Domingo, dia 18 de Junho.
(depois de ontem, Sábado, ter estado no Trevim à uma da tarde na tarde, um pouco antes do início do incêndio de Pedrogão)
Fumo. O amanhecer de Domingo cheio de fumo. Um fumo que formava gradientes à medida que se
subia na serra. O incêndio andava na encosta do outro lado, do lado da
Castanheira de Pêra, mas o fumo tinha subido a serra e começava a cobrir o lado
de cá, vinha de cima, insinuando-se pelas rugas dos vales. Logo à saída da
Lousã.
Eu, inquieto, não sabendo ainda da tragédia que
ocorrera do outro lado (embora pelo reboliço da noite com carros e sirenes serra acima e serra abaixo sugerisse que algo grave se passara), pego na bike logo pela manhã e pensei subir ao cimo, ao Trevim pela EN236 (a que agora chamam da morte), onde
tinha estado no dia anterior. Talvez dali percebesse a dimensão da coisa. Uma pedalada, duas pedaladas, um
km, dois km, e parecia que subia ao Evereste. Caraças não consigo respirar. Mas mais um
bocado. Quando tiver vistas para o Trevim terei uma ideia mais precisa do que
se passa. E martelava este pensamento para me auto-estimular.
À medida que subia, o céu ficava cada vez mais estranho,
amarelo, esquisito, marciano ou neptuniano, talvez uraniano. Tentei arranjar uma teoria que tranquilizasse o meu lado
racional: a exposição a situações de stresse (ambiental) em baixas doses até é
benéfico para a saúde. As minhas células vão sentir estes gases tóxicos e vão implementar a resposta ao stresse.
Vão accionar os mecanismos da hormese. Isto até vai fazer-me bem. Um stressezinho em background é do melhor que há para manter a saúde, é até rejuvenescedor. Até comecei a sentir os genes a expressarem-se, proteínas de defesa celular a inundar as células, a glicólise a acelerar para compensar a hipóxia, uma agitação celular em todo o corpo. Nada como uma hormesezinha logo pela manhã para ficarmos mais jovens. Pronto tinha
uma teoria e estava tranquilo. E embalado pela teoria fui pedalando e subindo.
Comecei a perceber que não iria longe.
Às tantas estava num ambiente estranho. Pedalava e, como quem pedala sabe, por vezes pedalamos porque a seguir a uma pedalada vem outra. Uma e outra ...
Só quem pedala entende isto. Outros dirão que é estupidez ou que é irracionalidade ou obessão. Não é. É uma vontade que se apodera de nós e nos
impede de parar quando as coisas estão difíceis (que força é essa, que força é essa que trazes ...).
Depois, para mais, no meio de tudo aquilo, imerso naquele universo estranho, comecei a achar tudo muito belo à volta, a luz, as penumbras, o ambiente para-real, os
contrastes
Como bem sabia, tive que parar. Não conseguia mais. Na véspera tinha subido ao Trevim a 1200 m com temperaturas acima dos 40 graus.
Nada comparado com isto.
Voltei para trás, muito para trás e meti-me por um estradão
a meia encosta, paralelo ao vale, mantendo a altitude. O fumo estava lá a
chegar. A floresta estava tranquila mas havia a expectativa de que a qualquer
momento alguma coisa iria perturbar o silêncio. Ia ali percebendo cada segundo na expectativa do próximo. Como que acossado por aquele silêncio.
O fumo vinha aí, infiltrava-se por entre as árvores
O leito dos riachos furiosos do Inverno tinham umas poças
aqui, outras ali, sem dinâmica nenhuma, uma pasmaceira
a luz do Sol filtrada pelo fumo, amarela e laranja, como que incendiava clareiras no chão da floresta. Um deslumbramento
À volta estava tudo calmo e, no entanto, como disse, estava sempre na expectativa de um susto, de animais em alvoroço; cervos, javalis, ginetas ... Quantos terão ficado encurralados e morrido? E insectos e vermes na terra e , e, e, e, ... a terra esterilizada pelo fogo. Lembro-me que havia uns
pássaros a esvoaçar mas não senti sinais de grande perturbação. Também eles respiram oxigénio e provavelmente estariam em hipóxia. É que já por ali também ali o fumo se adensava.
Desci para a vila o que me faltava descer.
No dia seguinte, saí do país para uma cidade no Norte da Europa. Que bem que me soube a chuva que por lá apanhei. Até a bebi, de boca aberta para o céu. Figuras tristes: à noite, de braços abertos, cabeça levantada e boca aberta, à chuva à porta do hotel. Are you OK? Sim, vou já, estou só aqui a apanhar um pouco de chuva. Hã!? Como é que eu explicar ia aquilo aos outros?
Desci para a vila o que me faltava descer.
No dia seguinte, saí do país para uma cidade no Norte da Europa. Que bem que me soube a chuva que por lá apanhei. Até a bebi, de boca aberta para o céu. Figuras tristes: à noite, de braços abertos, cabeça levantada e boca aberta, à chuva à porta do hotel. Are you OK? Sim, vou já, estou só aqui a apanhar um pouco de chuva. Hã!? Como é que eu explicar ia aquilo aos outros?
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