terça-feira, 21 de junho de 2016

Come away with me

Serra da Lousã
(Junho 2016)

... vamos dar uma volta pela floresta na encosta Norte da serra aos cerca de 800-900 m de altitude.

São uns minutos de estágio nas melhores madeiras da região, com aromas florestais frescos e laivos das folhas secas do Outono passado, entradas suaves e finais vibrantes, para ser ser consumido  de preferência sempre que apeteça. Acompanha bem momentos bons e assim assim. Evitar consumir de um trago. Recomenda-se o consumo com tempo de modo a que os detalhes formem padrões na zona do cérebro dedicada à beleza das coisas.

Era para fazermos isto ao som de Norah Jones (come away with me) mas, à última hora, mudei porque às vezes muda-se sem qualquer razão óbvia. Não é que goste muito mas o claro e o escuro da música vai bem com os crescendos e os diminuendos da floresta.



Umas vezes devagar, outras mais rapidamente, pelo estradão que atravessa a floresta, com sorte vendo algum veado (eles andam por ali), terminando com umas belas vistas sobre o vale e here we go ...

O primeiro passeio termina sobre o planalto do Pessegueiro, quase com vistas até ao mar (Figueira da Foz) e o segundo no Terreiro das Bruxas (onde se chega pela estrada asfaltada a partir da Lousã e se pode deixar o carro para fazer o percurso pela floresta a pé).
O assobio é o meu. O empananço no segundo passeio, em que um pau se meteu entre a corrente e os carretos, também é meu. Entre assobios e paus encravados é toda uma dinâmica emocional proporcionada pela floresta (pois que isto não é só passarinhos a assobiar e por aí fora).

Um bom passeio montados aí atrás na bike e sentidos abertos aos mil aromas, às mil cores, aos mil sons, ao vento no corpo ...


Antes de passarmos à segunda volta talvez valha a pena ouvir uma coisa mais épica, um pop épico: canções do bosque.
Ladies & Gents eis Mr. Ian Anderson e os Jethro Tull






sexta-feira, 17 de junho de 2016

e de como estas coisas às vezes são importantes

Serra da Lousã
(16 Junho 2016)

Pela manhã, estava o Sol ainda a tentar rasgar as primeiras nuvens sobre a serra, andava eu com um olho no céu (avaliando a altitude, velocidade e direcção das nuvens negras) e outro na cachorra (não fosse ela farejar alguma porcaria que lhe fizesse mal). Com os dois olhos postos nela, só dei conta da nuvem quando começaram a cair umas pingolas grossas. Senta aqui, disse-lhe. Quieta. Depois expliquei-lhe que ficaríamos ali debaixo da árvore frondosa a aguardar a passagem da carga de água que estava a cair. Ali estaríamos abrigados. Ela percebeu. Ficou ali ao meu lado, sentada, patas da frente esticadas, muito direita. De vez em quando levantava o focinho, num gesto que denotava prazer, a sentir o cheiro húmido e agreste. Olhava de vez em quando para mim com aquele ar de quem pergunta: então? não é melhor ir andando? Não! quieta! Isto passa. Não passou e quando da folhagem já caiam gotas mais grossas que as outras pusemos-nos ao caminho.
Tinha que estar no Porto pelo início da manhã e, ainda ali em casa, de secador em punho, tentando enxugá-la o melhor possível para que não ficasse em casa sozinha molhada, ia revendo umas notas para o que me esperava.
Depois foi uma viagem a abrir pela autoestrada sob cargas de água impressionantes. A certa altura entrámos (eu e outros carros) numa nuvem negra: a chuva tanta, a visibilidade quase nula e os relâmpagos por cima dos carros tornavam a situação um bocado irreal.
Lá cheguei, depois hi good to see you, thank you, we have to talk, sure, a manhã sentado, o almoço a cair-me mal (safou-se o tinto mais ou menos e as vistas sobre o rio) e lá voltei pela mesma autoestrada à tarde sob um sol já sem receio de espreitar por detrás das nuvens. Às 19:30h já em casa, feitas umas combinações familiares, equipo-me e saio disparado a pedalar serra acima.
O dia de Junho terminava como se fosse Setembro. Onze graus Celsius, vento moderado e umas nuvens, provavelmente o que sobrou da tempestade da manhã, por ali pousadas. E ali ia,  de nariz para cima num gesto semelhante ao que a minha cachorra fez pela manhã, a sentir os aromas húmidos e clorofílicos (boa!).

O souto brilhava voltado a poente, enquanto que pinhal voltado para nascente já adormecia.


Abrem, não abrem, talvez amanhã se vier Sol as pétalas saiam do aconchego e ecludam, como uma borboleta que sai do casulo.




Estes ciclos de chuva e Sol e temperaturas moderadas é um banho maria excelente para a vida; das plantas e nossa, porque indissociáveis.


Estava na dúvida se seria uma carga de água ou a noite que me traria de volta. Foram ambas.
Às vezes estas coisas são importantes. O dia tinha que terminar de alguma maneira.










domingo, 12 de junho de 2016

Veados na Serra da Lousã

Serra da Lousã

Os veados foram introduzidos na serra da Lousã na década de 90 do século passado. Inicialmente, estavam confinados a uma zona delimitada por vedações mas, entretanto, o êxito da reprodução foi tal que se espalharam por toda a serra da Lousã, chegando mesmo à do Açor. Tanto quanto sei, o processo tem sido acompanhado por Biólogos da Universidade de Aveiro.
Hoje, há várias centenas de veados desde os limites da Vila da Lousã até ao cimo da serra aos 1200 m de altitude.
Durante as pedaladas pela serra já me encontrei dezenas de vezes com eles (animais isolados, em manada, em dupla, jovens, machos adultos com armações impressionantes). Os encontros são sempre fugazes e inesperados; por vezes atravessam-se no caminho a uns poucos metros à frente, outras percebo-os fugidios por entre as árvores na floresta. Por regra surgem em sítios em que não vou a olhar para a frente mas para o chão, prestando atenção onde coloco a roda da frente da bike, subindo ou descendo com cuidado caminhos inclinados que separam zonas de floresta. Têm uma agilidade e uma elegância impressionantes, saltam os caminhos, correm e saltam por cima das urzes, em encostas muito inclinadas (em que nós teríamos dificuldade em caminhar). É extraordinário.
Claro que nunca tenho oportunidade de puxar pelo telemóvel e tirar umas fotografias. Não só porque tudo se passa rapidamente mas porque nem me lembro. Não tenho a pulsão de fotografar o que de interessante ou insólito passa pelos olhos. Fico ali a olhar para os veados e, às vezes, já quase tudo se passou lembro-me de puxar pelo telemóvel e disparar. As poucas fotografias que consegui, e que aqui mostro, foram tiradas em circunstâncias especiais. E nem são nada de especialmente interessante. As fotografias (e o vídeo) afastam-se um pouco da exuberância e espectacularidade dos documentários da National Geographic. Mas têm o valor de registar os encontros imediatos com estes animais belíssimos em estado selvagem, sem cenografias.

 (copiada da National Geographic)

 (copiada da National Geographic)


Fevereiro de 2014
Caminho na zona do Pessegueiro, sobre Vale Maceira. Percebi que um grupo atravessou o caminho, correndo pela encosta abaixo. Uns segundos depois, quando consegui tirar o telemóvel e disparar ao acaso, já iam lá em baixo, a mais de 100 m.


Lá estão eles



Dezembro 2015
Também na zona do Pessegueiro mas a maior altitude. Descia o caminho pedregoso com cuidado quando, já não sei porque razão, parei e puxei do telemóvel. Às tantas, olho para a frente e vejo dois corços a pastar, ali no meio da urze. Foi nesse instante também que eles deram por mim. Assustaram-se. Disparei a fotografia mas, como sempre, em 2 ou 3 segundos eles conseguem afastar-se dezenas de metros.
Estão ali, correndo pela encosta abaixo, do lado direito do caminho


Mais próximo


Novembro 2015
Esta foi uma situação especial. Quase no cimo da serra, já acima dos 1000m, a chegar ao Trevim há uns pequenos bosques de ambos os lados da estrada asfaltada. De súbito, percebi que uns 50 m à frente, um grupo atravessou a estrada, subindo a encosta, mas sem o espalhafato e rapidez habituais. Pelo contrário, num trote ligeiro meteram-se no bosque e, mais estranho ainda, percebi que tinham ficado por ali. Geralmente, fogem em corrida e desaparecem. Também percebi que não havia machos adultos com hastes. Provavelmente, tratavam-se de fêmeas e juvenis.
Parei, tirei o telemóvel e devagar fui disparando fotografias para as árvores, sem focar, sem regra, tentando a sorte de apanhar algum na fotografia. O resultado foi este.
Lá estão, entre as árvores, observando-me


ali


Andavam de um lado para o outro numa linha paralela à estrada onde eu estava mas mantendo sempre a distância que se percebe na fotografia. Como se estivessem à espera que me fosse embora. Provavelmente, o que se passou é que por minha causa o grupo dividiu-se. Quer dizer, quando surgi na curva, a parte da frente do grupo cruzava a estrada e correu para o bosque na parte de cima, enquanto que outros ainda no bosque na parte de baixo e que não tinham atingido a estrada, percebendo a minha presença, ficaram por lá. Os de cima esperavam pelos de baixo (provavelmente juvenis) e não arredaram pé.






E estes dois? Ali semi-escondidos pelas árvores. Teria passado sem os ver, vendo-me eles a mim, caso não me tivesse atravessado no seu caminho, como tantas vezes deve acontecer.


10 de Junho de 2016
Este encontro foi insólito porque se passou perto da aldeia do Candal, onde havia pessoas e algum ruído. Descia a serra pela EN236 e levava a câmara de vídeo no capacete ligada com o intuito de gravar a chegada ao Candal. Passei a placa do Candal e comecei a travar, queria focar as casas de pedra na encosta em frente. De súbito, ali uns 20 m à frente, do lado esquerdo da estrada vejo umas armações impressionantes. Um macho espectacular estava a subir a barreira, vindo de baixo, dos castanheiros e, quando em viu, virou-se e começou a correr pela encosta abaixo. tentei chegar rapidamente à beira da estrada, tentando vê-lo. Parei a bike e vi-o correndo por ali abaixo.
Tudo isto se passou rapidamente mas muito perto.
Pensei ter feito um belo registo do encontro mas, infelizmente, não foi o caso. A lente da máquina é uma grande angular e, por isso, afasta os objectos na zona central. O que está ali a 10 m parece estar pelo menos ao dobro da distância.
No vídeo, exactamente aos 13 segundos, surge o veado do lado esquerdo a tentar subir para a estrada. Imediatamente inverte o caminho. Depois, para o final do vídeo, consegue ver-se a correr lá em baixo por entre as árvores.


Às vezes não os vejo mas sei que andam por ali, ou que passaram por ali há pouco tempo.


Um avistamento que me ficou na memória foi há uns anos num final de tarde. O Sol punha-se mas eu andava ainda pelo cimo da serra. Pedalava por um caminho a meia encosta e a cumeada por cima do caminho estava a contra-luz; o Sol tinha-se já escondido do outro lado do monte. Parei para ver os perfis a contra-luz das eólicas, de uns cedros altos que por ali havia e o recorte da floresta. De súbito, na zona limpa entre as árvores, num local plano, começou a surgir em fila uma manada de veados. Foi extraordinário. Seguiam em fila na cumeada, recortados contra a luz do sol poente, na linha do horizonte que me permitia ver todo o perfil dos animais. E iam em fila. Talvez estivessem a percorrer um caminho entre a urze. Não sei durante quanto tempo se passou mas, como iam ao longe, sem me perceber, percorreram a cumeada tranquilamente a passo e por vezes num ligeiro trote. 

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Morte e vida

Serra da Lousã
2016


Dentro deste crânio onde agora há terra e folhas houve, antes, células vivas, diversas, trocando informação e matéria e moléculas dentro e fora das células que, interagindo, formavam um cérebro, permitindo o surgimento de propriedades emergentes e que regulavam o funcionamento de um ser vivo complexo. Uma cabra? Um veado? O ser vivo que executava tarefas complexas como, por exemplo, uma representação do meio que o rodeava que, entre muitas outras tarefas, permitia ao ser vivo alimentar-se, refugiar-se, proteger-se, reproduzir-se ... Agora é apenas um objecto. Fica para ali, imóvel, como as pedras à volta. E, no entanto, em termos elementares a composição do crânio cheio de terra e folhas não é muito diferente da composição do cérebro. Carbono, hidrogénio, oxigénio, fósforo, enxofre, uns átomos metálicos e pouco mais. Não é a composição que conta. Somos triviais. Como disse Carl Sagan somos feitos por pó das estrelas. São as interacções que dão origem às propriedades emergentes.
Os átomos e moléculas deste animal fazem agora parte do solo e, provavelmente, das plantas e de outros animais. Seguramente que átomos que existem no meu corpo fizeram já parte de outros corpos. Convém não esquecer isto, este baralhar e voltar a dar que a natureza usa. Talvez assim se perceba as relações que temos com a biosfera e que a "natureza" não são "recursos" à nossa disposição. Somos nós também. Aliás, nós somos um ecosistema pois o número de bactérias comensais que em nós habitam (em quase todo o lado) é em numero superior ao das células dos nossos órgãos. E esta co-habitação é fundamental à nossa saúde. Mas vou deixar este assunto - o microbiota - para outra altura.


No fundo, a morte é essencial à vida. Aliás, temos inscrito nos genes um programa que promove o suicídio celular. Algumas células danificadas executam um mecanismo regulado de morte (apoptose). Temos genes de morte, proteínas de morte e estes mecanismos são essenciais à sobrevivência do organismo multicelular (uma célula com DNA danificado é preferível morrer do que multiplicar-se e originar um cancro). Aliás muitos cancros resultam da incapacidade da célula executar os mecanismos de morte, de apoptose. É uma morte celular silenciosa. Em Grego antigo apoptose significa a queda das folhas no Outono.

(Autumn leaves - versão de Eric Clapton)





Cabra? Veado? outro?


As primeiras fotografias são de Abril e a última é de Junho. Pedalo por ali com frequência. Tentarei ir vendo a transformação, a morte a a vida.

sábado, 4 de junho de 2016

Agora é que eu Go Pro

Junho 2016
(Serra da Lousã)

Câmara GoPro Hero+ com LCD


As primeiras experiências com a câmara presa no capacete da bike.
Descida pelo lado do Terreiro das Bruxas. Metade em terra e a outra metade em asfalto. Percebe-se bem a diversidade da serra nestes 8,5 min em que desço dos 850 até aos 400 m de altitude.




Caso o vídeo anterior não corra, alternativamente pode ser visto em:

Descida pelo Terreiro das Bruxas


Primeiras impressões.
Imagem: excelente, talvez uma abertura demasiado larga (equivale para aí uma lente de 28 mm).
Som: uma merda. Por um lado ainda bem, não capta os grunhidos que emito durante as pedaladas.
          Mas, por outro lado, perde-se o canto dos pássaros e o sopro do vento.
Outros: a) apesar de a câmara ser leve e pequena, pedala-se com a sensação de quem leva uma
                   cesta de ovos à cabeça;
              b) para parecer um capacete da Guarda Nacional Republicana a cavalo só falta um tufo de
                  cabelos amarrados à câmara no topo do capacete.

Em resumo: que se lixe o som e o ar ridículo, a imagem é boa.


sexta-feira, 3 de junho de 2016

O melhor das sobras

Maio 2016
(Serra da Lousã)

As sobras de Maio.

Isto ficava com algum jeito se fosse apresentado como uma rapsódia, músicas escolhidas para cada fotografia (e vêm-me algumas à memória) mas, se calhar, é mais um arroz malandro (feito com as sobras que se acumularam no frigorifico)

Entrada em largo. Acabámos de nos sentar. Primeiros sabores suaves e longínquos para abrir expectativas.


Esta é mais um caroço de azeitona. Duro, para pôr de lado. Sabor forte.



Expelido o caroço, olha-se à volta, abrem-se as conversas e o vinho e deixa-se a coisa fluir.



às vezes lá vêm conversas mais metálicas. Mas prova-se disto e daquilo


com mais ou menos profundidade, a duas ou três dimensões.


Sobremesa. Um final em adagio.







A despropósito, há sempre um café mal feito e carrascão para sacudir os sabores e para lembrar que está na hora de ir embora.