Maio 2012
Voltar, por exemplo, às encostas Sul da serra da Lousã, ao Maio maduro Maio (quem te pintou... raiava o sol já no Sul, ti ri tu ri tu ri tu ru), sobre o vale do Coentral.
Às encostas da carqueja, das flores amarelas da carqueja.
Em fundo, na encosta em frente, as linhas dos caminhos por onde passarei mais tarde. Daqui, parecendo, apenas, um cenário liso e monótono.
Mas, uma vez lá, como sempre acontece, surpreende-nos a diversidade, a rudeza
O vale abre para Este, para as serranias do Açôr, com a Estrela na linha do horizonte.
Um dia, pedalando por aqui no estadão sobre o vale, na curva do caminho, dei com uma manada de veados (uns 6 ou 8). Fugiram todos, saltando para a floresta na parte de cima do caminho. Excepto um, um pequeno gamo que não o conseguiu fazer. Numa reacção instintiva começou a correr à minha frente e eu, quase também instintivamente, fui pedalando devagar durante alguns metros, esperando que, mais cedo ou mais tarde, surgisse uma barreira que lhe permitisse subir. A certa altura percebi que o resto do grupo o acompanhava pela floresta, via-os, furtivos mas, sobretudo, ouvia-os. Não tinham fugido serra acima, estavam a ali a tentar reagrupar o pequeno gamo. Parei, e, um pouco mais à frente, vi o grupo que o esperava já numa curva do caminho onde era fácil subir do caminho para a floresta. Não tenho fotografias nem sequer me lembrei disso (de tirar fotografias).
Lá em cima o St. António da Neve, aos 1200m de altitude. Já aqui contei a história dos Poços da Neve do St. António e dos neveiros do Coentral.
Maio 2013
Um ano depois, o mesmo vale, mas outras carquejas.
E um ano depois, a carqueja das encostas Norte da serra (vale das aldeias abandonadas do Freixo), ao contrário das d lado Sul, estão sob neblina
As carquejas e as torgas e a outra urze
e eu também. Passo por ali como uma sombra, sem nada perturbar.
A mesma encosta Norte (vale das aldeias abandonadas do Freixo) sob Sol aberto. As fotografias estão longe de fixar os milhões de cores e o aromas e a luz que inunda o caminho.
E, no mesmo Maio da neblina, depois do Sol, de novo a neblina no mesmo vale.
Maio 2015
Neste Maio estive de volta às encostas Sul. Desta vez, lá em cima, no cume, no St. António da Neve.
E estive no vale da ribeira de Alge
E estive no Açôr, subindo as long and winding roads na bike de estrada, acima dos 1000 m.
O Adamastor do Açôr, aos 1400 m (picoto da Cebola). O planalto da Estrela ao fundo.
Depois, há o regresso e há a sensação de ter passado por aqueles caminhos como se o não tivesse feito. Fica uma memória difusa. Como se por ali tivesse pedalado como um fantasma. Gosto de pensar que talvez seja porque, como dizia o outro (!), tenha sido inteiro no que fiz, nada exagerei nem excluí. Quer dizer, vi com os olhos, cheirei com o nariz, ouvi com os ouvidos sem me socorrer das paisagens, dos aromas e dos sons que já esta armazenados em padrões no meu cérebro e que podem filtrar, fazer um efeito tampão, colocar-me em modo automático ... impedindo-me de criar padrões verdadeiramente novos.
O João Lobo Antunes também gostava muito desse poema.
ResponderEliminarE o Saramago também, até fez um livro dedicado a esse poeta.
E foi esse livro que trouxe a Pilar a Lisboa para o conhecer... e o resto da história já toda a gente sabe.
Bom fds, João.
Maria
Obrigado por ter contado essa parte da história. É muito bonita.
EliminarFicou-me na memória desde a primeira vez que o li.
Bom fds
João
PS. Aposto que, pela manhãzinha, as folhas mortas do seu plátano estão brancas, cobertas de geada.
Aposta ganha, João.
EliminarTudo branquinho: as folhas, os campos, as hortas, os carros que ficam na rua, até alguns telhados...
E o prémio é:
"Eu teria a idade dos jovens membros desse clube quando entrou na minha vida um outro poema de Pessoa, neste caso uma ode de Ricardo Reis, que me tem acompanhado toda a vida, severo como uma reprimenda, solene como uma profissão de fé."
ODE
Mais abaixo diz:
"Depois passei a ler outras coisas, muita ciência, ficção, short stories e biografias e a poesia hibernou. Um dia, já em idade madura, ela acordou."
Pags 168/9 de "O Eco Silencioso".
Um livro maravilhoso, que me ensinou que os homens da ciência podem ser muito diferentes da ideia que eu tinha deles.
Outro foi o António Damásio (vi-o uma vez lá em Belgais com a mulher, claro que não falei com ele, bastou-me vê-lo, já tinha lido dois livros dele nessa altura).
Outro ainda foi o Rómulo de Carvalho.
E mais recentemente conheci outro...
Mas tudo através da escrita, claro.
Maria
PS. Aposto que o João sabe qual é o clube a que o JLA se refere.
É um filme, e tem lá um poema do Whitman que começa assim:
"O Captain! My Captain!
Our fearful trip is done;"
Lembra-se de eu lhe falar em coincidências?
Num dia eu revejo o filme em dvd.
No dia a seguir compro este livro (há 10 anos), abro ao calhas, e está lá este poema, e depois a Tabacaria, e depois "O Terrorista" da Szymborska (e eu adoro esta Senhora), e depois ele diz que toda a vida sofreu com as insónias (so did I)
e, e, e já chega, Maria!
Tive a sorte de ver o filme quando ele saiu (fui à net e já foi em 1989, caraças). Quando hoje vejo o actor Ethan Hawke noutros papéis, não o consigo deixar de ver lá na Dead Poets Society. Era uma altura em que ainda tinha tempo para ir ao cinema (shit)! E o que eu gosto de cinema.
EliminarO Robin Williams, que infelizmente se foi há poucos anos, era um grande fã de ciclismo. Costumava até acompanhar a volta a França.
As coisas improváveis acontecem, caso contrário seriam impossíveis.
Tenho os livros do Damásio mas, devo confessar, as ideias não fluem na minha cabeça com facilidade.
João
Eu também vi o filme no cinema quando estreou em 89. E em 91 vi outro com ele, o White Fang, adaptado do livro do Jack London e passado no Alaska. Nessa altura ele tinha 21 anos mas parecia um miúdo, agora tem 48... como não me hei-de sentir velhota ao vê-lo crescer assim?
ResponderEliminarEle também escreve, mas nunca consegui ler nada dele.
Desconhecia a faceta bike lover do Robin Williams.
Eu agora só vejo cinema em casa. Tempos houve em que ia a Lisboa e a Coimbra só para ver filmes.
E passava a noite dos Oscars a ver aquilo em directo.
A pouco e pouco vamos mudando...
:) Maria
Em Coimbra havia salas antigas com alguma qualidade; o Gil Vicente, Avenida, Tivoli, onde se tomava café ou something stronger. Depois passou tudo para os centros comerciais e para as pipocas. Chateia-me o cheiro a pipocas e o ruído das pipocas mastigadas de boca aberta durante as sessões. Foi nos States, em 1998, que pela primeira vez vi essas "cenas". Mas lá as pessoas levavam baldes, literalmente baldes de pipocas. Um dia, pela altura do Natal, decidimos ir ver um bailado no gelo. Custou-nos uma fortuna mas lá fomos. Enervei-me porque o espectáculo era belíssimo mas à nossa volta as pessoas mastigavam ruidosamente as pipocas.
EliminarJoão
Eu só conheço o Avenida. Quando ia nos dias grandes, dava para ver dois filmes e regressar ainda antes de anoitecer.
ResponderEliminarDepois tornou-se cansativo (e caro).
Aqui em CB só havia um filme por semana e às Quartas passavam um filme de autor às 19h. Vi bons filmes e por vezes éramos só 3 ou 4 pessoas na sala.
Quando veio o Fórum,
ficamos com 4 salas e, embora a escolha dos filmes fosse uma tristeza, eu de vez em quando lá ia ver uns filmes em 3D.
Depois fechou e ficamos 3 anos sem cinema. O Alegro abriu 3 salas mas nunca me apeteceu lá ir, parece que escolhem a dedo os filmes que não me interessa ver, com acompanhamento de pipocas, télélés e gritaria, não dá mesmo.
Desisti! Acabou!
Quando sai em dvd, se puder compro, se não puder, não vejo.
E lá se foi a minha grande paixão pelo cinema.
Cresci mal habituada, em Lisboa havia tudo...
Maria
O Avenida era a sala mais bonita. O avenida antigo porque depois transformaram aquilo num mamarracho gigantesco que ia até à rua de cima. O Gil Vicente tinha um som melhor. Aliás, neste, assisti a concertos muito bons. E já que falamos de música, vi por lá Duruthi Column, Didier Lockwood (que foi discípulo, acho eu, de Jean-Luc Ponty que, por sua vez, foi discípulo de Stéphane Grapelli), um saxofonista tenor cujo nome esqueci, bailado ... Ouve uma altura em que andava fascinado pelo violino eléctrico destes tipos.
EliminarPois, CB - Coimbra é uma bela tirada (e não estou a falar de pedaladas em bicicleta).
João
Pois era uma bela tirada, João, no regresso já só desejava mesmo era chegar a casa.
EliminarEm Lisboa, para além de todas as salas de cinema, ia muito à Gulbenkian (ballet e concertos). Todos os Natais ia ver o Quebra-nozes, às vezes duas vezes.
E ia ao S.Carlos de borla. O pai de um colega trabalhava lá e arranjava um camarote para nós (um bando de meninas, os rapazes preferiam futebol).
Mesmo quando já estava a Sul, vinha aos domingos à sessão das 16h e às 20h, mais coisa, menos coisa, lá íamos nós rumo ao Sul a assassinar árias pelo caminho.
Posto isto, a minha mãe devia era ter nascido em Coimbra e não aqui.
Adoro aquela cidade!
Maria
Pois, pois, vantagens de viver na capital. Na "província" (palavra detestável que, ainda hoje, ouço dizer nas TVs) jogava-se ao prego e ao pião - nos dias calmos, nos outros manda a cortesia não dizer nada ;)
EliminarE não me refiro a Coimbra mas a locais nas encostas da serra que, subindo a Gardunha a partir daí, se pode observar imponente e granítica a noroeste, if you know what I mean.
João