando pela copa das árvores?


Estas nada têm a ver com o assunto. São normais, são as "searas" vergadas ao vento quente a 1000 m de altitude.



E são as roads to nowhere, quer nas cumeadas aos 1000 m, seguindo o estradão dos gigantes,


quer na meia encosta aos 800m de altitude. Como eu gosto deste caminho, sobranceiro ao vale, serpenteia por vários quilómetros, descrevendo as rugas da serra.


E esta também é normal, uma selfie falhada. Ou talvez não. Fica a angústia e a atrapalhação do ciclista em frente ao telemóvel com um delay de 10 s no disparo.


Foi uma volta a solo de meia centena de quilómetros bem batidos. Queria também testar uns belos calções que comprei em saldo na net (no site do costume, na Evans). Muitíssimo confortáveis, não ensopam naquelas partes que os ciclistas bem sabem, frescos ... uórelse! Bem, uma risquinha de cor ali na perna até nem ficava mal ...

Volta a solo é uma bela deixa para ouvir "Soledad" pelo mestre Piazzolla:






sexta-feira, 22 de julho de 2016

41 °C, 1200 m de altitude

Serra da Lousã
(Trevim)
Julh0 2016


Depois de ontem, um Sábado abrasador, ter pedalado até à floresta aos 700 m, hoje, Domingo, para descansar fui ao topo da serra, ao Trevim, a 1200 m de altitude. Mas fui em grande estilo, integrado num pelotão que incluía, entre outros craques pedalantes, profissionais que irão correr a volta a Portugal em bicicleta.

Tratou-se da inauguração da "subida épica Aldeias de xisto" Lousã-Trevim. Há outras subidas épicas aldeias de xisto. Dez minutos antes da partida apareci de bike de montanha (nem sequer estava inscrito mas aquilo era uma festa e ninguém ligou - não contaria para a classificação). Estava toda a gente em belas e boas bikes de estrada. A ideia era ir até ao Trevim, fazendo a subida épica pelo asfalto (EN236), acompanhando os inscritos no evento, mas depois descer por trilhos. Uns minutos antes da partida arranquei por um atalho. Precisava de uns minutos de avanço. Fui por ali acima a olhar para trás por cima do ombro. Então mas os gajos vêm ou não vêm? Até que aos 6 km ouço um alvoroço, carros, vozes e lá vinha o primeiro que passou por mim num ápice. Depois passaram mais uns dois ou três pequenos grupos, todos em boa pedalada. A partir daí fui-me aguentando, passaram ainda muitos outros que eu acompanhava durante algum tempo para depois abrandar e lá fui, tentando pedalar a um bom ritmo mas num estilo elegante, sem língua de fora ou esgares de aflição.
A meta afinal estava a 4 km antes do topo (a parte mais difícil) a cerca de 1000 m de altitude porque a  partir dali o piso da estrada estava em muito mau estado para as bikes de roda fininha.  Cheguei à meta (não tinha outra sítio por onde passar) onde estava uma multidão de ciclistas, carros de apoio, e a confusão do costume. Segui. A ideia era chegar ao cimo, ao Trevim.

A partir daqui ainda encontrei dois ciclistas que se atreveram a fazer as última rampas (são cerca de 2-3 km com 8% de inclinação), apesar do mau estado do piso. Um deles era um companheiro com quem tinha feito o assalto ao Caramulo no Inverno passado. Ele já vinha a descer. Que coincidência! Ou talvez não porque, apaixonado como ele é por horizontes e subidas duras, não era de estranhar que, caso participasse, se aventuraria até lá acima. Bom dia, bom dia viva, eh, espera aí, mas aquele é o .. és tu? João! estás bom pá? Tinhamos que nos encontrar aqui. Eles desceu e eu continuei a subida.

Quando se chega ao cruzamento para o St. António da Neve, faz-se a curva, a subida torna-se mais íngreme, o monte à frente deixa de tapar o horizonte e  surge pela direita a imponente cadeia montanhosa do centro de Portugal com o planalto da serra da Estrela na linha do horizonte e, mais próximo, o Picoto da Cebola aos 1400 m na serra do Açor. Em primeiro plano, na serra da Lousã, uma seara


Não, não é uma seara. São outras plantas, aparentemente frágeis, qualquer brisa as curva mas que por ali ficam hirtas quase todo o Verão, mortas e belas, no meio do mato rasteiro.




Olho para trás, para Sul, e custa ver. O Sol é duro e a luz cega. Ouve-se o zumbido intenso de insectos.


Mais uma curva e surgem os horizontes para Norte. A serra do Buçaco ao centro (cónica) e o Caramulo á direita, na linha do horizonte, antevêem-se com olhos semicerrados e a picar com o suor que escorre da testa (e pinga do nariz e do queixo) por entre as lentes dos óculos já elas também manchadas pelo suor.



E, mais umas pedaladas, chego ao topo da serra. Aos horizontes do Trevim. Já não há mais estrada por onde subir !


Dou por ali uma volta, olhando para Este




para Norte


e para Noroeste


Antes de iniciar a descida, lembrei-me de espreitar a temperatura. E vi isto:


Desci de peito feito ao ar quente a saber tão bem. A grande velocidade. A paisagem passava rapidamente como num filme rebobinado a a 10x a velocidade normal. Uma alucinação.

Passei de novo pela "seara"



e, a meio da descida, parei ainda 1 minuto, só 1 minuto, a ouvir cantarolar um dos riachos de Inverno que resistem ao Verão.  











segunda-feira, 18 de julho de 2016

Ideias simples

Serra da Lousã
(Julho 2016)

O ar fresco da serra pela manhã bem cedo. A maresia da serra. Era uma espécie de chamamento para começar a pedalar pela serra acima. E os aromas que o ar trazia aumentavam o feitiço. Mas tinha ainda que ir ao mercado comprar legumes e fruta. E peixe que, by the way, foi uma bela de uma posta de raia para uma mini-caldeirada que deu para todo o dia.
O mercado ao Sábado na Lousã não é apenas um mercado no sentido estrito do termo; é um local de encontro, de conversas, há pessoas que andam por ali a cumprimentar-se, a dar dois dedos de conversa ... Fazer meia dúzia de compras pode demorar muito tempo. A como está o tomate? Ai não, é muito caro. Ea molhada de nabiças?  E a gente ali, à espera. Olhe levava também umas pêras mas veja lá, da última vez uma ia já muito madura. Ó dona Manuela aqui as pêras são todas boas. E a gente ali, à espera. Ora viva, então às compras. Deixe-me só pagar que já lhe conto, quanto é que disse que era? Cinco euros e quarenta e nove cêntimos. Ora cinco, vinte mais vinte dá quarenta, quarenta e cinco, quarenta e seis. Quarenta e quantos? Quanto é que disse que era? Ah e nove, quarenta e sete e quarenta e nove. E a gente ali à espera.

Quando estou despachado já o Sol vai alto, o calor é intenso, a luz é intensa, reflecte nas paredes das casas, deixa o céu branco, as cores diluem-se no branco, os verdes não são verdes, é como se houvesse uma neblina mas de luz que deixa tudo à volta indistinto. Um dia abrasador.

Nestes dias, se puder, vou até à floresta.  Vou pedalar até à floresta a cerca de 700 m de altitude para a zona do Terreiro das Bruxas. Pedalar até lá num dia assim custa. Na subida (os primeiros 6 km foram feitos por asfalto), a certa altura, dei conta no minicomputador da bike que estavam 38,5 °C. E vamos ali, ao Sol, a subir, a pedalar e há uma vertigem que nos impele a dar uma e outra e mais outra pedalada, e vamos subindo, e está tudo calmo porque o Sol abrasa e ouve-se um zumbido imenso dos insectos (parece que é a única coisa que mexe com este calor). E se, por um momento, tento racionalizar a situação (mas afinal que raio é que estou a fazer, com um calor destes?) logo outra parte do cérebro, mais primordial, mais reptiliana remove este pensamento como se o córtex não fosse para ali chamado. Talvez que, do mesmo modo que muitas das nossas decisões (ao contrário do que gostamos de pensar) não são conscientes, haja situações (situações de prazer, de deslumbramento, de emoção profunda ...) em que claramente o pensamento racional é tamponizado, quase apagado. Deve haver um tsunami neuronal (como na enxaqueca mas com efeitos não de dor mas de prazer) que submerge a activação de outras regiões, grupos de neurónios, pensamentos mais conscientes, mais executivos.

E, às tantas, chego à floresta.



Aqui, em cima do zumbido dos insectos, ouvem-se cantos de pássaros. A temperatura é dez graus inferior ao resto do planalto. Está calor, na orla a luz é ainda intensa mas os verdes vêem-se verdes.


Muitos verdes





múltiplos de verde


Rente ao chão, a próxima geração da floresta


que, se não houver incêndios, terraplanagens para plantar eucaliptos (tanta estupidez que por aí há à solta, nunca se sabe), doenças ... daqui a uns anos estará assim



em simbiose com carvalhos


O Sol, a pique, ilumina o chão, faz clareiras mas, pelo caminho, a luz é refletida nas folhas dos carvalhos que surgem por entre os troncos escuros dos cedros, como que umas pinceladas de verde e luz




No chão, as sombras desenham riscos negros transversais ao caminho (o caminho quase que lembra um réptil gigante a serpentear por entre a floresta)


e manchas enigmáticas 


(e neste belo carvalhal, os padrões são exuberantes - troncos direitos e troncos curvos em S, a ramificação fractal na copa, os líquenes colados aos troncos, o chão repleto de folhas de carvalho com os recortes curvos, os gradientes de luz ...)


Uma ideia simples: ir até à floresta e ficar por lá algum tempo. Ficar por lá não como que olhando para o exterior de nós, como um cenário, mas deixando-nos diluir no ambiente, fazendo parte dele. É uma sensação muito elementar, natural, um bem-estar primordial.