quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Becos sem saída ou a expectativa do BTTista a chocar com a realidade

Vai-se ali na expectativa. O percurso puxa (ou é bonito, ou é exigente ou outra coisa qualquer), fazem-se umas previsões: talvez dê a volta por aquele lado, e a ribeira? isto vai em direcção à ribeira, como é que a vou atravessar? está subir muito, talvez ali à frente a coisa abrande, há muitos arbustos, está a fechar, mas vamos mais um pouco, só até além à curva e depois mais outra e mais outra, estou a meter-me muito pelo vale abaixo e isto já não é caminho nem é nada, e às tantas já se vai com a bike às costas, mas sempre a insistir, já que vim até aqui ... e mais uns arranhões nas silvas ou nas giestas e uns escorregões nas pedras com os sapatinhos de BTT e devo estar a chegar a um lado qualquer, tenho quase a certeza que isto vai dar a algum lado, dá a volta pelo outro lado e deve ir ter além, acho que vejo um estradão na encosta do lado oposto, e vai-se na expectativa, não vou voltar para trás, nem pensar e o caminho fecha e a bike às costas torna-se a regra, quaisquer 3 metros servem para tentar montar e pedalar, mas não dá e está a ficar tarde, se a noite me apanha aqui, talvez seja boa ideia voltar para trás, mas, já agora só mais até ali à frente,já estou próximo da ribeira lá em baixo, o vale é fundo e já desci quase tudo, deve haver pedras que permitam a travessia ou já subi tanto, devo estar a chegar ao cimo, a vegetação não deixa ver mas pode ser que ...
e chega-se ao beco sem saída, uns mais belos (um planalto sobre uma falha abrupta num vale fundo) que outros (todo arranhado metido no meio de arbustos sem saber para que lado é o Norte).

SERRA DA LOUSÃ - VALE DO GONDRAMAZ (Outubro 2014)
O caminho deve ter saída, pode ser que vá até lá acima


olho para trás (Espinho fica ali em baixo)


encosto a bike


e vou espreitar mais à frente


na expectativa de, tal como noutras ocasiões, surgir um riacho para dar o pulo para ao outro lado



Dez minutos. É o tempo médio para me convencer de que não dá. E se? ... ali, daquele lado .... Não, não dá, tenho de voltar para trás. Foda-se.



SERRA DA LOUSÃ - VALE DA HORTA VELHA (Maio 2014)
Ao tempo que ando para explorar um percurso para passar para além, para o planalto da Aigra Velha, a partir da cumeada das eólicas ao cimo de Cabanões. Vamos por aqui até ao fim do vale e damos a volta lá ao fundo. O plano perfeito. Chegaremos à Lousã, quais Bartolomeus Dias, com a descoberta de um novo percurso para as Aigras que cruza o terrível vale da horta velha.


Está a ficar difícil. Pronto, está bem, mas os marinheiros do século XV também sofreram as suas agruras ...


Passa-se?


Vamos ver, ali mais à frente. Estou a ouvir a ribeira, qual sereia a sinalizar o fundo do vale e a eventual passagem para o outro lado. Estamos muito próximos. Não vamos naufragar, quer dizer não vamos desistir agora e fazer o caminho de volta com a bike às costas. Deve haver um caminho para atravessar.


Não, não se passa. Voltamos para trás.



SERRA DO AÇÔR - VALE DO RIO CEIRA A MONTANTE DE FAJÃO (Agosto 2014)
2 horas metido ali no vale com a bike às costas e tive que voltar para trás. O plano era simples.
Ir até à Ponte de Fajão



e subir pela margem direita do rio Ceira. Mas cedo as coisas começaram a divergir das previsões: uma bela de uma volta a meia encosta, com alguma dificuldade técnica, obviamente, mas compensada pelo prazer de pedalar nas temperaturas amenas do vale criadas pela humidade do rio. Chegando lá acima terei umas belas vistas sobre o vale e, talvez, sobre o Picoto da Cebola e o planalto da serra da Estrela. Eu conheço estas cumeadas, lá em cima tenho dois belos estradões. No problem.


A realidade começou a desajustar-se das previsões. Bom, no problem, sobe-se aqui um bocadinho com os papéis entre a bike e o pedalante invertidos mas, ali à frente, isto vai abrir num belo de um caminho. Seguramente.
Cá está ele, pensei.


A cena dos papéis invertidos entre mim  e a bike repetiu-se várias vezes e as partes mais pedaláveis do caminho não passavam disto


E como é que saio daqui? Para mais, acho que vem aí uma carga de água.
Num rasgo de génio pensei: vou por aqui abaixo em linha recta (de bike às costas a maior parte do tempo) até ao rio porque de certeza que junto ao rio há um caminho para a povoação (é uma regra da Natureza, haver sempre um caminho junto aos rios). Até porque se vê um estradão do outro lado e deve haver uma ligação.



Quando cheguei lá ao fundo, junto ao rio, verifiquei que a regra da Natureza tinha uma excepção neste vale. Lentamente, fiz o percurso da linha recta, agora em sentido inverso até ao ponto onde estivera 1 h antes.
Daqui, de bike às costas, voltei ao ponto de partida, na Ponte de Fajão, subi pela estrada de asfalto até cá em cima à cumeada (já se via o cume do Picoto da Cebola com o cume sob as nuvens)  e tentei perceber como raio é que andei 2h enfiado além no vale sem dar com uma saída


STOP? demasiado enervado e, além do mais, com a chuva prestes a cascar forte para cumprir o código a uma hora destas


A vista sobre a barragem de Sta. Luzia lavou-me as vistas, encheu-me os pulmões e espantou-me os nervos






segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Serra da Lousã - Vale da ribeira de s. João

Sem exageros 80 % das pedaladas começam pela Serra da Lousã acima e destas cerca de metade pelo ziguezague do vale da ribeira de S. João.

Ei-lo:



Na serra o plano é simples. Como diria um companheiro amante de serranias e de pedaladas que esporadicamente encontro, "primeiro sobe-se, depois desce-se".
O vale fundo traz a ribeira que lhe dá o nome desde a confluência de outros dois, o da ribeira da Sardeira que vem dos lados do Trevim (monte mais alto da Serra a 1200 m de altitude) e o da ribeira do Candal, até ao Castelo da princesa Peralta (bela história, é só ir à net). A orientação é Este-Oeste. Isto é muito importante porque pela manhã o Sol, ao nascer, espreita pelo vale abaixo e à tardinha recolhe os últimos raios que por ali ficaram. Pela manhã sobe-se com o nascer-do-sol em frente que, à tarde, é substituído pelo por-do-sol na descida, em sentido inverso. Esta circunstância transfigura o vale ao longo do dia e das estações do ano.
Se a isto juntarmos a dinâmica das neblinas que, ora se encaixam no fundo do vale, ora se espraiam subindo as encostas, mais os aromas quentes da caruma e da urze no Verão, das acácias em Fevereiro, ou o cheiro intenso e visceral da terra e da erva após as chuvas de Março, e os odores húmidos a fungos do Inverno, é fácil imaginar o cenário em constante transformação.
Por isso nunca me canso de pedalar pelo vale.


Às vezes, avistam-se javalis, ginetas e veados .... São sempre encontros fugazes, olha vai ali um ... já passou. No Outono, na altura da brama dos veados, já tenho ouvido os bramidos dos machos (no primeiro segundo ficamos confusos a pensar como é que um comboio vai a passar ali em cima na serra mas, uns segundos depois, percebemos que tem que haver outra explicação para aquele som que ecoa pelo vale).
Os encontros só não são fugazes em situações raras:



Mas, começando pelo princípio, que é como quem diz de baixo para cima, ainda antes de entrar no vale, logo ao início da subida da serra, a varanda do Gevim, sob a Lousã, serve para começar as lavar as vistas (e para beber um golinho de água no Verão):


O vale surge umas curvas mais acima, quando se avista o castelo


(agora visto de cima para baixo para se perceber o percurso sinuoso e fundo da ribeira)


há uns sítios interessantes por ali, à volta do castelo




E cá de cima, da estrada sob o castelo, o miradouro da Sra. da Piedade (obviamente o castelo tem um miradouro)


espreitando


Além, do outro lado, há um belo caminho que frequentemente é alternativa à subida por aqui, pelo asfalto


sobretudo no final do Inverno, depois das chuvas de Março. Mas esta é outra história. Fica para outra altura.


Voltemos ao vale da ribeira de S. João e vamos subindo com o Trevim em frente, lá em cima, a 1200 m sob as nuvens


antes que as nuvens baixem







e encham o vale de luz coada e anoiteceres precoces





As aldeias abandonadas em ruínas ficam com ar fantasma, como deve ser.


Apesar da neblina pousada sobre o vale, muitas vezes, subindo há sempre um pouco mais de azul (lá ao fundo, no horizonte, a Serra do Caramulo)


Nem sempre isto acontece nos meses frios.
Há Dezembros luminosos, cheios de sol no vale



que dão vontade de sair da estrada e seguir pelos caminhos







para matar saudades da luz do último Setembro,


do céu aberto de Junho


ou do sol hesitante de Maio ...


... e há Dezembros gelados e chuvosos, em que os caminhos permitem testar se tens ou não "guts"


e a estrada está ideal para testar os travões (a descer)




Dezembros cheios de luz opaca


e nos caminhos ficam marcadas as pegadas de outros viajantes, estes com quatro patas e umas belas hastes a encimar a caixa craniana.


A certa altura, logo depois da casa dos cantoneiros


avistam-se no lado oposto algumas aldeias serranas, as aldeias de xisto da serra. Neste caso, o Casal Novo (poste bonito, este - já não há postes de electricidade assim, em ferro).


Subindo um pouco a encosta à esquerda do vale, a aldeia é mais óbvia no meio de tudo o resto !


Aqui, outra aldeia, o Talasnal, visto lá de cima. Ao fundo, no horizonte, o cabeço da Ortiga (com "O")


Ah, as chuvas de Março e de Abril. Gosto muito do vale depois das chuvas de Março a fechar o Inverno. Noutras paragens as águas de Março fecham o Verão

https://www.youtube.com/watch?v=WaU0gDSmi84

Ouvem-se cascatas lá no fundo no vale. Algumas apenas se vislumbram mas o som da água a correr enche o vale.
Até na estrada de asfalto se formam cascatas



 riachos tímidos no Verão com aspirações a ribeiras depois das chuvas a fechar o Inverno


as árvores, os arbustos, a erva, a minha bike (neste caso com uma concentração de cloreto de sódio um bocadinho mais elevada do que o ambiente)..  ficam brilhantes e húmidos


a ribeira lá no fundo


recebe riachos que se formam extemporaneamente nas encostas



depois da chuva, visto de cima, já a caminho do Trevim, o vale fica assim:


já a preparar a exuberância do Verão




No Outono, os encantos são outros ( a árvore à qual a bike está encostada é uma sequóia !).

Fofos e macios




picantes por fora e suculentos por dentro



(nem sempre é assim tão fácil apanhar as castanhas, os soutos localizam-se nas encostas abruptas do vale)


Quase sem se dar conta, o vale morre, ali aos pés do Trevim, na confluência das duas ribeiras que dão origem à de S. João:
















aqui estamos a cerca de 2 km do Candal, a única povoação atravessada pela estrada Nacional (N236) que liga Lousã a Castanheira de Pêra



belas rampas por ali à volta


(PS. no Candal, a água da fonte da ribeira é mais fresca do que a da fonte na estrada)


Se a viagem continua serra acima, num passe de magia, quando chegamos lá em cima, ao Trevim


olhamos para baixo, para o vale e ... é isto !