terça-feira, 26 de setembro de 2017

Encontro imediato do 3º grau. Que macho belo !

Serra da Lousã
(Setembro 2017)


A par do Binómio de Newton e da Vénus de Milo. Talvez meio passo à frente. Ou melhor, meio casco.

Tinha parado no vale aberto por trás do cabeço da Ortiga, com vistas para o Trevim, para comer o pão com marmelada que trazia no bolso da camisola. Já lá iam uma hora e tal a pedalar serra acima. As torradas com doce de cereja (com caroços, obviamente - gosto de enrolar os caroços na língua) que tinha comido ao pequeno almoço já tinham dado a glucose que tinham para dar.  Durante a subida as pedaladas tinham-me levado por caminhos estreitos por entre mimosas, por picadas inclinadas e poeirentas, estradas de terra a meia-encosta e, pouco antes de ali chegar, por uma floresta cheia de sombras. Gosto de parar neste sítio. Vistas largas. Para um, outro e outro lado da serra, sobre o vale e, para cima, a visão do Trevim. Aos 900 e tal metros já se sente o ar mais fino, há um sabor bom, um aroma a montanha.
Deixei a bike e o capacete no caminho à sombra de um pinheiro. Ao dar uns passos com o cantil da água numa mão e o pão com marmelada na outra reparei que logo ali, um pouco à frente, rente aos arbustos e sobre os pinheiros pequenos, parecia planar uma ave. Vi mesmo alguma coisa? Havia qualquer coisa de estranho. Por isso duvidei. O planar era demasiado estável e lento para uma ave.



Fui espreitar, aproximando-me ao largo, em semicírculo. Com cuidado. De novo, um pouco mais à frente, mas muito perto, vi o que desta vez parecia ser uma cauda. Fiquei imóvel. Lentamente pousei o cantil e o pão no chão. Olhei em redor, tentando encontrar um pau. Porra, nada. Não me mexi. Estava na expectativa. Que caraças é que vai aparecer por entre os arbustos? Se fosse um cão teria que ser pelo menos do tamanho de um serra da Estrela. Silêncio. Eu imóvel. Nada na mão, nada na manga. Sem dar por mim (não havia vento) em leve trote, elegante, soberbo, afastando-se do local onde eu estava, surgiu de entre a vegetação um macho. Uma armação impressionante. Grande, imponente, magnífico, sem pressas, majestático, como quem percorre o seu território. Ali. Logo ali. E eu imóvel. Em silêncio. Não deu por mim. Foi indo, possante e leve ao mesmo tempo. Já vi muitos veados na serra. No dia anterior tinha feito vários avistamentos. Vários fêmeas que se assustavam à minha passagem. Setembro-Outubro é a época da brama. As fêmeas andam inquietas e os machos muito mais tentando atraí-las. No final elas escolhem. É sempre assim, as fêmeas escolhem os parceiros. Desta vez, o encontro imediato, a poucos metros, foi tranquilo. Eu imóvel e o belo macho passou calmo sem me pressentir, como se eu não ali estivesse. Afastou-se, subindo o monte, saltando (quase que voando) sobre as pedras e os arbustos. Que elegância. Então, e só então, levei a mão ao bolso de trás da camisola, tirei o telemóvel e apontei para o local onde se encontrava, já um pouco longe. Clique, clique, clique. Acho que aí ele pressentiu alguma coisa. Espevitou-se e num galope mais esforçado afastou-se. Atravessou o estradão das eólicas.

Ei-lo.






Claramente, tinha dado conta que eu estava por ali. Fui ao seu encontro. Fugiu a galope. Atravessou o estradão e desapareceu encosta abaixo. Como é possível galopar por ali?



Que par de cornos ! Foi a última coisa que vi.


Peguei na bike, pedalei pelo estradão, tentando vê-lo, serra abaixo. Sem sucesso. Sumira-se por ali abaixo. Rapidamente deve ter chegado aos pinheiros lá ao fundo.
Fiquei ali especado a olhar o horizonte: o planalto da serra da Estrela na linha do horizonte ao centro e, á direita, o cone quase perfeito do picoto da Cebola, o cume da serra do Açôr onde tinha estado umas semanas atrás (3 posts mais abaixo)





sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Da natureza da luz entre o dia e a noite

Agosto 2017

Serra do Açôr





6 min e 14 s. É este o tempo para olhar as fotografias, para mergulhar na imagem e passar para o lado de lá. É este o tempo que Max Richter usou on the nature of day light.



Quando se começar a sentir o vento, um sopro morno vindo do lado direito que vai e vem como as ondas, está-se quase lá. Está-se a passar para lá.



A bike ali no meio do caminho. Quer dizer, aqui não há caminhos ou, pelo menos, há um caminho que se desdobra e multiplica em mil outros.


As cumeadas aos mil metros.
A luz morre nos vales. Vales que se afundam umas centenas de metros.  A erva rasteira, dobrada ao vento, reflecte-a nos cumes.








quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Os vulcões da serra do Açôr

Agosto 2017

The Açôr´s ring of fire

Os nomes perdem-se na memória de quem por ali vive. Já ninguém se lembra de onde vêm os nomes originais. Nomes estranhos. Murmuram-se nas noites frias de Inverno na penumbra dos cantos que a luz da fogueira não invade. Diz-se que, de vez em quando, os monstros acordam. Mais nos Verões quentes. O fumo aparece primeiro, a anunciar as chamas, depois, com o tempo, é o ar se torna quente, denso e translúcido. Ultimamente todos os anos. Um castigo e valha-nos isto e mais aquilo. E vão mas é dar uma volta que o problema resolve-se num ápice, caso se queira. A fatalidade nos olhos e nas mãos levadas à cabeça de quem por lá vive aflige. E murmura-se. Dizem que há muitos anos não era assim.


Este é o vulcão  Eyjafjallajökull. Em Português moderno significa: "outra-vez-o-caraças-de-um-fogo-posto".

Expele um fumo cinzento com partículas em suspensão. A nuvem primeiro eleva-se em bolsadas, como num vómito, depois abate-se sobre o chão, quilómetros em redor, deixando-o coberto de cinza. 
 


Este é o Monte Damavand. Em Português moderno: "é-todos-os-anos-a-mesma-merda".

Um cone quase perfeito já acima dos mil metros de altitude. Tinge o azul do céu com uns borrões cinzentos e castanhos. Do lado de lá é o inferno; deste a terra rude, bela e limpa sob o céu azul.





Aqui temos  Ol Doinyo Lengai. Em português "eh-pá-a reacção-de-combustão-precisa-de-energia-de-activação-para-se-iniciar-qualquer-químico-sabe-isto-por-exemplo-um-fósforo-é preciso-fazer-um-desenho?".

Este é como as lagartixas. Corta-se-lhes o rabo e torna a crecer. Apaga-se de um lado e, passado algum tempo, está a brotar fumo do chão ao lado. Fenómeno estranho. Uma dança de fumo e fogo. Imprevisível.





Não muito longe, ali logo ao virar da esquina o Etnadoaçôr. Ou seja, "se-o-vento-vira-estamos-quilhados-vem-para-cá"

 Tímido, inicialmente, logo se agiganta à medida do vento e do calor do dia.



Sobre a barrragem de Sta. Luzia, um dos maiores, o "Dassss-que-visão-infernal".




Este é um dos que é activo só pela manhãzinha, ao nascer do Sol. Aqui percebe-se a origem do nome "Filhos-da-puta-nem-dormem". No original: Ale Bagu.



O "Dassss-que-visão-infernal" visto de um outro ângulo. Um ângulo obtuso.




E as noites frias de Inverno são passadas frias no esquecimento dos vulcões activos no Verão. E alguém diz: deixem chegar o Verão e verão. Mas ninguém liga.


segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Inteiro e limpo, sopra o vento - Picoto da Cebola, serra do Açôr

Agosto 2017

Volto aqui anualmente. Difícil como o raio chegar aqui. Ora está um calor abrasador ora, ao invés, um frio fininho que sopra sobre as orelhas, cortando-as (pelo menos assim se sente).
Desta vez, Verão, foi com calor. Uma vez lá - e a chegada sabe mesmo a chegada, não há mais por onde pedalar - e, se bem que não vale a pena estar para aqui a fazer uma lista de sensações, o vento, a luz, a vastidão do horizonte ... provoca um friozinho pela "espinha" acima, um arrepio. Parece que, mesmo em dias límpidos, há um nevoeiro na mente que se dissipa, que deixa ver claro e nos faz sorrir. Eu, que até sou carrancudo (pelo menos, no trabalho, quando vou à casa de banho e passo em frente ao espelho noto que, em regra, estou de sobrancelhas cerradas), dou por mim a sorrir.

Picoto da Cebola na serra do Açôr. Cume do Açôr. O Adamastor do Açôr. Com 1400 m de altitude é visível em toda a região. Numa curva do caminho, ao virar de um penedo, por entre as árvores ... lá está ele. Imponente. E, de lá de cima se diz que é o ponto de Portugal de onde se observa mais território; da Serra da Gata em Espanha (espreitando por detrás do maciço granítico da serra da Estrela) a Este, ao Atlântico a Oeste (brilhando por detrás da serra da Lousã). Das serra do Alto Alentejo a Sul ao Marão a Norte.

E let´s look at the trailer.

Trezentos e sessenta graus, começando no maciço da Estrela (ampliação, vendo-se a Torre) e rodando por Sul (ampliação na barragem de Sta. Luzia), depois Este (ampliação da serra da Lousã) e Norte (ampliação sobre serra Caramulo no horizonte and beyond), com a Beira Litoral Beira Alta ali, esticando-se por detrás das cumeadas Norte do Açôr.

Os aerogeradores, por regra vistos no alto das serras, aqui vêem-se lá em baixo. O vento (ver com o som alto), a luz, a distância, as cores e o resto talvez sejam perceptíveis nas imagens. Eu, que sou alérgico a regras, padrões e preferências fixas e imutáveis, se me perguntassem diria que este é um lugar para ter os pés na terra e a cabeça nas estrelas (elas estão lá mas só uma se vê).



Passa o tempo, anda-se por ali até que às tantas, vá-se lá saber porquê, há aquele sino que toca na mente: horas de ir embora.


and here we go, cascalheira abaixo, lutando contra as leis do Senhor Isaac Newton.


Desce-se, desce-se e percebe-se que, depois de tanto descer, se está ainda alto. Começam a revelar-se pormenores nos vales que, lá de cima, são inexistentes, apagados pela distância.


A água não abunda nestas cumeadas. Em dias quentes, ir para ali, sobretudo a pedalar, requer uma gestão cuidada da água. São horas sem fontes. Tinha descido pelo lado Sul, os ombros a estalar, a mãos a doer, os travões a fever, a boca seca em direcção a Unhais o Velho, o limite da barragem de Sta. Luzia e onde conheço uma fonte (por detrás da Igreja) que nunca desaponta; água fresca e abundante em pleno Verão.



E, acabando pelo princípio, à ida, pela cumeada das eólicas do lado Norte: lá está o Adamastor, parcialmente escondido por detrás das eólicas (ainda vistas por baixo). Nunca me passa pela cabeça a dificuldade de chegar lá acima. De pedalar por ali acima. É difícil e claro que me canso (muito) mas olho o pico, o gigante lá em cima e vou por ali fora, chego ao início da subida final e a uma pedalada segue-se outra e outra e assim sucessivamente. É difícil. Cansa. Mas o que tem isso de estranho?



quarta-feira, 13 de setembro de 2017

A barragem de Sta. Luzia, o coração do Açôr e o Vincent das noites estreladas

Agosto 2017

Serra do Açôr


Mil. Um milhão. Um Googol. Um Googolplex de fotografias que já por aqui tirei. E cada nova fotografia é isso mesmo: nova. Não se repetem porque cada momento é irrepetível. E a fotografia fixa o tempo, o momento. Ora é a luz, ora é o vento, ora isto, ora aquilo, a cor do céu e da superfície da água, as sombras, o silêncio, ou o vôo das aves que por ali esvoaçam ... tudo torna o momento peculiar. E, quando vejo a fotografia, a memória traz-me muito disto que não se vê na imagem (embora, estou convencido, que, por vezes, quem apenas vê a fotografia pode pressentir o silêncio ou o vento que sopra, entre outras coisas).

A barragem de Sta. Luzia no coração da serra do Açôr (como toda a gente sabe as serras não têm coração, embora às vezes tenham maus fígados).


Ao entardecer, à medida que o Sol declina e se põe por detrás dos penedos, começa a transformação.
O xisto aparece dourado, nuns amarelos a puxar para os girassóis do Vincent


mas, logo depois, transmuta-se em azuis



Às vezes bem nítido o contraste em ambas as margens.


Aos cerca de 600 m o olhar viaja pelas serranias fora até encontrar o planalto granito da Estrela, imponente, aos 2000 m, na linha do horizonte.


Nas costas, o vale da ribeira que nasce na barragem, ladeado pelos penedos que a sustêm. É o outro lado.



Mas azuis, ah Vicent talvez estes nem tu. Nem tu Vicent os transportarias para uma tela.



Quando baixo o nível da água, como ocorreu este ano, há segredos que vêm ao de cima: as casas da aldeia do Vidual de Baixo, desaparecida, riscada do mapa há dezenas de anos com a subida das águas.



Isto é real



Quem vem e pedala de Este para Oeste pela estrada que vem da Portela de Unhais e nos leva ao Casal da Lapa and beyond.




E que ironia esta. Ponho para aqui estas fotografias líquidas estando eu num local seco, quente, na noite que recebe brisas que vêm do deserto arábico, ali ao lado.

domingo, 3 de setembro de 2017

O Sol eclipsado, tecnicamente falando

Agosto 2017

Serra do Açôr




Nem foi tanto pela subida dura mas mais pelo deslumbramento. De outro modo não pararia. Vinte quilómetros de serranias ainda pela frente e a noite a cair. Não pararia. Mas, caraças, que paisagem esta.
As estevas em primeiro plano. Que aroma e que brilho!



Para trás. Bem, aqui no Açôr imenso olhar para trás não é olhar para trás.

As sombras inundam os vales. Lá, na sombra, começa a noite. Aqui o Sol vai ainda lamber-me a pele até ao cimo a subida. Até Unhais o Velho. Passarei ao lado da serração onde vinha comparar madeira para trabalhar (estantes, mesas, portas...). Lembro-me ainda dos aromas da madeira que por lá havia. Colocavam os desperdícios (bocados de madeira) num monte e eu aproveitava. Posso levar estes bocado de castanho? Leve o que quiser, isso são desperdícios. E eu levava, lixava, serrava, pintava, envernizava, esculpia e cheirava. O que eu gosto do cheiro da madeira.