sábado, 24 de novembro de 2018

neblínica dança

A coreografia não é ensaiada, É caótica, sensível à irregularidade do solo, à copa das árvores, às rajadas de vento que se opõem e se cruzam ou se adicionam. A neblina ora sobe lentamente como numa valsa ora, repentinamente, muda de direcção, adensando-se e fluindo pelo vale abaixo em paso doble (e não é que, há muitos anos, eu gostava de dançar o paso doble).
A floresta aos 900 m de altitude sob nevoeiro em dia de vento forte. Atravessá-la-ei na descida. Mas isso é para daqui a pouco. Para já, estou aqui na primeira fila a assistir ao espectáculo. O vento forte, que tanto sopra de frente como de costas, torna os 8°C em sensações reais próximas de zero. Mas o frio faz parte do espectáculo. Tal como as gotas ocasionais de chuva que, elas também, quando caem vêm de todos os lados. Um turbilhão. Um belo turbilhão. No vale, em baixo, a ribeira corre com força, ruidosa, alimentada pelas gotas, muitas gotas da chuva dos últimos dias. Quantas gotas? Não adianta calcular um número. O nosso cérebro evoluiu num mundo macroscópico. O muito grande e muito pequeno está para além do nosso entendimento. É apenas um número. Temos cerca de 10 elevado a 11 neurónios no cérebro. Isto é, 100000000000 neuróticos. Quantos? Um número maior que estrelas na nossa galáxia. Não se entendem estes números. Do Porto a Lisboa são 300 Km e um palito tem 1 mm de espessura. Para fazer uma estrada de palitos (lado a lado) do Porto a Lisboa são precisos 10 elevado 8 palitos, isto é 100000000 palitos. Muito menos palitos que o número de neurónios no cérebro. Com um número de palitos igual ao de neurónios dá para fazer 10 voltas à Terra. São muitos palitos! quero dizer, neurónios. Bem mas com estes neurónios vemos a neblínica dança, ouvimos o vento e sorrimos (uma coisa que é difícil atribuir a outros cérebros: cães, golfinhos ...).



sexta-feira, 16 de novembro de 2018

The "Ribeira da Sardeira", a documentary by João L. Attenborough


November early morning, a light and cooled mist dampens the leaves and rocks on my way to nowhere ... water flows in turns and no decisions are needed ... this is a place of beauty and wonder ...






Andei por ali a acartar pedras para atravessar para o outro lado da ribeira. Pedras pesadas, húmidas e cobertas de musgo. Há que ter cuidado quando se levanta uma pedra; podemos ter encontros imediatos do terceiro grau com insectos e, não querendo estragar o seu habitat, não os queremos a rastejar braços acima. Três pedregulhos, várias escorregadelas e meia dúzia de imprecações tabernáculas depois tinha um caminho de pedras que atravessava a ribeira.

Já na outra margem, fui caminhando ribeira acima ... a light and cooled mist dampens the leaves and rocks on my way ...

OK, vamos a isso. Ribeira da Sardeira, take 1:



Pé ante pé, ribeira acima até uma parede de pedra em que havia uma passagem, não para a outra margem mas ao longo da ribeira. Como que uns degraus de pedra esculpidos na parede.  Descalço seria fácil avançar por ali fora, mas um pé na pedra húmida e coberta de musgo com o sapatinho de sola rígida de carbono e, para mais, com aplicações metálicas levar-me-ia, em 2 segundos, a cair para a água. Resisti (não foi fácil) à tentação de arriscar passar com o telemóvel na mão e o video ligado.

Fui dar a volta, subindo um pouco e afastando-me da ribeira, a cujas margens regressei logo depois.
Azevinho, fetos, silvas, musgo, troncos cobertos de musgo, folhas, a água que flui. Flui também o tempo.



Ribeira da Sardeira, take 2:










A entrada, quero dizer, o caminho para a ribeira é por aqui, entre a parede de xisto e a Bétula. Na curva da estrada, o som da água que corre tumultuosa indica o caminho.


Não há que enganar (nem que perder), é só seguir o som.





terça-feira, 13 de novembro de 2018

O dia tem que começar a fluir de alguma maneira

Novembro 2018

Manhã de Novembro, 8 °C ao início da subida da serra. Friozinho nas primeiras curvas sombrias. Uma manhã húmida; os dias anteriores tempestuosos tinham saturado o solo e a atmosfera de água. Nas zonas onde o Sol batia o vapor de água elevava-se do chão e das folhas das árvores, formando pequenas nuvens. O frio que sabe bem. Não o frio de fazer formar o pingo na ponta do nariz. Esse é o frio que ruboresce as faces. Lembro-me bem de, há mil anos, na terra onde nasci, as mulheres embrulhadas em xailes e com o pingo na ponta do nariz. Narizes como deve ser; compridos e afilados. Sou muito sensível a narizes. Às vezes embirro com pessoas só por causa do nariz. Algumas nem conseguem formar o pingo na ponta. Tecnicamente, acho que o processo deve envolver a condensação do vapor de água das fossas nasais (mas fossas nasais como deve ser, em narizes que se vejam) sob a acção do frio exterior. Caso afile (o nariz), neste processo, forma-se a gota na ponta.

Quando cheguei à curva ribeira, quentinho das pedaladas, o Sol já lá tinha chegado. Rapidamente, ao Sol, a temperatura subiu para os 16 °C. Uma dia soalheiro ali na curva da ribeira. Sob as árvores, junto à ribeira, o friozinho instalava-se novamente.

O dia começara a fluir.



Hello !
Tinha deixado ribeira, voltado à estrada e encostado a bike para apanhar umas castanhas quando eles apareceram, pedalando nas calmas, sorridentes, prontos a meter conversa.
Hello! Eram o Nick e a Elaine.
Descontraídos, pouco agasalhados (ele com calções e T-shirt, ela muito bonita - a roupa não interessa), bicicletas com alforges, vinham do País Basco. Antes tinham atravessado os Pirinéus, e antes França, e antes o canal da mancha de ferry com as bikes. Eram Ingleses e vinham de bike desde Inglaterra ! Fomos por ali acima na conversa até que tive que voltar para trás. Eles seguiram para Sul. Vão cruzar o Alentejo até ao Algarve. Inglaterra-Algarve, tentando conhecer e pedalar por regiões montanhosas e, ali, onde estávamos era, disse o Nick corroborado por um sorriso da Elaine, one of the most beautiful areas we've ever seen in Portugal.

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

O dia tem que começar de alguma maneira (updated)

por exemplo, verde.
O verde da clorofila que, naturalmente, é verde porque esse é o comprimento de onda da luz que a clorofila não absorve e que, consequentemente, é reflectido para a nossa retina.
Pelos vistos nem sempre foi assim. Houve e há organismos fotossíntéticos que absorvem o verde e, logo, reflectem outras cores e são púrpura. Parece que estes organismos foram dos primeiros a fazer a fotossíntese à superfície da Terra. E, já agora, note-se que a fotossíntese (quando vemos as folhas verdes podemos assumir que a fotossíntese está ocorrer) é o único processo relevante de armazenar a energia solar na Terra e que é a fonte de toda a nossa comida e da maioria das nossas reservas energéticas. Ali estão as plantinhas, aparentemente frágeis, verdes, belas e essenciais à nossa vida a armazenar a energia do Sol.





e azul






e, de novo, verde. Além das outras.





E de tudo o resto.



segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Isto é ...

Novembro 2018



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(estrada de Cacilhas para o Terreiro das Bruxas)

Por regra, não faço planos. Por regra, penso apenas: vou para aqueles lados. Depois, é para o lado que o vento me leva, ou de uma ideia que, subitamente, se atravessa na mente, de qualquer coisa que acontece como, por exemplo, umas nuvens que cobrem a serra de um lado, uns aromas que se atravessam no nariz e me fazem ir para os lados das encostas de carqueja, de um fome inesperada que me inspira a pedalar para os lados onde sei que encontrarei medronhos, do Sol que, espreitando entre as nuvens, me faz imaginar as copas dos castanheiros e me empurra, pedalada a pedalada, para os lados dos magníficos soutos a meia encosta, já imaginando-me a olhar a abóbada de folhas quase mortas de Outono reflectindo o Sol esquivo e.... por aí fora. As pedaladas são caóticas no sentido físico do termo em que o percurso é muito sensível a pequenos detalhes e às condições iniciais ... (pedalo sob o "efeito borboleta")

Desta vez sentia-me imbuído de uma missão. Tinha um plano inspirado por um comentário num post anterior (O baloiço). Iria fotografar "isto é Lousã". Pelo menos fotografar o número máximo de "instalações" numa única volta (e, ainda assim, obrigou-me a andar da frente para trás e de cima para baixo na serra).


(Talasnal)

Uma das aldeias do xisto, talvez a mais bem conhecida, devidamente encaixilhada.


Estava na meia encosta. Teria que subir novamente para os lados do Chiqueiro (outras das aldeias do xisto) e daí para os lados do Terreiro das Bruxas, atingindo o Miradouro do Chiqueiro.



Esta, além de servir de moldura, é uma instalação interactiva. Equanto estive por ali, apareceu um casal jovem com dois cães, um enorme e com ar feroz e outro do tamanho de um pardal, mal se lhe percebiam as patas, parecia uma centopeia a caminhar - ah, pois, esqueci-me de dizer que todas as instalações têm acesso por estrada asfaltada. Colocaram o grandalhão na perna horizontal do "L" e o pardalito em cima do "O". O gajo encostou-se ao braço vertical do "L" numa pose hollywoodesca e a menina disparou as fotografias (houve dois ou três ensaios porque os bichos não paravam quietos e saíam do sítio).



Ao sair dali já me ia a ver com o olhar na abóbada das copas dos castanheiros e dos carvalhos lá para os lados do Terreiro. Pedaladas em força rumo aos castanheiros e foi então que o acaso se atravessou no caminho. Parei à entrada do bosque, comi uma banana, fiz a ginástica do costume no friozinho do dia (puxar o blusão para cima, levar no mesmo movimento a baselayer e, com o polegar da outra mão, puxar a lycra dos calções na zona da barriga para baixo, tentando com os dedos restantes colocar os componentes anatómicos externos do sistema urinário numa posição minimamente confortável para a execução do processo de libertação do filtrado nos nefrónios do rim - tarefa que, abaixo dos 7 °C, é susceptível de contratempos, if you know what I mean). Bom, mas finalmente ali estava em pleno desempenho da função, vadiando o olhar por entre as árvores quando, mesmo à minha frente, reparo nisto



Ali. Não um belo par deles mas um single: um magnífico corno de veado. Fiquei surpreendido com as pontas tão afiadas. Deve ter pertencido a um animal jovem e caído durante o acasalamento (a brama terminou há poucas semanas).


Trouxe-o. Entalei a base no bolso traseiro do blusão com cuidado para não cair. Quase todo de fora do bolso, tombava para o lado direito, fazendo-me cócegas nas costas. Foi bom. Pelas cócegas e também porque enquanto roçava sabia que o trazia no bolso.

Já a caminho do Terreiro das Bruxas, a entrar no souto, fiz um videozinho. Como se pode ver, a estrada é boa e é muito fácil ir até lá de carro.
Às vezes, vou por ali fora a pedalar e atravessam-se-me músicas na memória; esta que serve de banda sonora (completamente desnecessária !) ao videozinho e que é, aliás, a banda sonora de um belo filme que vi há tempos (Intouchables).




Já na descida para a vila, está a "instalação" que mostrei na fotografia com que abri o post. À saída um banquinho "convida naturalmente".



Tinha pensado que poderia terminar o périplo "Isto é ..." na cadeira pendurada sobre a ribeira num tronco de árvore caído entre as margens. Esta sim, belíssima. Mas teria que subir de novo para de novo descer e já não tinha mais tempo. Até o ciclista extraordinário que passa horas a pedalar pelas serranias tem uma outra vida que implica horários e afazeres desinteressantes p´ra caraças, to say the least.