sexta-feira, 27 de maio de 2016

Há Maio e Maio, há ir e voltar

Serra da Lousã

Maio 2012 

Voltar, por exemplo, às encostas Sul da serra da Lousã, ao Maio maduro Maio (quem te pintou... raiava o sol já no Sul, ti ri tu ri tu ri tu ru), sobre o vale do Coentral.
Às encostas da carqueja, das flores amarelas da carqueja.


Em fundo, na encosta em frente, as linhas dos caminhos por onde passarei mais tarde.  Daqui, parecendo, apenas, um cenário liso e monótono.


Mas, uma vez lá, como sempre acontece, surpreende-nos a diversidade, a rudeza


a textura, a cor ...


O vale abre para Este, para as serranias do Açôr, com a Estrela na linha do horizonte.
Um dia, pedalando por aqui no estadão sobre o vale, na curva do caminho, dei com uma manada de veados (uns 6 ou 8). Fugiram todos, saltando para a floresta na parte de cima do caminho. Excepto um, um pequeno gamo que não o conseguiu fazer. Numa reacção instintiva começou a correr à minha frente e eu, quase também instintivamente, fui pedalando devagar durante alguns metros, esperando que, mais cedo ou mais tarde, surgisse uma barreira que lhe permitisse subir. A certa altura percebi que o resto do grupo o acompanhava pela floresta, via-os, furtivos mas, sobretudo, ouvia-os. Não tinham fugido serra acima, estavam a ali a tentar reagrupar o pequeno gamo. Parei, e, um pouco mais à frente, vi o grupo que o esperava já numa curva do caminho onde era fácil subir do caminho para a floresta. Não tenho fotografias nem sequer me lembrei disso (de tirar fotografias).


Lá em cima o St. António da Neve, aos 1200m de altitude. Já aqui contei a história dos Poços da Neve do St. António e dos neveiros do Coentral.




Maio 2013

Um ano depois, o mesmo vale, mas outras carquejas.


E um ano depois, a carqueja das encostas Norte da serra (vale das aldeias abandonadas do Freixo), ao contrário das d lado Sul, estão sob neblina


As carquejas e as torgas e a outra urze


e eu também. Passo por ali como uma sombra, sem nada perturbar.


A mesma encosta Norte (vale das aldeias abandonadas do Freixo) sob Sol aberto. As fotografias estão longe de fixar os milhões de cores e o aromas e a luz que inunda o caminho.




E, no mesmo Maio da neblina, depois do Sol, de novo a neblina no mesmo vale.



Maio 2015

Neste Maio estive de volta às encostas Sul. Desta vez, lá em cima, no cume, no St. António da Neve.




E estive no vale da ribeira de Alge


E estive no Açôr, subindo as long and winding roads na bike de estrada, acima dos 1000 m.


O Adamastor do Açôr, aos 1400 m (picoto da Cebola). O planalto da Estrela ao fundo.


Depois, há o regresso e há a sensação de ter passado por aqueles caminhos como se o não tivesse feito. Fica uma memória difusa. Como se por ali tivesse pedalado como um fantasma. Gosto de pensar que talvez seja porque, como dizia o outro (!), tenha sido inteiro no que fiz, nada exagerei nem excluí. Quer dizer, vi com os olhos, cheirei com o nariz, ouvi com os ouvidos sem me socorrer das paisagens, dos aromas e dos sons que já esta armazenados em padrões no meu cérebro e que podem filtrar, fazer um efeito tampão, colocar-me em modo automático ... impedindo-me de criar padrões verdadeiramente novos.


domingo, 22 de maio de 2016

A las 5 de la tarde

Serra da Lousã
(Maio 2016)

Eran las cinco en punto de la tarde e o dia estava branco. O céu era branco, excepto algumas nuvens cinzentas sobre a serra, uma luz difusa inundava tudo à volta como se estivéssemos a olhar através de óculos embaciados.

Eran las cinco en punto de la tarde de un sábado de Mayo quando comecei a pedalar pela serra acima. Para os lados do marco geodésico do Pessegueiro. Antevia as nuvens baixas a varrer o planalto. Por isso, pedalei nervoso até lá. Apenas me detive por uns instantes a olhar os troncos das árvores cortados às postas (estas para assar, seguramente).


e a cumprimentar o único público que vi à beira da estrada.


No planalto, aos 600 m de altitude, o tempo estava fechado. Pior do que tinha previsto. Mal distinguia as pouquíssimas árvores que o limitam. Mas não via aquela paisagem como uma desolação, antes como uma paisagem nova


e a road to nowhere


Não conhecesse bem o terreno e ter-me-ia perdido. À medida que subia o nevoeiro adensava-se cada vez mais. Apesar do vento, sentia-se um silêncio e um isolamento intensos. Nem a presença de animais percebi. De vez em quando passava um pardalito atarantado, a esvoaçar de modo errático, uma asa para cada lado, em vez dos harmoniosos bailados habituais. Às tantas, também eles perdem a orientação.
Pouco depois, aos 850 m, cheguei à floresta pelo estradão que a atravessa a partir do Pessegueiro.
Um deslumbramento.


Fiquei por lá bastante tempo. Bem sei que a luz muda o ambiente que nos rodeia e engana o cérebro, confunde os padrões que temos já inscritos com base na experiências semelhantes. E. se nos distraímos, se não olhamos com olhos de ver, vemos não o que nos rodeia mas o que já temos inscrito no cérebro. Isto acontece no dia a dia com uma frequência que a maioria da pessoas nem sequer de tal suspeita.

Fiz vários vídeos. Vou colocar aqui alguns. Noutra altura talvez publique outros. Alguns têm mais que 2 minutos. São longos. Mas, tirando alguns percalços (monta e desmonta, trepidação e dedos à frente da ocular, transições bruscas ...) com alguma paciência podem ver-se momentos em que se percebe a beleza da floresta impregnada de nevoeiro.

É um convite a alguém que por aqui passe para dar um passeio.


Depois, embrenhei-me um pouco pela floresta. Vamos?



Fui-me embora dali (a las 7 en punto de la tarde) pelo estradão que vai dar ao Terreiro das Bruxas. O caminho abria-se à medida que pedalava.


O silêncio, para além da bike, era cortado de vez em quando pelo canto de um pássaro. Provavelmente o mesmo que me acompanhou durante umas centenas de metros. Andaria por ali, a esvoaçar de ramo em ramo.




Depois, o nevoeiro começou a condensar, formando uma cortina ainda mais húmida.  É aquela sensação de começarmos a sentir a humidade nos lábios e na boca. Como num beijo. A partir dali iria descer e arrefecer. Foi um fenómeno estranho. Estavam 22 °C no sopé da serra, à partida. Agora, ali, o termómetro marcava 10 °C. Acho que nunca assisti a um arrefecimento tão brusco. Cheguei ensopado. Não porque chovesse mas porque a velocidade da descida fazia com que fosse ao encontro das pequenas gotas de água suspensas na atmosfera. Por outras palavras, não era a chuva que caía era eu que me atirava para cima da chuva. E, apesar do frio, atirava-me com grande prazer.









quarta-feira, 18 de maio de 2016

Os gorilas do Uganda vale da Ribeira de S. João mountains

Maio 2016
(Vale da ribeira de S. João)

As montanhas do Uganda são um dos poucos locais do mundo onde ainda sobrevivem gorilas de montanha. Raramente se vêem. Andam por ali, envoltos na neblina, no mistério e nas contradições da sua existência. Tal como nós.

Pelos vistos separámo-nos destes parceiros há 10 milhões de anos. Quatro milhões de anos mais cedo do que dos chimpanzés. O nosso DNA e o deles sobrepõe-se em cerca de 98%. Eles não entendem o teorema da Pitágoras. Nós, tal como eles, temos fronteiras inacessíveis (talvez daqui a 1 milhão de anos se conheçam algumas).

(Uganda Mountains, imagem copiada de brownandhudson.com)

Tinha pedalado até lá, sob chuva e envolto num aroma intenso e húmido a musgo, a fungos, a terra.
Fiz o vídeo tentando vê-los mas sem sucesso. Mas imaginava-os ali, a baloiçarem sobre as pernas, a mascarem folhas, em corridas breves, batendo no peito. Chovia a cântaros. Talvez por isso. Às tantas estavam abrigados. Ainda tentei grunhir (roncar?) à gorila, chamando-os, mas nada.










sexta-feira, 13 de maio de 2016

A linha ténue que separa

Olhei para as fotografias, as tiradas no último dia de 2015 na Barragem de Sta. Luzia, na Serra do Açôr  (post lá mais para baixo) e para as de há uns dias na serra da Lousã, na floresta aos 1000 m e, como em quase tudo, há uma linha ténue que as separa.

Tal como há a linha ténue que separa o tipo que pesca no cais do idiota que está ali de pé a olhar;
o génio da loucura;
o infinitamente pequeno do infinitamente grande;
o chão firme do abismo;
a dor do seu contrário;
alguém de outro;
um minuto do seguinte;



e isto




disto




quarta-feira, 11 de maio de 2016

Chuva a preto e branco

Serra da Lousã
(Maio 2016)


A chuva em cortina, miudinha, que se aproxima de mansinho trazida pelo vento. Vemo-la ao fundo, desfocando a paisagem e sabemos que vai chegar e que inexoravelmente vamos ficar debaixo da cortina. E, às tantas, atravessaram-se-me na memória as palavras do outro para a Suzanne misturadas com a chuva: and you know that 'the rain' will come but that´s why you wanna be there
(Leonard Cohen - Suzanne)


Depois passa. O tempo instável faz modificações extraordinárias na paisagem. Deve ser a luz,  as variações da luz. O Sol espreita e


e é isto. O Sol e a água (mais o dióxido de carbono que nós produzimos no nosso organismo e que é um gás de estufa e tal e o aquecimento global e estes assuntos em que há por aí muita polémica e informação atabalhoada e tal e muita teoria do achismo - eu acho isto, tu achas aquilo, ele acha outra coisa qualquer, e nós achamos todos juntos e volta tudo ao início para mais uma volta, mais uma viagem ... -  mas que agora não vem ao caso) puxam a vida com força, ou semeiam a vida, por todo o lado.



E o tempo instável são as nuvens a correr no céu








domingo, 8 de maio de 2016

Da Lousã ao Trevim

30 Abril 2016
(Serra da Lousã)


Escolhi ir a direito. Da Lousã ao Trevim. Duro como o raio. Uma diferença de mais de 1000 m em altitude em pouco mais que 18 Km. Mas escolhi. Vou por ali. Que se lixe. Podia ir dar uma volta mais suave. Mas escolhi ir a direito. Não poder escolher é uma merda. Isso dá cabo da vida.  Por isso, raramente me queixo. Do trabalho, das pedaladas, das escolhas que fiz (se me arrependo? Isso é outra coisa). Porque escolhi. E, para além do resultado final, poder escolher é sempre um caso feliz.  Estou agora a lembrar-me que há um livrinho escrito pelos dois físicos que detectaram a radiação de fundo do Universo, Penzias e Wilson, onde este falam disto. E, já agora, não é aquela ideia do famoso cântico negro de José Régio porque até parece que a escolha dele está predeterminada e é, portanto, imune à novidade, logo não está a fazer escolha nenhuma (mas, não me vou meter por aqui).

Fui a direito. Já o fiz dezenas de vezes. Tirei duas fotografias e fiz dois vídeos.

A primeira sobre a Lousã aos 900 m de altitude, percebendo-se Coimbra lá ao fundo à esquerda por detrás dos montes.


 A segunda também sobre a Lousã mas mais acima (esta é apenas um pretexto para mostrar a urze em flor).


 A terceira (afinal são 3) no mesmo sítio mas tirada para o outro lado, para Este, para a sequência quase-infinita de cumeadas, de cores e de texturas. As serranias da Lousã, Açôr e Estrela.


O vídeo, também no mesmo sítio, não deixa tanto à imaginação mas abre o ângulo do horizonte desde Oeste até Este.  Ao vir de Oeste, a Norte vê-se a Serra do Buçaco (parece uma meseta), depois a do Caramulo e, já no final, a do Açôr (o cone do picoto da Cebola aos 1400m é óbvio)  com a da Estrela (imponente) na linha do horizonte



Ah, os últimos metros da subida. Gosto da rudeza dos caminhos.



Subiu-se logo desce-se.  Here we go!
A estrada, em mau estado, segue a linha das eólicas. Ainda hei-de filmar isto como deve ser, à velocidade real, nem que seja com o telemóvel preso nos dentes. Às vezes vou por ali abaixo e vejo os falcões e outras rapinantes a planar mas, ao contrário do que é normal, pelo dorso, é que estão mais baixas do que eu. O som do vento que bate (mas não sopra a chuva, ora bolas!) é real. É o som que se ouve quando se veleja em cima da bike por ali abaixo. Aliás, a ventania no rosto, nos ouvidos, em todo o lado, é um lado pouco óbvio para quem nunca experimentou andar de bicicleta acima dos dos 30 km/h (mais ou menos) mas que traz às pedaladas uma intensidade e novidade sensorial  viciantes. É que, estou convencido, o prazer é uma força evolutiva (motora) inscrita no cérebro (digamos assim) que motiva muitas das nossas acções.



quarta-feira, 4 de maio de 2016

Quem somos, de onde vimos, para onde vamos, porque é que não há mais pessoas a a andar de bicicleta?

Serra da Lousã
(1 de Maio de 2016)

O encontro ocorreu logo depois de ter estado a fotografar as paredes coberta de água, coloridas, brilhantes por onde corria um fiozinho de água; o que restava de uma queda mais ou menos exuberante de algumas semanas atrás. Vem o Sol, o tempo aquece e irrompem as cores. Ao contrário, os riachos minguam.

Mas, estava ali a olhar para os brilhos e as cores da parede onde agora irrompiam pequenas plantas quando vejo um tipo a aproximar-se de bicicleta, uma ar distraído, a olhar à volta, só lhe faltava assobiar, com aquela atitude de cordialidade contida.


Mas os roxos? De onde é que vêm os roxos? Era isto que mais me intrigava


Passou. Eu fiquei mais um pouco. Depois, fui atrás dele pela serra acima. Que diabo o tipo pedalava bem. Vi que levava uns rabiscos a servir de mapa. Meti-me com ele, ofereci-me para lhe dar sugestões, dicas, respostas. O plano dele era simples mas difícil de concretizar. Subir ao topo da serra e depois descer pelo outro lado.
Entretanto chegou a mulher. Vinha numa e-bike (bicicleta auxiliada por um motor eléctrico). É que assim consigo acompanhá-lo, disse-me, apontando para o marido com a cabeça e expressão de quem quer dizer que ele é um tolo das bikes.
Eram Holandeses. Lá lhes dei uma sugestões, falámos de várias coisas. Ela dizia-me que gostavam muito das variantes do verde e eu percebia bem o que ela dizia. Ele, o marido, ia sorrindo. Às tantas, ele sai-se com esta:
-        Isto é tudo tão bonito. Porque é que não há mais pessoas a andar de bicicleta?

à    Às vezes fazem-se estas perguntas sem querer saber a resposta (perguntas de retórica) mas quando ele ficou a olhar para mim de olhos abertos percebi que era genuíno, que o intrigava a pergunta, que queria que eu dissesse alguma coisa. Disse-lhe que, ainda assim,  por vezes há mais pessoas a pedalar por ali. Mas que quando se trabalha (os que trabalham) e se tem um ordenado miserável, como é o caso de mais de 30% das famílias (e jovens) portugueses, pedalar pelos campos e serras apreciando a beleza pode ser uma ideia remota. Tal como ir ao cinema, ou a uma exposição, ou a um concerto, ou outra coisa. Mas que também achava que há coisas que têm que ser ensinadas e que, ao contrário de emoções como o medo, por default não temos inscrito nas redes neuronais outras que resultam de estímulos diversos e associações complexas (a beleza que ele percebia incluía não só o que via mas também os aromas, e a luz e os sons de aves e água a correr, e mais mil e uma coisas).

     Despedi-me e fui andando mas, km à frente, quando parei numa fonte improvisada (uma telha num riacho) que está ali há anos



     olhei para trás e via-os perto. Pedalavam que se fartavam. Eu todo bem equipado, calções como deve ser, sapatos de encaixe, uma bike jeitosa e tal, e ele com uns sapatos de pano finos que nem conseguia colocar o pé no pedal, um alforge, uma pasteleira.

Ao chegar ao planalto tirei mais umas fotografias: umas árvores num pequeno bosque. É que estava tão bonito!





Na descida tirei outras, desta vez a um souto que começa a folhear, fazendo contrastes de sombra em machas no chão das folhas mortas do ano passado.


E daqui apanhei depois o caminho (este é dos caminhos para algum lado) que me levou lá abaixo ao vale. Gosto desta descida porque  o vale começa a vislumbrar-se (como que a nascer no horizonte), percebendo-se  lá em baixo, e depois se vai abrindo, imenso, à medida que nos aproximamos.