terça-feira, 25 de abril de 2017

Flor da carqueja

Abril 2017

Por esta altura do ano, lá para os lados do Coentral, do outro lado da serra, as encostas estão cobertas de carqueja em flor. É um tsunami de luz. Até onde a vista alcança a flor amarela da carqueja cobre a serra.

Ora deixa cá ver Vincent João L, mais um toque ali (que saudades que tenho disto !)



dois passos atrás, para ver o todo e


dou por acabada. Pronto. "Pronto" deve ser uma palavra que nenhum pintor pronuncia. Não estou a ver o Picasso ou o Van Gogh a dizerem "pronto". Quanto muito: pronto, estou farto disto, quero fazer outra coisa. Isto é um assunto sobre o qual às vezes penso. Quando é que um artista pensa: já está! Acho que nunca pensa isso. E, já agora, no meu curriculum de "pintor" tenho o prémio Nacional da "serra da Estrela vista pelas crianças". Tinha 12 anos, fazia o ciclo preparatório e ganhei o prémio. Um concurso a nível nacional. Usei um rolo de papel de embrulho (deveria ter uns dois metros por dois) que fui enchendo de montes e árvores e nuvens e Sol e riachos e ovelhas e pedras e cães e, no centro, enorme, gigante, em primeiro plano, um pastor. Ainda me lembro que o prémio foram 300 escudos, uma fortuna na altura. Portanto, como é fácil de ver, estou ao nível de um Picasso, mais coisa menos coisa.

Mas vamos ao que interessa. O vale do Coentral na serra da Lousã. Pedalar até lá é um grande risco. É que pode não se ser capaz tolerar tanto.
Por exemplo, pedala-se por ali num caminho à sombra das árvores, num ar límpido, com veados a espreitarem por entre as árvores da floresta aos mil metros de altitude e, às tantas, na curva do caminho, abre-se o vale.


Coberto de carqueja em flor. É um amarelo que nunca se acaba.

Já aqui escrevi sobre a aldeia do Coentral e a profissão extraordinária que ocupava alguns dos seus habitantes no início do século passado: os neveiros e os poços da neve. A corte em Lisboa usufruía do gêlo levado daqui no Verão, do Sto. António da Neve (armazenado em poços), na serra da Lousã. Primeiro em carros de bois até ao rio Zêzere e, daqui, em barcaças até Lisboa pelo Tejo. Uma história extraordinária.
Ali, vê-se à direita o Coentral. Ao centro o cume, o St. António da Neve


Há cerca de um mês estava branco


Hoje está amarelo, e perfumado. Nos dias como hoje a brisa quente varre as encostas em ondas, uma vezes mais intensa do que outras, trazendo o aroma.


90 graus para a esquerda, para Sul, o mesmo.


Deste lado, ao contrário das encostas Norte, as acácias ainda (e digo "ainda") não invadiram (e deveria dizer "fagocitaram") tudo. Talvez um dia o amarelo que cobre estas encostas seja o da flor das acácias, tal como acontece no lado Norte.

A minha avó não fazia coelho de cebolada que não levasse carqueja. Levei uns raminhos para casa. O ideal teria sido levar também algum coelho que por ali andasse (se fosse capaz).
Na altura em que a minha avó fazia o coelho com carqueja, as pessoas tiravam o boné e curvavam-se perante outras (os srs fulanos que tais), caladas, cabisbaixas, como que agradecendo alguma coisa. É uma das recordações mais intensas que tenho de antes do 25 de Abril de 1974. Já na altura me fazia uma grande aflição, me deixava um vazio no estômago (e sem perceber porquê). Uma ignomínia.






domingo, 23 de abril de 2017

Nota técnica sobre cantis para água (à atenção de BTTistas, caminhantes, corredores e outros artistas)

Abril (quase 25) 2017

Escrevi este post a pensar, sobretudo, em duas BTTistas que conheço da net. A morena (acho eu) GM do Centro do país, ali para os lados dos pinhais mandados plantar por D. Dinis (do blog PDUG) e a loira do Nuârte que gosta de pedalar até aos cumes das serranias graníticas (do blog TQUB). Duas musas inspiradoras ;)

Já por aqui me armei em "esperto", como dizem os nuestros hermanos do outro lado da fronteira, fazendo comentários sobre alguns "produtos"em tom de quem percebe da coisa. Armado em expert. É que, por vezes, dou com pequenos utensílios (ou peças de roupa) que aumentam extraordinariamente o conforto e o bem-estar nas pedaladas em cima da bike e ponho-me para aqui a arengar, pensando que alguém pode tirar destes comentários alguma utilidade.

E é sobre um cantil para a água que quero falar hoje.

Já mais do que uma vez aqui elaborei um relatório circunstanciado sobre a tecnologia do casaco 3 em 1 (impermeável, respirável e corta-vento) da Gore. A Gore conseguiu um polímero trilaminado que suporta as características que acabei de referir. Um casaco caro mas para quem anda na montanha com frequência é um "must" (e sai barato em termos de saúde, para não falar da durabilidade - tal como os Rolls Royce que duram 100 anos e servem para várias gerações).

Também já dissertei pormenorizadamente (ou foi num email?) sobre os óculos bifocais da DUAL EYE WARE (https://www.dualeyewear.com), extremamente úteis para quem chega àquela situação de merda em que ainda vê alguma coisa ao longe mas já nem consegue ver bem as horas (para não fala do ecrã do telemóvel). Impecáveis. Óculos de Sol, desde o tipo casual até à aviação, passando por vários desportos. Pode escolher-se a graduação da faixa inferior. Em Portugal não há, têm que ser importados (os mais baratos andam pelos 40 euros). Quer dizer, em Portugal há por aí uns óculos em cujas lentes é colada uma tira amplificadora na parte inferior. Um desenrasca mas nada de jeito.

Ainda a propósito de óculos, também aqui publiquei uns comentários sobre os óculos de plástico transparente da Endura. Porquê? Porque nos dias cinzentos e de chuva os óculos embaciam. E na bike usar óculos para proteger os olhos é uma regra de ouro. Pedalar de óculos embaciados não é uma grande ideia. Atravessa-se uma árvore ou uma pedra à frente e é uma chatice. Em termos de "fashion" os óculos estão ao nível das ceroulas de antigamente mas custam menos que 20 euros e são extraordinariamente úteis.

E depois destas notas curriculares que evidenciam a minha competência na área do "temos que fazer alguma coisa para resolver o problema" passo aos cantis para a água.

A maioria dos cantis de plástico para a água que são usados em desporto são uma grande merda. O problema reside nos polímeros com que se fabricam os recipientes de plástico. Basta abrir a tampa de um cantil (na gíria, boião - aquelas garrafas de plástico que parecem um biberão)) e nota-se o cheiro a plástico intenso. Portanto há moléculas dos polímeros que se libertam e chegam ao nosso nariz. O mesmo com o sabor; a água fica a saber a "plástico". Portanto, a água está a dissolver (ou a suspender) moléculas que fazem parte do plástico. E isto, além do sabor desagradável pode ter outras consequências. Por exemplo, sabe-se hoje que as garrafas de plástico de água engarrafada que se vendem por todo o lado podem libertar bisfenol. Ora, o bisfenol pode ser tóxico (entre outras coisas provoca alterações epigenéticas nos nossos genes). Há países em que já não se usam as garrafas de plástico para a água, pelo menos as fabricadas com o polímero que é vulgar encontrar por aí. Já agora, e sem me querer dispersar, os polímeros (e a composição é muito diversa) são uma das conquistas tecnológicas extraordinárias que se conseguiram no sec. XX. Basta olhar à volta, do mobiliário, aos automóveis e aviões, à nossa roupa, utensílios de todo o tipo, e etc etc etc, para tal verificar. Mas nas garrafas e nos cantis para água os resíduos da polimerização (monómeros) ou outras substâncias (intencionalmente ou não adicionadas) ou ainda outra coisa qualquer que agora não estou a ver (por exemplo, processos de fabrico baratos e sem grande controlo de qualidade) são dissolvidas pela água e ... bebemo-las. Por regra, queixamo-nos do sabor, esquecendo que o aspecto que pode trazer chatices é que estamos a ingerir substâncias dissolvidas na água.
Há polímeros mais ou menos adequados às utilizações para os quais são concebidos. Uns bons e outros maus. Estive há pouco nos EUA e numa loja de desporto extraordinária que já conhecia numa outra cidade (a REI) e vi cantis de água para ciclismo da PURIST. Ver, por exemplo, aqui:
 http://www.specializedwaterbottles.com/purist-technology

Comprei uma por 10 dólares. E o que eles dizem é verdade: inspired by nature, no more bad taste, all the benefits of glass. A Purist usou uma tecnologia que blinda o interior da garrafa de plástico (quer dizer torna a superfície completamente não molhável) e, portanto, a água contida na garrafa não tem cheiro nem sabor. Sabe à água que pomos lá. Testei a garrafa esta semana com calor e deixei até a água três dias na garrafa e .... nada. Sabia como no dia em que a lá coloquei.
Fiz uma busca rápida e não as encontrei em Portugal (mas deve haver). Encontram-se na Purist, nos sites de marcas de bike, na Amazon, na Ebay e por aí.

A que eu comprei parece um cantil da tropa mas joga muito bem com as cores da bike:


O extraordinário vale da ribeira de Alge no lado Sul da serra da Lousã é um belo cenário para a Purist bottle.




As garrafas da Purist também me parecem adequadas para pessoas que, no final de um dia de trabalho, gostam de dar um passeio pela beira-mar (e pela beira-rio). Mesmo numa carteira de Senhora não me parece que fique mal uma garrafa que, embora em formato de biberão gigante, é da Purist (if you know what I mean T.). Pronto, fica um ;)








quinta-feira, 20 de abril de 2017

Vamos lá dar alguma elevação a isto: a bike no MoMA ou o gajo da serranias em NYC

April 2017 NYC


Ora vai um tipo distraído na esquina de um Kandinsky com um Monet e, por entre os vultos que por ali andam a cirandar, tem uma visão que o deixa perturbado: caraças, só me faltava ter visões de bikes aqui no MoMA. Mais uma volta sob o céu estrelado do Vicent e ... mas afinal ... mau, estou pior do que pensava. Mas está ali uma bike!  Isto deve ser da fome, vou mas é lá fora enfardar mais uma bela de uma salsicha com molho de tomate na barraca ali à porta. Resolvi sentar-me um bocado. É que um gajo também não é de ferro: vira-se as costas ao Pablo e às meninas de Avignon e dá-se de frente com o Pollock como é que isto se aguenta? Claro, vêm as visões de bikes no meio disto.


Imaginei uma roda de uma bike montada num selim em forma de banco ... Aqui? Ridículo. Fui ver de outro ângulo. As sombras no estrado quase faziam uma bike completa.


Daqui parecia-me a mesma coisa mas com um pequeno detalhe adicional; em fundo, como cenário para a roda da bike, estava um arqueiro do russo Vasily. Lá ao fundo, por cima das cabeças, junto ao tipo da barba mal aparada e de brincos nas orelhas.
Ali:


Sempre achei que pedalar em cima da bike é como que um bailado. Seriously. Um bailado que, dependendo do biker, pode ter uma forte componente sensual. Seriously outra vez. As formas, o arfar, os músculos que se movem, a pele suada, o ritmo, a luz reflectida, os movimentos harmoniosos ... bem vou mas é dar uma volta.

Depois da roda da bike, no mesmo espaço, mais esquina menos esquina, a pintura quântica do Vincent: está tudo em todo o lado ao mesmo tempo. Ele viu o que os modernos espetrómetros vêem e que é invisível para nós, ordinary people, a olho nu. Uma dinâmica extraordinária por detrás da aparente tranquilidade do céu estrelado.


E às tantas imaginava-me por ali de bike às voltas. E olha lá estão as meninas do Pablo em pose. Para mim?


Depois semicerrei os olhos e tentei ver os liláses em perspectiva. Com um dedo pressionei o canto do olho, desfocando o meu campo de visão. Pelos vistos, segundo li, a mulher do Claude andou a vender-lhe os liláses, tantos os que ele pintou.


Estava quase a pedir "não mais musas não mais" quando numa curva mais apertada passei pelo Jackson. Só me faltava este "despintor" maluco!


A olhar para trás, ainda na curva, quase que me espatifei contra a janela, ah não, sorry Mr. Rothko


Estava a precisar de apanhar ar. Urgentemente. Saí dali disparado rente ao Kline


e apanhei o lado Upper West do central park. Com alguma dificuldade, diga-se de passagem, tive mesmo que levar um mapa para me guiar.


Que sonho estúpido este ! O que faz um tipo das serranias da Beira no meio do trânsito na 7ª avenue a pedalar com um chapéu vermelho e barba desgrenhada?


Non sense. Mas ...? Hey that´s my bike !





sábado, 8 de abril de 2017

Abril Sol a mil águas nem vê-las e um risco branco de neve (ah e umas panorâmicas)

Abril 2017

Lembro-me bem que falar do tempo era importante. Dantes. Chove pouco, as coisas não medram. Chove muito e faz Sol está tudo a vir antes do tempo. Hoje não se fala do tempo a não ser para saber se o fim-de-semana vai estar bué da fixe para a praia e mais não sei o quê. E também já ninguém olha para o céu para saber se está a chover, consulta-se o telemóvel (há sempre uma app manhosa para qualquer serviço). Pronto, depois desta introdução à velho do Restelo convém não esquecer que a papinha que comemos (das plantas aos animais) está dependente do Sol e da chuva. Convém não esquecer que na Biosfera nos comemos uns aos outros. O Quino, genial a maioria das vezes, lembra bem isto quando a Mafalda vai ao frigorífico e grita para a mãe que está lá um cadáver (um frango). O carbono de alguns átomos que me constituem fizeram, muito provavelmente, já parte do organismo de outros seres vivos, de um insecto, a uma planta, a um outro humano.

Uma semana depois do nevão, no mesmo local, o Sol brilhava intensamente. Percebia-se no horizonte, no planalto da serra da Estrela uma risca branca. Ainda por lá havia neve.


Uma semana ante tinha ali passado sob frio, neve e nevoeiro intenso. Uma outra realidade e, por isso, um outro local. Pelo menos na minha cabeça era um outro local. Surpreendo-me sempre ao passar nas mesmas coordenadas GPS  (para dizer isto de uma maneira que se entenda) mas vendo outros sítios nas mesmas coordenadas, como se fosse a primeira vez que por ali passo.

Olha o Trevim !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!


Olha o planalto da serra da Lousã !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!



Olha o Trevim outra vez !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!



Olha as serranias das Beiras, a Estrela, o Açõr, o Caramulo, Montejunto e o Buçaco que não ficou na fotografia mas estava logo ali à esquerda. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Mas há sítios destes? Há.



E olha outra vez o planalto da Estrela com uma risca de neve !!!!!!!!!!!!!!


e mais perto.


mas no mesmo sítio


quinta-feira, 6 de abril de 2017

Andanças e outras arquitecturas

Abril 2017

Dali


P'rá qui



Gostei de ambas. Ali o Sol punha-se, aqui nascia.

Vêem-se poucas bikes a circular por Lisboa. Mas já se vêem algumas. Percebo que, dado o tráfego, o risco é grande. Mas se é possível em quase todas as grandes cidades que eu conheço porque é que em Lisboa (e Portugal em geral) não é? Por exemplo, um tipo chega a Tartu na Estónia e na praça central, a mais movimentada, vê placas com informação específica para ciclistas, ou a Berlin onde, no meio da  confusão do tráfego , se pedala na maior descontração ou até na chuva em Cracóvia , para não falar em Kyoto - ah Kyoto, há quanto tempo ando para postar as pedaladas na cidade dos mil templos, a antiga capital imperial do Japão - onde os peões dão licença aos ciclistas para passar. A razão é a estafada falta de civismo? Não. É por estupidez.

domingo, 2 de abril de 2017

Riachos e suas circunstâncias (redondezas? margens? não!)

Serra da Lousã


"Primordial". É a palavra que me vem à cabeça. Primordial na perspectiva da Evolução. Uma sensação que já cá está e que é acordada, não alguma coisa que vem do exterior, nos perturba (bom ou mau) e nos provoca uma reacção. Chego ali e ao ouvir a água a correr, ao ver o musgo nas pedras e nos troncos, pequenas plantas a irromper por todo o lado, o Sol reflectido nas folhas das plantas, a complexidade das sombras ... acelera-me um fluxo cá dentro, um regato que já cá corre. Uma coisa primordial. Fazemos parte da Biosfera e há quem isso não entenda. De um ponto de vista da Evolução o Si bemol de um violino é muito posterior ao som da água que corre. Bem, às tantas a água corre, pelo menos de vez em quando, em Si bemol.
Há um bem-estar profundo (nada daquelas coisas tipo Zen e não sei quê; não, antes uma coisa com vida) que se instala naturalmente, que me deixa atento. De repente lembrei-me que,  há muitos anos, por acaso, dei com uns rabiscos e uns borrões de tinta preta numa tela que me deixaram muito impressionado. Eram de Antoni Tàpies. Há uma linha ténue que separa os borrões do Tàpies dos troncos das árvores caídas. Ambas me atraem mas ... mas não sei bem o quê. Um dia destes ponho-me a pensar nisto.