sexta-feira, 29 de junho de 2018

the not so long and winding road ou um Junho Novêmbrico

Junho
Serra da Lousã

(Sir Paul and folks during the 90's)


EN236. Longa e tortuosa como convém às pedaladas. A uma curva segue-se outra, mantendo-se acesa a curiosidade sobre o que está para lá da curva seguinte. Antecipando-me - e sabendo-se que à subida se segue a descida e, mais ainda, que enquanto que a subida é lenta a descida é feita de cara ao vento a boa velocidade - quando a tortuosa EN236 foi feita a descer, curvando bem inclinado nas curvas, sentindo um friozinho no umbigo ao desfazer cada curva na expectativa de nada me aparecer pela frente, às tantas atravessa-se-me um javali. Àquela velocidade nada  poderia fazer. O bicho apareceu-me pela direita e atravessou a estrada a correr na perpendicular à minha frente. Só percebi o que raio era aquele vulto quando o foquei mesmo à minha frente, ali, dois metros à frente da roda da bike; um corpo redondo entre o cinzento e o castanho, peludo, com um focinho bicudo e saliente. Nem tive tempo de travar. Quer dizer, ainda travei durante uns segundos. Caraças, se tivéssemos chocado teria sido uma grande merda (para mim claro). Vejo-os com frequência nos caminhos e trilhos da floresta e da mata mas nunca ali, em pleno dia, a atravessar a estrada. Mas o dia estava Novêmbrico e silencioso e eu deveria ter pensado nisso. Nestes dias os animais vagueiam mais à vontade. Uma vez, indo eu em boa pedalada num trilho estreito plano lá no cimo da serra, entre arbustos que não permitiam sair do caminho, sinto um cheiro intenso e, no mesmo instante, salta-me um javali para a frente. Eu a pensar se deveria parar ou continuar a pedalar e o bicho enorme ali a correr à minha frente no mesmo trilho perseguido por mim. Por fim, enquanto eu não me decidia, ele tomou a iniciativa e meteu-se por um buraco entre os arbustos, serra acima. Lá parei a tentar que o coração me saísse da boca e voltasse ao seu lugar no peito.


The long and winding road ...

... I´ve seen this road before



it always leads me here




Um dia de Junho, mais Novêmbrico que Júnhico. Aos dias de chuva na serra tinham-se sucedido dias quentes e de Sol aberto. A humidade era intensa quando, neste dia, o céu se tapou sobre a serra, mas apenas sobre a serra, e a temperatura baixou um pouco. Em todo o vale o céu era aberto e azul, vendo-se a serra coberta por um manto gasoso e branco. Um fenómeno curioso, uma neblina que se assapava sobre as encostas e o cume, que permanecia ali, nem se dissipando nem se movendo (como o outro que nem coisa e tal nem sai de cima), andava por ali lentamente a vaguear, abafando sons e tornando a estrada ainda mais tortuosa e longa.



I´ve heard this song before:

(Ray Charles with the Count Basie Orchestra - the long and winding road)

sexta-feira, 22 de junho de 2018

Há alguma coisa que está a escapar-nos

Serra da Lousã
Junho 2018




Vi já, por diversas vezes, javalis a saciarem-se nestes fios de água, aqui, neste sítio. Mas não são os javalis que nos escapam. Esses, até os comemos. Em boa verdade, comemo-nos todos uns aos outros. Escapa-nos que vista da sonda Voyager (nós que a construímos e a mandámos para o espaço) a 6 mil milhões de km de distância, a Terra é um ponto no espaço, um pixel numa fotografia. E que a humanidade dissociada da biosfera será uma aventura com um tempo de vida muito limitado. E que a perturbação da biosfera (biodiversidade, poluição, degradação de ecossistemas, quer física quer esteticamente como, por exemplo, tornar feio o belo - e isto é muito importante, embora não seja voz corrente ...) nos atinge pela razão óbvia de que somos parte integrante da biosfera.
O homo erectus, o nosso primo, andou por cá 1 milhão de anos (mais coisa menos coisa). Nós, os sapiens, os sapiens sapientíssimos, os sapiens biónicos, que andamos por aqui há uns meros 70 mil anos (mais coisa menos coisa) a construir a humanidade, estamos a fazer a cama onde nos vamos deitar.

Vídeozinho às Sextas: riacho sobre o grande castanheiro num dia de brisa fresca.

terça-feira, 19 de junho de 2018

à superfície and beyond

Serra da Lousã
Junho 2018

Na realidade é uma superfície mas o cérebro não se contenta com apenas 2 dimensões e constrói a realidade com padrões que já lá tem na memória.



Mesmo que compliquemos a coisa (i.e., os padrões) em essência nada muda, apenas é necessário mais tempo para o cérebro construir a imagem da realidade.






Fecha-se o círculo e volta-se ao início





quinta-feira, 14 de junho de 2018

Back to business

Junho 2018
Serra da Lousã

O ciclista extraordinário passou muitos dias montado em cadeiras almofadas, em vez do selim com 3 dedos de largura, andou iluminado por luzes de tecto e de palco, em vez do Sol, sentiu a brisa dos ares condicionados, e não do vento que sopra na serra, ouviu sons de vozes e falas em muitas línguas que durante a coisa propriamente dita se resumia a apenas uma (... any further questions ... I wonder if ... my question is ... thank you ... ) e não do sussurro das folhas das árvores da floresta e por aí fora.

Depois de tantos dias na cidade, mal pôde, o ciclista extraordinário meteu-se serra acima até uma floresta. O ciclista extraordinário escolheu uma área remota da serra. Aos anos que o ciclista extraordinário não ia para aqueles lados. Apesar da existência de caminhos, o isolamento para aqueles lados é grande. 


(O ciclista extraordinário tentou uma pose heróica mas é fácil de ver que lhe saiu ridícula)

O ciclista extraordinário estava nisto - em pose para a fotografia - quando ouviu logo ali ao lado, a uns 30 metros, um urro, ou um gemido? Um som que se lhe meteu pelo corpo dentro, eriçando-lhe os pêlos. Logo a seguir outra vez, e outra. Mais uns segundos e novamente. Olhou à volta. Uma árvore para trepar? Não, muito altas. Pô-se atento. Um javali? Não, não lhe parecia. Mas os veados não bramam assim.  Às tantas, cauteloso, deu uns passos pela esquerda, por detrás de uns arbustos e viu, logo ali, um gamo aos saltos, subindo a encosta. Nesse momento outra vez o som, como que um protesto. Outro tinha ficado por ali. Estaria ferido? O ciclista extraordinário ficou com a impressão que tinha interrompido qualquer coisa entra os gamos. Para tristeza sua, talvez um love affair.

O caminho para ali chegar tinha-lhe dado água pelas barbas. Íngreme, rochoso e lamacento. De facto, após tantos anos a pedalar naquela serra, o ciclista extraordinário nunca ali tinha passado.



De um lado do caminho, do lado Norte, do lado de baixo, sobre o vale imenso até às serra do Buçaco e daí até à do Caramulo, ...  a luz. O vale inundado de uma luz coada por nuvens altas servia de cenário contra o qual se perfilavam árvores. Apesar da proximidade das árvores a sensação era de grandes horizontes, do horizonte que se percebia até à serra do Caramulo.



às vezes, a densidade do matagal tapava quase tudo




Do lado de cima, bem, do lado de cima do caminho, era isto


e pequenos riachos por ali abaixo, abrindo caminho por entre pedras, fertilizando musgos e outros seres vivos de beira de água. A natureza desarranjada, intocada, bela.






















A bike que me leva para estes sítios




Horas por ali isolado. Há que confiar na bike. O ciclista extraordinário sentiu ainda os odores orgânicos dos animais, sem os ver (odor parecido ao que se sente junto a um rebanho de ovelhas). Sente-se mas nada se vê, sabendo que os nossos primos mamíferos de quatro patas e um belo ar de cornos andam por ali, seguramente observando-nos. Tão próximos que somos e tanta gente que não percebe isto. Provavelmente tendo consciência de si próprios e com sentimentos de afecto, tal como nós. Ah e o aroma dos musgos e do chão húmido .. e ecos de aves que andavam lá por cima nas árvores.
E não further comments fico-me por aqui.