sexta-feira, 30 de junho de 2017

E, ao segundo dia, Domingo, a luz desfez-se e o ar da manhã não era o ar da amanhã

Domingo, dia 18 de Junho.
(depois de ontem, Sábado, ter estado no Trevim à uma da tarde na tarde, um pouco antes do início do incêndio de Pedrogão)

Fumo. O amanhecer de Domingo cheio de fumo. Um fumo que formava gradientes à medida que se subia na serra. O incêndio andava na encosta do outro lado, do lado da Castanheira de Pêra, mas o fumo tinha subido a serra e começava a cobrir o lado de cá, vinha de cima, insinuando-se pelas rugas dos vales. Logo à saída da Lousã.



Eu, inquieto, não sabendo ainda da tragédia que ocorrera do outro lado (embora pelo reboliço da noite com carros e sirenes serra acima e serra abaixo sugerisse que algo grave se passara), pego na bike logo pela manhã e pensei subir ao cimo, ao Trevim pela EN236 (a que agora chamam da morte), onde tinha estado no dia anterior. Talvez dali percebesse a dimensão da coisa. Uma pedalada, duas pedaladas, um km, dois km, e parecia que subia ao Evereste. Caraças não consigo respirar. Mas mais um bocado. Quando tiver vistas para o Trevim terei uma ideia mais precisa do que se passa. E martelava este pensamento para me auto-estimular.
À medida que subia, o céu ficava cada vez mais estranho, amarelo, esquisito, marciano ou neptuniano, talvez uraniano. Tentei arranjar uma teoria que tranquilizasse o meu lado racional: a exposição a situações de stresse (ambiental) em baixas doses até é benéfico para a saúde. As minhas células vão sentir estes gases tóxicos e vão implementar a resposta ao stresse. Vão accionar os mecanismos da hormese. Isto até vai fazer-me bem. Um stressezinho em background é do melhor que há para manter a saúde, é até rejuvenescedor. Até comecei a sentir os genes a expressarem-se, proteínas de defesa celular a inundar as células, a glicólise a acelerar para compensar a hipóxia, uma agitação celular em todo o corpo. Nada como uma hormesezinha logo pela manhã para ficarmos mais jovens. Pronto tinha uma teoria e estava tranquilo. E embalado pela teoria fui pedalando e subindo.



Comecei a perceber que não iria longe.
 O Sol era assim, com contornos ... ou melhor sen+m contornos definidos.




Às tantas estava num ambiente estranho. Pedalava e, como quem pedala sabe, por vezes pedalamos porque a seguir a uma pedalada vem outra. Uma e outra ...
Só quem pedala entende isto. Outros dirão que é estupidez ou que é irracionalidade ou obessão. Não é. É uma vontade que se apodera de nós e nos impede de parar quando as coisas estão difíceis (que força é essa, que força é essa que trazes ...).



Depois, para mais, no meio de tudo aquilo, imerso naquele universo estranho, comecei a achar tudo muito belo à volta, a luz, as penumbras, o ambiente para-real, os contrastes






A EN236 ladeada de castanheiros, carvalhos, urze e pedras




Como bem sabia, tive que parar. Não conseguia mais. Na véspera tinha subido ao Trevim a 1200 m com temperaturas acima dos 40 graus. Nada comparado com isto.

Voltei para trás, muito para trás e meti-me por um estradão a meia encosta, paralelo ao vale, mantendo a altitude. O fumo estava lá a chegar. A floresta estava tranquila mas havia a expectativa de que a qualquer momento alguma coisa iria perturbar o silêncio. Ia ali percebendo cada segundo na expectativa do próximo. Como que acossado por aquele silêncio.



O fumo vinha aí, infiltrava-se por entre as árvores





O leito dos riachos furiosos do Inverno tinham umas poças aqui, outras ali, sem dinâmica nenhuma, uma pasmaceira


secos




a luz do Sol filtrada pelo fumo, amarela e laranja, como que incendiava clareiras no chão da floresta. Um deslumbramento






À volta estava tudo calmo e, no entanto, como disse, estava sempre na expectativa de um susto, de animais em alvoroço; cervos, javalis, ginetas ... Quantos terão ficado encurralados e morrido? E insectos e vermes na terra e , e, e, e, ... a terra esterilizada pelo fogo. Lembro-me que havia uns pássaros a esvoaçar mas não senti sinais de grande perturbação. Também eles respiram oxigénio e provavelmente estariam em hipóxia. É que já por ali também ali o fumo se adensava.

Desci para a vila o que me faltava descer.

No dia seguinte, saí do país para uma cidade no Norte da Europa. Que bem que me soube a chuva que por lá apanhei. Até a bebi, de boca aberta para o céu. Figuras tristes: à noite, de braços abertos, cabeça levantada e boca aberta, à chuva à porta do hotel. Are you OK? Sim, vou já, estou só aqui a apanhar um pouco de chuva. Hã!? Como é que eu explicar ia aquilo aos outros?





segunda-feira, 26 de junho de 2017

E, no Sábado, à 1 da tarde, eu andava por lá, na bike, lá em cima no Trevim, a olhar para o que iria arder daí a pouco no incêndio de Pedrogão

Junho, 17, 2017

A la una de la tarde ...

Não pedalava há mais de uma semana. O dia estava muito quente. Daqueles dias que só havia de vez em quando antes de se banalizarem. Resolvi subir ao Trevim, dos 200 aos 1200 m em 20 km, pelos caminhos da serra. A direito, serra acima. Tudo seco. Algumas bicas de água aqui e ali que bem conheço estavam mortas que nem um chamiço. Umas zonas húmidas onde no Verão sujo a bike de lama, nada. Apenas terra dura. Aos mil metros, a bica de água fria à beira do estradão das eólicas que já me salvou tantas vezes, e que em pleno Verão jorra sempre em força, estava mortiça. Irreconhecível. Ali sob os fetos.




A coisa estava difícil. Em andamento o termómetro na minha bike andava entre os 39 e os 40 C. Ali parado, na bica que fica no estradão das eólicas, sob as árvores estavam 33, uma frescura, tão bem que ali se estava. Ao fundo, o planalto da serra do Buçaco.





Mas não podia parar muito tempo. Estava já em cima da bike, tentando arrancar naquela inclinação (o que não é nada fácil), quando ouço um barulho ao meu lado, mesmo ali. Olho e, por entre os arbustos, sai um pequeno vulto. Uma galinha? Não. O estilo era o da galinha. Pé ante pé, olho em mim, de lado, desconfiado. Um javali muito jovem, muito bonito e pequenino, com listas coloridas no dorso. Ali, a dois metros. Eu estava em cima da bike mas com os pés no chão. Lentamente levei a mão ao bolso de trás para tirar o telemóvel mas, mal pressentiu o meu movimento, assustou-se e fugiu, metendo-se por entre os arbustos. Foi nesse momento que ouvi um urro. A mãe. Estava ali. E eu ao pé da cria. Deveriam vir também beber à bica onde eu estava. Foi o costume. Cabelos em pé, adrenalina por todos os poros, encaixei os pés nos pedais e pedalei o que pude, fugindo por ali acima.
Estava quase no Trevim. Difíceis, muito difíceis aqueles últimos 200 m em altitude.
Nestas circunstâncias não se percebe a paisagem em redor como se a víssemos num écran. Percebia que, de vez em quando, o Sol se escondia nas nuvens. Mas a sensação era a de um céu azul azul por cima. Lembro-me de ter olhado para o céu e pensar que havia umas nuvens estranhas. Mais manchas esfarrapadas que nuvens. Apareciam e desapareciam.
Cheguei ao Trevim, parei. Olhei para Este, para as serranias do Açôr até à Estrela, como já fiz um milhão de vezes. Às tantas olhei para o termómetro na bike: 42 graus C. Estava a 1200 m de altitude.


Só agora percebo, ao ver a fotografia, que para estes lados o céu não estava azul. Castanheira de Pêra e Pedrogão ficam para a direita, fora da fotografia. Comecei a descer por esse lado, dando, depois, a volta para a Lousã. Tive um pensamento estúpido: vai ser das últimas vezes que ando por aqui a pedalar sem fumo.
Ao cimo de Castanheira entrei numa parte da floresta onde há uma bela fonte. Cheguei lá por um caminho entre pinheiros sobre o Coentral. Aí tive um novo encontro imediato do terceiro grau. Desta vez um corço, também jovem, salta para o caminho uns 20 m à minha frente. Belo. Não me esperava porque eu ia silencioso. Correu um pouco, afastando-se e logo se meteu na mata.

Já na fonte 
 

O bem que sabe estar ali num dia como este ia. Mas nunca a vi tão jorrar tão tímida.



Olhei para cima, tentando ver o céu,



 e fui-me embora.

No dia seguinte, Domingo, tentei voltar aqui.  Mas o dia era outro. O incêndio tinha feito o seu caminho. Conto para a próxima.



sexta-feira, 16 de junho de 2017

The bike is a place of healing?

Há 4 anos atrás
(Julho 2013)


Era eu um rapaz novo e a esta fotografia tinha juntado estas ideias para entrelaçar com a paisagem:

"The bike is a place of healing, a source of dynamic challenges, a space for lofty dreams, a guide to inspiration, a vehicle of adventure, a tool to make friends, a sweat therapist, the key to mental and physical well-being, and a life teacher in graceful success and frustrating disappointments"
Sonya Looney


Sem poder pedalar há muitos dias, noto que algumas destas ideias têm um impacto tsunâmico.




domingo, 11 de junho de 2017

Belas e fatais mas mudemos de assunto

Junho 2017

Era para falar das belas e fatais plantas.
É uma história muito bonita em que o sódio e o potássio andam que nem galinhas tontas de um lado para o outro da membrana das células, gastando energia que se fartam pois é preciso uma bomba para os manter separados, o sódio sobretudo do lado de fora e o potássio do outro lado. E é uma chatice quando andam em rédea solta e se equilibram dos dois lados das membranas das células porque assim as coisas não funcionam como deve ser, o cálcio invade a célula como um tsumani, vesículas com neutransmissores precipitam-nos no abismo formado por espaços entre neurónios (e outras células), as fendas, e para rapidamente tirar os noves fora, no meio desta tempestade de moléculas à solta a célula morre que é como quem diz nós morremos. Pronto.
Uma toxina de um tipo de  corais, belíssimos, em alguns mares de águas mornas (por exemplo, mar das caraíbas) inibe a bomba que separa o sódio do potássio. É o tóxico orgânico mais potente. Bastam uns pózinhos, quase nada, para matar. Há outros inibidores desta bomba que põe o sódio e o potássio no seu devido lugar. Por exemplo, nesta planta que encontro por todo o lado durante as pedaladas: a dedaleira



Belas e potencialmente fatais, como, aliás, muitas outras plantas. É por isso curiosa uma idea que anda por aí nos media e na cabeça de muitas pessoas: tudo o que é natural é bom. Às vezes junta-se a esta uma outra ideia muito estúpida: é que é natural e não tem químicos. Até nos media fomentam este tipo de ignorância. É de ficar com os cabelos em pé.




(o cenário é o planalto da Estrela, na linha do horizonte e as fotografias das dedaleiras são apenas um pretexto para mostrar as lonjuras que daqui a vista alcança)

Era para falar nisto e ir por aí fora, dando exemplos de "plantinhas fofinhas" tóxicas, belas e fatais, e até podia incluir escaravelhos e escorpiões e, até, talvez, falar sobre utilização terapêutica destes venenos; o Botox poderia ser um bom exemplo - um dia destes ponho-me aqui a arengar sobre o botox e a toxina botulínica, um composto tóxico potentíssimo, e sobre as cerimónias vodu e às tantas até ponho um vídeo do Michael Jackson sobre os mortos vivos mas mudemos de assunto.

A água que corre na ribeira de S. João na serra da Lousã. A ribeira vai tímida, quase em jejum. Não chove e o ano vai seco. Noutros anos, por esta altura, corre ferozmente.

De onde vem o som da água que corre?

Eu tenho uma teoria (mas que agora não interessa).






Porque o que agora interessa é a água que corre e, como dizia o outro:

Let´s look at the "treilór"

(para ver o trailer com sons em fundo sob o som da água que corre fica aqui a versão de The sound of silence de Paul Simon por Pat Metheny)


e o treilór:



sábado, 10 de junho de 2017

Quintas ao anoitecer

8 de Junho 2017


As Quintas têm que terminar de alguma maneira.
Esta terminou assim, sob a luz quente e o céu rugoso, salpicado com formas aparentemente ordenadas, mas só aparentemente, de gradientes de cor, muito inesperadamente e muito oposta à manhã de Sexta seguinte passada sob o tecto baixo, de placas de contraplacado, numa cama ao lado de outras, sob a luz pálida, uniforme e nem sequer fria, apenas indiferente.



Cheguei, sem surpresa, após umas pedaladas pela mesma estrada por onde dei já mil pedaladas vezes mil, olhando as bermas e as encostas, e as árvores e tudo à volta. Faltava ver o céu. Penso muitas vezes que a maioria das pessoas não olha o céu, nem à noite nem de dia. E, no entanto, ... que dizer?


Nas linhas da bike há uma apelo de liberdade, como nas asas de uma ave. Uma heresia para muitos, bem sei. Basta pedalar por ali sob este céu, sentir o vento e a chuva, para facilmente o perceber.


Para que fique a data: 8 de Junho de 2017. E que há um céu sobre as nossas cabeças.





sexta-feira, 2 de junho de 2017

Another day at the office e a idade das árvores da floresta

Maio 2017

Quando eu nasci algumas destas árvores já aqui estavam, outra não. Outras terão nascido na mesma altura que eu. Tal como eu, as árvores envelhecem. Mas o envelhecimento não é a mera passagem do tempo. O meu fígado pode estar mais envelhecido que o meu cérebro e este mais que o meu coração. Há a ideia de que o perfil epigenómico pode indicar a taxa de envelhecimento. O envelhecimento? Pois, a degradação estrutural e funcional de orgãos e sistemas biológicos. E porque é que acontece? Ah pois. Só de há poucas décadas para cá é objecto de estudo pela Ciência. Há teorias; a dos radicais livres, a dos telómeros, há experiências de prolongamento do tempo de vida em moscas e em mamíferos mas, para me armar ao pingarelho, acho que nos está a escapar um conceito biológico qualquer, uma coisa fundamental. Não sei qual. A passagem do tempo é talvez e apenas um factor de risco. É isso mesmo: do ponto de vista biológico a mera passagem do tempo é um factor de risco para o envelhecimento. Mas "apenas" isso. Sou mais velho que uma destas árvores que nasceu no mesmo ano que eu? E a teoria da relatividade do tio Alberto que diz que o tempo passa mais lentamente quanto maior é a velocidade. E se eu sair daqui quase à velocidade da luz e for dar uma volta à galáxia chego com a mesma idade mas mais jovem? O epigenoma? Em essência, modificações químicas no DNA e nas proteínas em que o DNA se enrola (o DNA está aninhado e enrolado em proteínas) que modulam a expressão de genes ( e logo o que  nós ser vivos - incluindo as árvores - somos e como nos comportamos). Se o genoma fosse o tronco de uma árvore, o epigenoma seriam os ramos frágeis que se forma e partem e as folhas que caem, mantendo-se o tronco firme e intacto. A parte mais estranha é que o epigenoma está nas nossas mãos; o que comemos, o meio ambiente em que nos movemos, influencia a paisagem epigenómica. Como já alguém disse, o DNA dos nossos pais não é o nosso destino. E, no fundo, dos pais herdamos não só os genes mas também o ambiente em que viveram. E onde é que eu ia? Ah, as árvores e o envelhecimento. Apesar do envelhecimento do cérebro, parece-me que a disfunção não é global (não encontro palavra melhor) ou, pelo menos, não é à mesma velocidade em todas as funções. Por exemplo, a memória perde-se mas conceitos elaborados como a beleza e o amor nem por isso. Acho eu. A floresta é bela para mim hoje e, caso vivesse até aos 100, acho que também o seria nesse altura.

Há uns tempos que por aqui não pedalava. A última vez, há uns meses, foi debaixo de chuva. Fresquinha, como é a chuva aos 800 m de altitude
















O que se esconde por detrás da luz?



Este é o caminho que leva à Fonte Fria

Quase que foi uma surpresa dar com a fonte





Uma bela bike esta. Com ela vou seguir o caminho que se afasta da fonte.