quinta-feira, 28 de novembro de 2019

O dia tem que começar de alguma maneira


nem que seja andaregar (andar + escorregar; o que esperar de um passeio por ali em sapatinhos de sola de carbono com "cleats" de metal?) pelas margens húmidas dos riachos, contornando troncos e pedras cobertas de florestas de musgo (é o que parecem quando observadas de muito perto), pisando folhas mortas ao som da música espectral em Mi bemol furioso, resultado da água que se precipita encosta abaixo, procurando o caminho mais curto, o qual, como toda a gente sabe (bem! excepto aqueles que nunca se enganam e raramente têm dúvidas), nunca é a recta. É que vida é feita de pequenos nadas, quero dizer, pequenas curvas.

 

domingo, 24 de novembro de 2019

Enquanto o Inverno vai e vem

eu também (vou e venho) mas em contraste de fase.

6 momentos em que lá fui (à serra):










Got it?





domingo, 17 de novembro de 2019

Raposa na invernia

Novembro 2019


O tempo estava ruim. À medida que subia a serra a temperatura lida no computador da bike ia caindo: 12, 11, 8, 6 °C ... e foi a última vez que o li porque com receio que a chuva o estragasse guardei-o no bolso do casaco. O nevoeiro assapara-se com força a partir dos 700 m de altitude. Denso, impenetrável à vista a meia dúzia de palmos do guiador da bicicleta.



Um dia bom para encontros imediatos com os habitantes de quatro patas da serra - pensei. A certa altura senti um aroma forte. Seguramente que andavam por ali. Ia atento a ruídos. Sob a acção do vento, as gotas de água caídas das árvores sobre as folhas no chão faziam-me olhar em expectativa. Às tantas, um vulto. Tinha a certeza, um animal pequeno, cauda exuberante, rápido ... uma raposa. Parei a bike e ocultei-me atrás de um grande cedro, tirei o telemóvel, pressionei vídeo e, lentamente, saí de detrás do cedro apontei para o local onde me parecera que tinha visto a raposa e  ... lá estava. Ela imóvel, percebeu-me. O nevoeiro fazia uma cortina branca que dificultava a visão. Percebi que me olhava. Ficou imóvel durante uns instantes (eu também) e, depois (no vídeo aos 15 s) desapareceu mata abaixo. Fiquei ali uns segundos na, bem o sabia, vã expectativa que ela voltasse ou que surgisse outra.




De resto foi continuar a subir e gozar invernia como quem pedala num dia de Verão à beira-mar. Depois, nestas coisas, atinge-se o estado: daaasssss isto está a ficar mau ...  A descida da serra foi feita pelo estradão da floresta. Poças de água e lama com fartura. O friozinho do costume. Chuva. A agitação do animal acossado. Muito ainda para descer (estava aos 700 m de altitude). Mas, era irresistível,  parei, tirei a luva da mão direita e disparei o telemóvel:



a road to nowhere



As clareiras clorofílicas na curva do caminho


Que bela invernia !






sábado, 9 de novembro de 2019

Outono azul nas terras altas da Estrela

Outubro 2019
(Serra da Estrela)


Nem amarelos nem laranjas. Antes azuis longínquos, cores graníticas e verdes de urze brava, tudo sob um ar limpo, cortante e fino: as Outúbricas cores nas terras altas da Estrela.








As pedaladas levaram-me à Torre, aos 1993 m de altitude. Fui ao Centro Comercial (pois, na Torre há um Centro Comercial!) e, num dos vendedores de queijo e presunto, pedi para me arranjarem um bocadillo de jámon faxavôr. Mais uma Coca cola e o repasto ficou em 4 euros. Come d'habitude fui para o lado Este olhar as serranias a perder de vista que se estendem do Açor até à Lousã. O esqueleto dorsal montanhoso e oblíquo do país.
O ar cortante mete-se pelo corpo adentro, provocando-me um arrepio que começa nos pés e se propaga até à cabeça, como num cão que se sacode.


O Picoto da Cebola, o cone quase-perfeito à esquerda e, na linha do horizonte à direita, a serra da Lousã. Olho e parece-me improvável que já tenha pedalado por aquelas cumeadas, embora o tenha, de facto, feito. Do Picoto de Cebola ao Trevim. Do Trevim ao Gondufo. Ao Colcurinho, Ao S. Pedro do Açor. No Verão e no Inverno. Pedaladas quase todas solitárias. É que parece irreal pôr a memória dos detalhes das pedaladas em cima do horizonte tão longínquo. E já por ali pedalei muitas vezes por caminhos que daqui são imperceptíveis, ... o suor que escorre pela face, os brilhos por entre os óculos, os tojos que rasgam a pele, os músculos tensos, a água fria da fonte e do ribeiro, o aroma intenso da urze, o vento forte e o frio, a chuva que encharca os ossos, a incerteza sobre a possibilidade de regressar numa só peça, a sede, as rapinas a planar sobre a cabeça, as lonjuras que nunca ficam próximas por mais que pedale, o vento outra vez, o nevoeiro intenso que quase me desorienta, as pedras que rebolam no caminho, o espelho de água da barragem, a lagartixa que atravessa o caminho num ápice, o susto de um javali cujo vulto se esgueira por entre os arbustos, o avistamento de gamos por entre as árvores e de veados machos imponentes ao longe, o Sol intenso e o granizo que massacra a face, o pó, o suor outra vez, o som da água que corre nos ribeiros, a sede ...





P´raí umas 3, no máximo 4 horas de Sol. Planos para descer da Torre até ao planalto do Curral da Nave ou pelo lado Sul, pelo lado de Unhais da Serra, bailavam na cabeça. Desci até à Nave de S. António e aí, esperei por um impulso, um guinar súbito do guiador que me levasse para Sul ou para Este. Muitas vezes é assim: no último momento, quaisquer que tenham sido os planos delineados, os caminhos que tenha antecipado, o percurso definido, viro o guiador seguindo um impulso. Como, aliás, acontece connosco face a bifurcações de caminhos, a escolhas, um pestanejar, um aroma, uma impressão, um sorriso leva-nos por ali e não pelo outro lado.
Subi aos Piornos e voltei para o lado do vale glaciar do Zêzere, tentando seguir no planalto sobranceiro ao vale do lado direito (Curral da Nave). Do outro lado do vale ... os Cântaros (Magro, Gordo e Raso) ... uma visão tremenda, granítica.
As estrada que sobe o vale glaciar (o maior vale glaciário da Europa) como que um fiozinho branco, tal a distância. Os carros mal se vislumbram. O rio Zêzere, acabado de nascer no sopé do Cântaro Magro, corre lá em baixo por entre os pedregulhos.


Olho em frente para o outro lado do vale e a encosta granítica parece estar logo ali, dois palmos à frente do guiador da bicicleta. Your'e wrong my friend. Estará a cerca de  2 Km de distância, aquelas pedras têm centenas de metros de altura.



Andei por ali um bocado perdido, pelo Curral da Nave. Lentamente fui aproveitando caminhos para pedalar em direcção Sul. Teria que descer para Verdelhos, pois este seria o percurso mais rápido para evitar que a noite me apanhasse na serra. Os ramos do pinheiro esculpido pelo vento indicavam a direcção !

Sabia aproximadamente a localização do Poço do Inferno e sabia também que daí conseguiria apanhar sem dificuldade um percurso para Valhelhas. Descer para o Poço do Inferno sem grandes demoras, era a ideia que me ocupava pelo menos 50% da mente. Grande parte dos outros 50% estavam centrados nos ruídos de protesto do meu estômago. O pão e o presunto devorados na Torre eram já uma vaga recordação - alguns dos carbonos da glucose contida no amido do pão tinham há muito sido já exalados para a atmosfera na forma de dióxido de carbono, gás de estufa como é sabido; pois!, é que na produção de energia a partir de alguns alimentos, nomeadamente glucose, produzimos dióxido de carbono que, sendo "lixo" do metabolismo, exalamos para a atmosfera. Por outras palavras, para vivermos temos que "carbonizar" a atmosfera. Ah, é verdade e libertamos calor. Aqui não há volta a dar, não podemos "descarbonizar". Quem mais come carboniza mais.
Tinha no bolso uma merdelhice de uma barra energética. Nem sequer verifiquei a data de validade não fosse ter já passado. Marchou e carbonizou. Olhei à volta, procurei referências na memória, reconheci uma garganta entre penedos e, ao longe, um bosque de pedaladas anteriores (do outro lado do vale, ao cimo da encosta, a pousada de S. Lourenço; em baixo, no vale, fora do alcance da vista, Manteigas). Estava orientado; descendo por ali iria dar ao Poço do Inferno.


Pedalei até ao cabeço em frente, cheguei ao bosque e ... o Outono azul transformou-se. Assim:


e ficaria por ali às voltas não fosse a pressa de encontrar o caminho para Verdelhos. Estive ainda uns minutos em silêncio, perscrutando a vegetação densa na expectativa de ouvir o ruído de um galho a partir, de uns cascos a pisar as folhas secas, de uma respiração ofegante. E ficaria por ali a disparar o telemóvel não estivesse já em modo de poupança de energia.





O Poço do Inferno (o plano deu certo) era um fiozinho de água nada ameaçador. Nem sequer fui lá acima atravessar a ponte entre os penedos.


Sabia pelos tons da luz, pelas sombras da floresta que o Sol estava já baixo. Não era preciso sequer olhar o céu.


Foram depois pedaladas apressadas. Muitas pedaladas. Subi, desci para o vale de Verdelhos, subi novamente e olhei para trás, para o planalto na linha do horizonte de onde tinha vindo e que em breve iria servir para o Sol se pôr. Olhei as curvas da estrada que tinha feito desde Verdelhos. Faltavam-me ainda cerca de 20 Km.


20 km asfálticos feitos em modo smooth como quem desacelera os neurónios responsáveis por reagir ao inesperado e liga os back to business as usual.

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Novembro chega (como deve ser) neblínico

1 Novembro 2019
Serra da Lousã

Apenas o tempo suficiente para subir a serra pela EN236. E, caso pedalasse bem (o que nem por isso e tal), daria ainda para descer pela floresta. Chuviscos, tempo quente e húmido, neblinas sobre a serra .. vamos lá a isto e ver se consigo dar a volta pela floresta. À hora a que deveria estar de regresso, pedalava ainda aos 900m e caía-me em cima uma chuvada da grossa. Daaaassaaassss ... e eu a pensar que me safava. O problema, obviamente, não é molhar-me mas sim o equipamento e a bike que requererão um tempo dos infernos para secar, limpar, lubrificar e etc, de modo a ficar tudo como deve ser para amanhã. Pois, que amanhã é Sábado e espero dar umas pedaladas com mais tempo. E amanhã a probabilidade de chuva é o dobro da de hoje, 100%. Portanto, tudo tem que estar impecável de modo a que as horas previstas debaixo de temporal sejam passadas ..., bom quero dizer, que sejam passadas sem ter que cerrar os dentes, proferir umas expressões tabernáculas and so on. A chuva intensa deixou-me a fazer contas de cabeça; ora, 3 vezes nove vinte e sete noves fora nada, e já pedalei um bom bocado e, às tantas, se virar para baixo escapo ao temporal e o equipamento e a bike precisarão apenas de uns toques para ficarem operacionais (entretanto ia subindo e levando com mais chuva) e ... olha uma raposa (uma raposa na estrada a 5m depois da curva assustou-se quando me viu e fugiu encosta abaixo) e, nisto, parei, fui espreitar e pronto que se lixe, viro para baixo. Entretanto, enquanto virei e não virei disparei o telemóvel (low batery, ora porra só posso fazer meia dúzia de disparos) à volta meia dúzia de vezes. E à volta era assim, em meia dúzia de disparos, do lado de cima e do lado de baixo:




e assim





curva à esquerda

(a raposa pisgou-se or ali abaixo)



Do lado de cima


e do lado de baixo


and time to go ... down.



P.S.: Afinal foram 9 disparos, meia dúzia e meia.