sexta-feira, 20 de abril de 2018

Dias líquidos ... ou que raio de gestão da floresta é esta?

Serra da Lousã
(Abril 2018)

Que estranho. Mas por que raio ... !?





Tinha ido por ali acima, passando no Candal




ouvEndo riachos que se precipitam encostas abaixo,



parando o olhar no musgo fluorescente, cobrindo trocos de castanheiros



subindo riachos



e encontrando sítios belíssimos






Olhar os galhos cobertos de líquenes e a beleza dos carvalhais que parecem infinitos


Perscrutando neblinas e deixando-me envolver no ar quase líquido deste Liquid Day



e reparado que tinham andando a limpar as bermas da estrada (a N236) numa faixa afastada da estrada em cerca de 10 m. Cortaram árvores que estendiam frondosos ramos sobre a estrada, formando túneis no Verão: sobretudo mimosas e pinheiros mas, nalguns sítios, também carvalhos e castanheiros. OK, devem saber o que andam a fazer. É preciso "limpar", as bermas e tal e os incêndios e mais não sei o quê (esquecendo-se que sem ignição não há fogo). Bom, mas alguém deve ter um plano para este "desbaste" (um eufemismo para referir o corte de árvores com 20 m de altura, ali há décadas sem arder).



Mas isto? Cortar um castanheiro, provavelmente centenário (pelo diâmetro tronco não deve andar longe disso), afastado da estrada, já a meio da encosta por onde passa um riacho no meio de outras árvores mais pequenas que, por sua vez, foram deixadas intactas? Porquê? A teoria da paranóia também me parece que não se aplica aqui. No início da serra foram cortadas dezenas de oliveiras num terreno limpo e cuidado apenas porque, alegadamente estavam perto de um casa de habitação. Uma paranóia. Quando se tem uma motosserra nas mãos corre-se o risco de se ficar possuído por um ímpeto irracional, uma vertigem que nos leva a cortar tudo o que se encontrar pela frente. Olha-se para um árvore e não se vê uma árvore, vê-se um tronco para cortar. Sei bem isso. Já passei bastante tempo a "limpar" terrenos de troncos e arbustos e, às tantas, quase que nãos consegue parar de cortar tudo o que aparece pela frente. Mas, não foi, seguramente, este o caso do castanheiro cortado junto ao riacho. Tão pouco gestão da floresta.




domingo, 15 de abril de 2018

Não moro em Auvers-sur-Oise


(Eglise Notre-Dame d'Auvers-sur-Oise. Por Vincent van Gogh no ano em que morreu, 1890)


.. mas, às tantas, a vila onde moro não é tão diferente da que Van Gogh pintou no séc. XIX.



Algumas casas são contemporâneas do Vincent. Têm portões por onde já saíram cavalos, depois carros e hoje lagartixas porque os portões já não abrem


e ruas empedradas, onde se ouvem os passos de quem as percorre.


Ruas por onde a vista se alonga até às encostas da serra. Ao fundo e em cima as luzes das aldeias na serra. E muros cobertos de glicínias.


E luzes amarelas que têm dificuldade em penetrar as sombras. Luzes que morrem mal nascem.







De Auvers-sur-Oise à Guarda é um pulo.



Não contando com o céu coberto de nuvens negras está uma bela de uma starry night





quinta-feira, 12 de abril de 2018

Isto tem dono





- Bom dia
- .....ddiiiaaa...
- Então isto tem dono?
- Tem sim senhora. É meu e o primeiro filho-da-puta que puser aqui os pés vai arrepender-se. Vêm-me às castanhas e às couves.
- Mas posso respirar o oxigénio que a árvore produz?
- Isso pode.
- Quer dizer, a parte da biosfera a que se refere a placa é só o solo, as plantas e o volume da atmosfera ocupado pelas árvores e os arbustos.
- Exactamente.
- Isso é de uma grande generosidade porque a árvore produz oxigénio que é libertado para atmosfera e que, depois, é usado pelo organismos e células aeróbias que habitam no terreno e fora dele. Eu, por exemplo, estou a respirar oxigénio produzido por uma árvore que é sua e portanto estou a respirar oxigénio que também é seu. Obrigado.
- De nada, pode respirar o meu oxigénio à vontade e até lhe digo, é oxigénio biológico porque não ponho aqui nada nas árvores.
- E a água que por aqui corre?
- A água também é minha.
- Mas espere. Qual é a água que é sua?
- Hã?
- Quero dizer, esta água que aqui corre neste momento vem dali de cima, da serra, e vai por aí fora até ao ribeiro, lá em baixo. Portanto ela é apenas transitoriamente sua. Apenas enquanto as moléculas de água passam aqui neste seu terreno lhe pertencem.
- Exactamente. Pode dizer isso, enquanto está aqui no meu terreno é minha.
- Já agora, as folhas das árvores que, levadas pelo vento, caem fora do terreno ...
- Ah, isso é lixo, pode ficar com elas.
- Nem queria ir por aí mas até que profundidade o solo lhe pertence? Por exemplo se fizer um túnel que passe por baixo do seu terreno, posso retirar raízes, minhocas e terra ou também são suas?
- Isso é tudo meu.
- Até ao centro líquido da Terra? Mas quem tem um terreno nos antípodas da Terra (na Nova Zelândia) pode argumentar o mesmo.
- Pois pode, mas isto deste lado é meu se ele quiser ir até ao centro da Terra é lá com ele, eu não vou.
- Caraças, picou-me um mosquito, desculpe. Este mosquito deve ter nascido aqui no seu terreno. Também é seu?
- Eu com mosquitos não quero nada.
- Agora baralhou-me. Já não percebo bem o que é seu. Os mosquitos também são seus. Não há dúvidas sobre isso. Estava no seu terreno, é seu. Tome lá o mosquito. Desculpe está morto mas é o que resta do seu mosquito.
- Já lhe disse, isto tem dono. É meu e já era do meu pai e não quero o mosquito.
- Desculpe mas o mosquito é seu. Se as árvores são suas,  a terra, o ar, a água, as minhocas, as bactérias, etc os insectos também são seus. Porque é que está a excluir toda uma classe de animais, os insectos? E olhe que são a classe de animais mais numerosos à superfície da terra. Veja lá o que está a perder. Já agora no registo de propriedade está incluído o filo Chordata, em particular a classe dos anfíbios, é que estou ali a ver um sapo e uma salamandra?
- Olhe para lhe dizer a verdade, ainda há dias disse para a minha mulher que tínhamos que ver se os anfíbios também estão no registo mas sabe o que mais me preocupa? É o Filo Mollusca, sobretudo os gastrópodes. É que os caracóis comem-me as couves. Não deveria ter os gastrópodes no registo da propriedade.
- Ah pois é mas assim não vale. Não pode querer ser dono de um pedaço da biosfera e o filo Mollusca ficar de fora. Não estou a ver nenhuma conservatória de registo predial que lhe aceite isso.
Então bom dia até á próxima. Vou andando que ainda quero pedalar até ao cimo da serra.
- ... diiiiaaaa... (mas quem era este filho da puta?)


domingo, 8 de abril de 2018

Olhar para cima, para o voo das bicicletas e o subsolo da floresta

Serra da Lousã
Abril 2018


Há 15 dias tinha sido o campeonato nacional de downHill. Hoje foi o campeonato europeu de downhill. A primeira parte da pista era a mesma. Estes, tal como os outros, também voavam. Talvez em voos mais longos, mais altos e mais elegantes


voavam descontraidamente como se pedalassem num estradão com vistas para o mar.


Um deles até me acenou com a mão esquerda



Outros, em voo, como as aves apanhadas de lado pelo vento, aproveitavam para umas danças aéreas.









Até ao início da pista, no Terreiro das Bruxas, a confusão era infernal (carros, caravanas, camionetas, bombeiros, lama, polícia, além das bikes). Dali para cima tudo tranquilo. Segui. Pois claro. Ouvi uns cânticos de aves que não conhecia por ali, na floresta, aquela altitude. Como que atravessara uma fronteira. Extraordinariamente a confusão lá de baixo contrastava com a quietude ali mais acima. Olhava em volta, como é habitual. Mesmo na bike por vezes é preciso parar para olhar. Por exemplo, olhar o chão por debaixo das árvores, olhando para cima.



Num desnível no terreno, parte do tronco e das raízes das árvores estão expostas e, olhando, é ver de um outro lado.








upa, upa


sem photoshop baixam-se os olhos e as cores reaparecem


acima


abaixo


upa, upa


Estava nisto e, às tantas, olhei para trás e vi o belo tronco moribundo. Ao lado as imponentes árvores que um dia serão moribundas como o belo tronco moribundo com coroa de musgo florescente. Antes delas, provavelmente, estarei eu. E, provavelmente, sem coroa de musgo fluorescente.



terça-feira, 3 de abril de 2018

Estes putos são completamente passados da cabeça

Serra da Lousã
Março 2018

Eu também já fui assim, um destravado. "És um cabeça no ar"; quantas vezes ouvi isto!
Metia-me nelas e só a meio tentava ver como sair ileso. Nada de estranho, até aos 18-20 há mecanismos de feedback no cérebro que se estão a afinar. Às vezes, na rua, ouço pais a ralhar com os filhos: mas tu não vês que isso é perigoso, tu não está a ver que se fizeres isto pode acontecer aquilo?
Tenho vontade de lhes dizer (aos pais): não, ele não está a ver. O cérebro dele ainda não afinou o circuito que liga esse perigo a uma acção. Lembro-me que, um dia, na Nazaré, uma das primeiras vezes que fui a uma praia, teria cerca de 13 anos, enquanto os meu pais andavam por ali na praia a ver as sardinhas ao Sol a secar, fui para o outro lado da falésia, para os lados do sítio, e comecei a trepar a direito, falésia acima, até ficar pendurado quase lá em cima, nem para baixo nem para cima, e ali estava, não caí (seria morte certa) por um triz porque à tantas num movimento de desespero dei um salto, agarrei-me a umas canas e terminei a subida, uma subida que, naquelas condições,  provavelmente nunca ninguém fez. Não me passou pela cabeça que se começasse a subir sem qualquer apoio, de sandálias e calções, às tantas poderia ficar na situação em que fiquei. Depois dos 13 anos a coisa piorou um bocado. Hoje, obviamente, sou um gajo responsável, pai de família, um profissional respeitado, ciclista nas horas que deveria estar a fazer outras cosias, que gosta de se meter serra acima no meio de invernias que ninguém, nem jipes xpto bem equipados, ousam desafiar, mas voltando ao assunto, sim senhor, direitinho, o respeitinho é muito lindo, e os outros é que são uns out of the box, que eu cá não e, sem mudar de assunto, vamos é ao que interessa.

Tinha decidido subir a serra pelo lado Este. No início, junto ao Bike Park da Lousã, dei com um estaminé impressionante, tudo com ar profissional, barracas com as marcas de bike, bandeiras, boxes, ciclistas com bike de suspensão total, carrinhas de equipas de ciclismo ...  Comecei a pedalar serra acima e gente na estrada e metida nos pinhais, apitos ... aqui há gato, pensei. O gato era a taça de Portugal de Downhill. Um percurso sinuoso e a pique desde o Terreiro das Bruxas até Cacilhas. Cerca de 4 km que os craques (portugueses e estrangeiros) fizeram em cerca de 4-5 min. Como é possível? Voando. Baixinho.






de vez em quando lá punham as rodas no chão e pedalavam






Estes ali, a pé, no caminho à esquerda, mal conseguem descer tal a inclinação (todavia menor que no trais de downhill)



à vezes só uma roda



Mas grande parte é feita a voar serra abaixo










Andei por ali, de telemóvel na mão, agachado a disparar fotografias no meio dos profissionais com teleobjectivas e que olhavam para mim com ar de quem pensa "aquele gajo é capaz de estar a apanhar um belo ângulo mas a posição, ali agachado, é humilhante e eu sou um profissional conhecido, publico fotos nas revistas da especialidade e, além disso, aqui o pessoal à volta conhece-me, caraças, se calhar seria melhor agachar-me mas, no fundo, não há foto que valha a humilhação, deixo isto para este gajo que anda aqui todo pipi equipado com Castelli a disparar o telemóvel para o ar".



Continuei, serra acima, até ao local da partida. Um local belo no meio da floresta e já um tanto ou quanto devassado pela "pista".




Passados da cabeça estes putos.

Não sei como é regulada a abertura de trilhos e caminhos na floresta mas parece-me que estão a matar a galinha dos ovos de ouro. Hoje, já não é fácil encontrar uma área na serra equivalente a dois ou três campos de futebol que não seja atravessada por trilhos (bikes, motas e motoquatro). É tudo à balda. No último ano romperam-se trilhos por todo o lado (até já lá em cima no planalto). Nota-se nos animais. Em zonas onde frequentemente encontrava veados o vento traz agora apenas os roncos das motas e os gritos de de bikers que se lançam pelos caminhos abaixo. Tenho-os visto apenas em locais remotos, em encostas inclinadas onde só há pequenos caminhos antigos e de difícil acesso.

Parece-me que se não há uma gestão da abertura de caminhos e trilhos em zonas de rede Natura, parques e outras zonas protegidas, acontecerá o equivalente ao fenómeno da "algarvização". Já uma vez disse isto a propósito dos mexilhões na costa alentejana. Há vinte anos andava-se por ali, pelas rocha pejadas de mexilhões e ... de apanhadores. Um dia disse-lhes (para os lados do Brejão): vocês apanham isto a eito, rapam as rochas, levam tudo à frente, destroem os ecossistemas, qualquer dia não há mexilhões. Olha-me este, toda a vida houve aqui mexilhões, já o meu pai etc etc, respondiam em tom de risota. Desapareceram os mexilhões e depois de devassados os ecossistemas está, hoje, a tentar gerir-se o que resta.

But, what are you here talking about?  Estamos talking about coisas destas na floresta de coníferas aos 700-800m


e coisas destas nos soutos aos 800 m de altitude (muitas vezes, os ferros e as fitas ficam por ali)


O espaço para o turismo de natureza (em franco desenvolvimento) começa a ficar comprometido pela falta de gestão dos trilhos.