domingo, 15 de janeiro de 2017

O frio

Janeiro 2016

Tinha frio. A energia cinética das moléculas da atmosfera à minha volta andava pelas horas da morte. Isto não é o frio. Este fenómeno físico é percebido pelo cérebro e o frio é a tradução que o cérebro faz da Física para a Biologia. Há menos moléculas do ambiente a chocar comigo e com menos energia. E tem que ser assim depois de mil milhões de anos de evolução. As biomoléculas que nos constituem ficam apáticas a baixas temperaturas (a temperatura é uma uma maneira de medir o frio), não interagem entre si e, em essência, as interacções são quase tudo. Nos electrões, nas biomoléculas e nos humanos. Os processos biológicos desaceleram (não é só para evitar crescimento bacteriano que colocamos os alimentos - ou seja, pedaços de outros seres vivos - no frigorífico). Claro que geramos calor interno. O nosso metabolismo é tremendamente pouco eficaz. Mais de metade do que comemos, da energia que ingerimos dissipa-se na forma de calor. Mas ainda bem. Esta imperfeição energética possibilita a vida. Há até estratégias para aumentar a nossa ineficiência energética. Por exemplo, à nascença geramos mais calor (temos mais tecido adiposo castanho) do que uns anos depois, tal como os animais que hibernam; o metabolismo torna-se menos eficiente de modo a gerar calor. A percepção da energia cinética das moléculas da atmosfera pelo cérebro teve que ser um processo bem afinado ao longo da evolução. Tão afinado que o quentinho dá prazer (quando está frio) e o ar fresco o mesmo quando está calor. E o prazer, tal como a bola colorida nas mãos de uma criança, comanda a vida. Já uma vez, no Norte da Finlândia, saí esbaforido de uma sauna tradicional numa cabana da floresta e saltei para um lago de água gelada. Foi um prazer. Tivesse entrado com frio e teria morrido gelado.

Às vezes acho que na paisagem se vê o frio. Os bosques ficam parados, as cores desmaiadas, o ar mais denso, acho que até os riachos correm mais lentamente. Quando nos dias de Inverno, nas noites de céu limpo, olho as estrelas cheio de frio imagino o frio no espaço interestelar. 


O Inverno tem ido seco, muito seco. Está frio mas até as geadas são contidas. 





As folhas dos carvalhos caídas no asfalto cobertas de gelo parecem fósseis


Na subida da serra, o frio da curvas sombrias cobertas de gelo




era tanto como em Cabeço Marigo, ao Sol. O frio torna nítida a distância.




quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

A natureza da luz, o BTT e outras danças

Janeiro 2017

Alguns fotões escapam das reacções nucleares no núcleo do Sol. Vão dar uma grande volta, entre intercepções e re-emissões e, um milhão de anos depois, chegam à camada externa do Sol e começam a viagem no espaço. Cerca de 8 minutos depois chegam à Terra e, to make a long story short, alguns deles atingem a retina nos nossos olhos. Se a beleza está nos olhos de quem vê (que raio é que isto quer dizer!), é preciso ver que o azul do mar (para não citar outros exemplos) nasceu na colisão de núcleos de hidrogénio no Sol. Há uma beleza nisto. No azul do mar e no conhecimento da história dos fotões.

"A natureza da luz do dia". Era nisto que ia a pensar quando, pela manhã, húmida, fria e límpida pedalei serra acima. Mais ou menos pedaladas sairia do nevoeiro e veria  luz do Sol.




























Os fotões com 1 milhão de anos chegaram no seu esplendor à minha retina uma dúzia de km acima.



terça-feira, 10 de janeiro de 2017

O dia tem que desacelerar de alguma maneira

Janeiro 2017

por exemplo, a acelerar a meia encosta da serra, por entre carvalhos e castanheiros nus.



Por entre sombras e frestas de Sol rasante, amarelo, poente.



Em essência, ao passar por ali, sou uma sombra. Passo e tudo fica na mesma. Faço talvez algum ruído, os pneus da bike na terra, uma coisa leve, momentânea, mas, depois de passar, uns segundos depois, é como se nada se tivesse passado. Se voltar atrás e passar novamente no mesmo local, por entre as mesmas árvores, pisando as mesmas folhas, desviando os mesmo ramos, bebericando no mesmo fio de água que por ali corre, escutando os mesmo ruídos (que nunca sei se são ramos a cair, se animais que por ali andam ou outra coisa), sentindo o mesmo vento fresco e húmido ao pôr-dos-sol ... é como se fosse a primeira vez. Portanto, está provado: é como se nada se tivesse passado. Excepto para mim, claro. Fim.





quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Aldeia submersa na barragem de Sta. Luzia - Serra do Açôr

28 de Dezembro de 2016

A  barragem de Sta Luzia foi construída na década de 30 do século XX (entre 1931 e 1942). Na altura, para os habitantes destas serranias foi um oportunidade para ganhar algum dinheiro; homens habituados à enxada que faziam o trabalho não especializado que fosse preciso, mulheres e crianças com produtos agrícola em cestos à cabeça que por lá iam vendendo aos trabalhadores (muitos de fora) ... Conheço muitas histórias contadas por quem as viveu.
Cheia a barragem, a cota da água ficaria acima do cimo da aldeia do Vidual de Baixo. No problem, estava-se numa ditadura, alguém haveria de dar a ordem e a contestação seria feita à boca fechada no murmúrio das noites nas casas de pedra alumiadas por candeeiros de petróleo e pela fogueira ou à boca mais aberta nas tabernas de volta de uns copos de tinto. Mas morria aí. Havia também os melhores campos de milho na margem do rio mas, paciência, o milho teria que ser semeado noutro sítio.
Por vezes, quando o nível da água desce na barragem, ficam expostos os muros de pedra e o que resta das casas e das ruas. É uma visão impressionante. Não porque revela destruição ou, à la Indiana Jones, porque revela o passado como se fossem páginas de um livro de história, mas porque parece irreal. Aparece e desaparece em função do nível da água.

Quem está do outro lado da espinha granítica que dá origem ao vale onde a barragem se aninha, do lado Este, não suspeita o contraste da paisagem com o lado Oeste. Este lado onde estou. Ali à esquerda a ponta cónica do penedo granítico que, embora daqui pareça apenas mais um na passagem, quando visto do outro lado com a água em primeiro plano é imponente.


Eu, que conheço estas serranias surpreendo-me sempre com a transição quando passo deste para o outro lado da espinha rochosa (eh pá, estou ali com um ar decidido !!!)


Mas vamos lá. Dar a volta pelos rochedos e começar a descer pelo outro lado em direcção à barragem. Lá está, ao fundo. Parece aqui tão perto. À direita o penedo cónico visto já deste lado. Do lado Este.


Já lá em baixo, no centro da barragem (quando vazia, uma península permite atingir a ilha que se forma quando está cheia) as pedras ainda organizadas permitem perceber as construções que por ali havia. Em primeiro plano algumas e muitas outras na margem em frente








E, provavelmente, por baixo do espelho da água há outras ...




Por ali às voltas fui dar ao centro da "ilha" onde no ponto mais alto a água nunca chega, permitindo o crescimento de pinheiros.





Cheguei aqui pelo lado de cima. Vinha dos penedos, como disse. Trazia a GoPro presa ao capacete e registei a descida: 4 minutos em andamento aparentemente rápido mas controlado. Logo no início, olhando para a esquerda, percebe-se o planalto da Estrela ao longe, no horizonte. Para o final, a visão vai abrindo, os penedos vão-se erguendo na paisagem e chega-se como se se tivesse aterrado de avião.

Não me surpreenderia se à chegada ali encontrasse uma orquestra sinfónica a tocar  o adágio do concerto para clarinete de Mozart. O som de madeira do clarinete é um som belíssimo mas é preciso ouvi-lo com olhos de ouver.




domingo, 1 de janeiro de 2017

O céu à noite no dia 31 de Dezembro 2016

31 de Dezembro de 2016

O céu estava limpo. Pelo anoitecer, mal o Sol se pôs, uns planetas brilhantes (talvez Marte e Júpiter porque Vénus já se tinha deitado) reflectiam a luz do Sol para os meus olhos. A compôr o ramalhete, um fiozinho de luz desenhava os contornos da Lua, em quarto-recente. Lá pelas 11 e tal da noite o céu cheio de estrelas, o friozinho cortante e a luz puríssima arrepiavam por dentro e por fora. Lá estava o sete-estrelo, como dizia a minha avó, e a Orion, com as 3 estrelas ao centro que representam a espada do mítico caçador Grego (e parece que a do meio não é uma estrela mas uma nebulosa ou uma galáxia). Depois, além destas, há mais centenas de milhares de milhões por ali, no céu. E nós aqui na Terra à volta de uma delas. Percebo isto há muito tempo. Passei muita noites a olhar o céu e a tentar imaginar a Terra de fora, de longe. Hoje basta ver imagens que a Voyager na sua viagem para Júpiter tirou da Terra a 6 mil milhões de Km (um pontinho brilhante, um pixel na fotografia) para perceber que não somos o centro do Universo. E aqui, neste planeta, nós, seres inteligentes, criámos uma civilização. Olhar o céu e perceber que se olha o passado porque a velocidade da luz é finita e o que são estrelas e porque brilham e que olhamos o Universo e que provavelmente houve um começo e que aqui, ao nosso lado, outros seres inteligentes, mais frágeis, que classificamos como mamíferos, aves, répteis ... e plantas ... são nossos parceiros neste planeta a viajar na imensidão do espaço, ajuda a perceber e a valorizar o que fazemos e a vida que temos. Não é nem humildade nem arrogância é apenas perceber as coisas como elas são. Inventámos palavras para o que conta, como amor, afecto,  fraternidade, saúde, beleza ...
Pronto, lá vamos nós dar mais uma volta ao Sol. Depois, caso a ignorância, a estupidez e os egos maiores que o sistema solar de alguns não dêem cabo disto tudo, provavelmente daremos outra.
Uma volta feliz para todos.