terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

(Blue), (red) ... yellow is the warmest color (pelo menos durante uns dias)

Serra da Lousã
Fevereiro 2019

De modo sincronizado, com poucos dias de intervalo, as acácias na serra explodem em amarelo.

Amarelo em todas as direcções. Na direcção do azul



dos verdes panorâmicos



até das silhuetas pretas dos castanheiros 



e do escuro do asfalto


Com o vento as acácias tremendamente floridas oscilam e as pequenas flores caem em nuvens como se fossem flocos de neve. Neve amarela. Fico por ali uns instantes e, quando dou conta, estou coberto de pequenas flores amarelas. Dizem que são alergénicas (e, de facto, a época da floração torna dramática a vida dos asmáticos). Eu não me importo. Devo ter nascido com o gene do "que se lixe" (to say the least !). Gosto, os aromas são belíssimos e não me provocam qualquer reacção alérgica.
Pela manhã, manhãzinha, mal o frio da noite se vai e a brisa suave começa a varrer a serra, ondas de aromas invadem a atmosfera. Tsunamis de aromas. E eu vou por ali acima a cavalgar (quer dizer, a pedalar) a crista do tsunami.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

O dia tem que começar de alguma maneira (de 1 a 6 na escala de Richter)

Fevereiro 2019


On the nature of daylight (again and again): de 1 a 6 na escala de Richter !


(Max Richter - on the nature of day light)


1
(ligeiros arrepios na pele)



2
(abalos intensos no peito)



3
(palpitações por todo o corpo, insanely ciclying towards light, desmoronamento da razão)



4
(réplicas, regresso ao estado fundamental, apaziguamento, recuperação da visão)



5
(the end)



6
("no safety or surprise, the end my friend")


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Gone with the (wind), the (rain), in a (mystery tour), the … who cares.

Serra da Lousã
(Fevereiro de 2019)


Gone.




Hey! Come back (to life)

(David Gilmour back to Pompeii 45 years later - e, pelos vistos, o primeiro espectáculo público ali feito nos últimos milénios !)



Back.

Ir na proa do navio em dia de tempestade, tal como o mexilhão quando o mar está bravo, era o que eu sentia. Chuva puxada a vento em todas as direcções. Invernia na serra. Eu por ali acima a solo. Pedalada após pedalada. Mas que raio é que andas aqui a fazer sózinho, pá? No meio da serra em dia de tempestade? Perguntas desnecessárias porque não me apetece pensar na resposta. O fio do pensamento estava noutro lado: não em elucubrações sobre a minha passagem efémera pela vida no planeta mas porque é que há sempre um gota de chuva gigante que se desprende de uma árvore e que, no momento exacto em que vou a passar por baixo, acerta entre as aberturas do meu capacete e se estatela na minha cabeça? Através dos óculos embaciados percebia vagamente a paisagem à minha volta. Se me aparecesse um cabo das tormentas à frente do nariz não daria por ele. Passá-lo-ia até perceber que já o tinha ultrapassado. Agora imagine-se a excitação do Bartolomeu Dias quando deu por isso mesmo!
Por exemplo, um cabo das tormentas de quatro patas e focinho com dois dentes exteriores retorcidos e virados para cima. De vez olhava em sobressalto mas eram apenas folhas ou ramos levados pelo vento. Ou não. Nestes dias vai-se ali a pedalar como se se tratasse de um sonho. É mesmo assim. Não há sequências lógicas na transição entre as imagens que se vêem, assalta-nos a dúvida de ter ou não visto isto ou aquilo ... tanto estamos ali a insultar a chuva e a mãe dela como nos deliciamos e rimos com a situação frágil em que estamos ...

Invernia na serra.

Um pouco mais abaixo, na meia encosta o tempo compôs-se. Já foi possível tirar as luvas, parar e olhar à volta bem acordado. E tirar o telemóvel para fazer um videozinho.


Não posso deixar de concordar que os Creedence Clearwater Revival colocaram uma questão pertinente, por assim dizer. É que a chuva vê-se sentindo-a if you know what I mean. O que não é o caso quando se está protegido por um vidro de automóvel ou janela de casa.

(Have you ever seen the rain?)




quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

uns farrapos de neve aqui e ali e a Estrela branca no horizonte

Fevereiro 2019
Serra da Lousã



Comecei a encontrar uns farrapos neve por volta dos 700 m de altitude. Neve a esta altitude significava que a tempestade da véspera fora dos infernos.
Logo depois devo ter entrado em mind wandering, imaginando a tempestade: o vento forte, muito forte, em rodopio, trazendo a neve com força, não na vertical mas oblíqua, o assobio infernal do vento misturado com o rumor grave resultante da oscilação das árvores em fundo, talvez um vulto fugidio, procurando abrigo, noite escura, breu, vento, a neve a acumular-se, um rebuliço ...

Não era o caso do dia, o desalinhamento de Neptuno com o buraco negro do centro da nossa galáxia sob influência de Vénus por sua vez altamente influenciado por Europa a lua de Júpiter que como toda a gente sabe tem água e provavelmente uns seres verdes com grandes cabeças não esquecendo obviamente a conjugação gravítica com a lixeira dos restos de naves espaciais que orbitam a Terra conjugada com o satélite Chinês que está em orbita estacionária no lado escuro da Lua, determinou um dia de sol. Mas quantas vezes fui já a rider on the storm.




Nascido o dia, um dia com céu azul, os raios de Sol incidindo na neve transformavam-na em gotas de água. Não de um modo abrupto mas lentamente, passando por um estado sólido translúcido intermédio que reflectia a luz.


E, com grande probabilidade, muitas daquelas gotas irão ser absorvidas pelas plantas verdes logo ali através das raízes, subir até às folhas e aí, juntamente com o dióxido de carbono da atmosfera, e aproveitando a luz do Sol, servir para fabricar (entre outras coisas) o oxigénio que respiramos.
Talvez que nas moléculas de oxigénio que por ali avidamente respirei, alguns dos átomos de oxigénio tenham feito parte de cristais de gelo a água ali no chão. Os átomos que já tinham sido neve andavam agora no meu sangue!



Uma pedalada e mais outra e mais um suorzinho nas costas que o Sol não aquece só a clorofila nas folhas das plantas para fazer a fotossíntese. Caso seguisse num carro com vidros fechados e bem insonorizado parecer-me-ia que o dia seguia tranquilo e solarengo - a bonança depois da tempestade. Seria um engano de alma ledo e cego. Os riachos enchiam o ar do som da água corrente, em turbilhão, contornando pedras, ultrapassando outras, percorrendo novos caminhos fora do leito normal.










Já acima dos 900 m de altitude, o lado Sul dos pequenos bosques parecia em chamas. Sob Sol intenso via-se um clarão ao fundo contra o qual se recortava a silhueta da  árvores, enquanto que o lado Norte, sombrio, retinha ainda os farrapos de neve da tempestade da véspera.



Mas ia com pressa. Na minha cabeça via já, elevando-se sobre as serranias a Este, o maciço central da Estrela branco, coberto de neve. Faltavam ainda vários quilómetros, muitas pedaladas a subir até que, na curva da estrada já perto do cume, do Trevim, aos cerca de 1100 m avistaria o que esperava avistar. Quando isto acontece, quando nos atinge em cheio a vontade de chegar a um cimo qualquer para olhar o horizonte, mete-se um obsessão no corpo que nos leva a pedalar sem consciência do esforço. Uma e outra e mais outra e é como se fosse uma dança, as pernas a oscilantes, os braços flectidos, permitindo deitar ligeiramente o corpo sobre a bike, o chão que passa sob as rodas ... 1, 2 minutos, meia hora, uma?

Cheguei. Lentamente, à medida que dava a volta ao sopé do Trevim (o cume da serra da Lousã)  e virava para Este, foi surgindo a cordilheira da serra do Açor e, no horizonte, tal como tinha imaginado, o maciço da Estrela coberto de neve.






E, já que estava ali, terminei a espiral que me levou ao Trevim. A ventania e o frio aumentavam a cada pedalada. O frio estava escrito nas pedras à beira da estrada, nas aparentemente improváveis estalactites de gelo.




O termómetro marcava 3 ˚C. A ventania que varria o cimo da serra, fazendo as árvores oscilar e gemer como os mastros dos veleiros em dia de tempestade, trazia a sensação térmica para muitos graus abaixo de zero. Cinco, seis, sete? Sem luvas, com o telemóvel na mão gelada, comecei a reparar que o click do disparo, normalmente um som rápido, se tinha transformado num cliiiiiiiick arrrraaaaassstaaaddooo. Às tantas, apesar de estar com bateria a 60% a florzinha de estuda do iPhone desligou-se e, mais do que isso, recusou-se a ligar novamente. Foi a segunda vez que tal me aconteceu, com o frio o telemóvel desligou-se.
Num rasgo de inteligência dirigi-me ao telemóvel em linguagem tabernácula na vã esperança de que tal estratégia resultasse. Cheguei-me para o Sol, enquanto fazia o plano para a descida.
Estava do lado Norte e, daqui, via claramente o picoto da Cebola (o cone à direita do planalto branco da Estrela)


A descida é o maior problema; vinte e tal km a descer sem aquecer, com o vento frio que até os dentes arrefece, dá para ficar num estado próximo das estalactites de gelo que tinha encontrado na subida ao Trevim.

Optei pela estratégia do costume: "em vez de descer pela estrada, meto-me pelos caminhos a pique, a direito serra abaixo, cheios de calhaus e com o stresse e o receio de cair nem vou sentir o frio." Uma estratégia que normalmente tem sucesso, caso não se dê um trambolhão pelas cascalheiras abaixo.



Joelhos, cotovelos e ombros quase inarticuláveis, mãos agarradas aos travões como as garras da águia  pesqueira quando agarram um peixe, vim por ali abaixo e voltei às meias encostas onde jorravam as cascatas. Fechara-se o ciclo, voltei para onde tinha começado as pedaladas.

From the beginning (ELP)



Pus-me ao Sol a descongelar devagarinho. Ali sentado na pedra a ouvEr o turbilhão ao meu lado. O iPhone ressuscitou e para o testar apontei-o para a água. A ribeira em not so slow motion que, embora obedecendo às mesmas leis leis de Newton que quando vista na velocidade a que o nosso cérebro se habituou a ver as ribeiras a despenhar-se encostas abaixo, nos parece de um mundo regido por outras leis.