quarta-feira, 3 de outubro de 2018

A brama dos veados por uma ponta de um corno

Serra da Lousã
1 de Outubro 2018


Bem, no local, no vale das aldeias fantasma da Silveira de cima e de baixo, o som é grave e sério. É denso e fundo. Mete-se pelos ossos dentro e faz arrepiar a pele. Ecoa pelos vales e faz ressonância na nossa cabeça. Ao mesmo tempo, é um som que se percebe natural e familiar como se estivesse sido inscrito no nosso cérebro pela Evolução (como alguns aromas que emanam da floresta).
Nesta altura, ao nascer e pôr-do-Sol, tenho assistido a este acontecimento e, debalde, várias vezes o tentei gravar. Precisaria de um sistema de gravação com alguma sofisticação e, mesmo que o tivesse, não dava jeito levá-lo as costas na bike. Por isso, recorro ao multi-tool de bolso que serve para quase tudo: o iPhone.

No videozinho que fiz com o telemóvel na EN236, em frente ao vale, não se ouve a ponta de um corno. Quer dizer, com o som no máximo e num local silencioso percebem-se os bramidos dos machos. Correndo o risco de trivializar (esta palavra existe? banalizar?) a brama, resolvi, ainda assim, colocar o videozinho.

A brama é o período da corte e acasalamento entre os veados. O costume: os machos a fazer pela vida, atraindo as fêmeas. Elas, subtis e inteligentes, deixam-nos bramar, chamando por elas, e, como é costume, eles dramatizam a cena marrando uns com os outros. Parece que durante a brama os machos não comem, emagrecendo brutalmente e investindo toda a energia na atracção das ladies (para se reproduzirem).

Curiosamente, para os Hindus, Brama é o deus da música e a força criativa do Universo. E esta é uma ideia que descreve bem o que os bramidos revelam e o que sente quando se assiste in loco à brama: uma força criadora.

Lá vai (som no máximo, local absolutamente silencioso e 2 minutos da nossa vida concentrados no videozinho).



5 comentários:

  1. Olá João,

    Ainda bem que colocou o videozinho.
    Obrigada!
    Gostei mesmo.
    Dá para ouvir os bramidos e imaginar como deve ser fantástico ouvi-los ao natural- a minha cultura National Geographic tem que servir para alguma coisa, não é verdade?
    Já tinha lido/visto sobre os veados em "postais" anteriores.
    Também já estive consigo em Barcelona e na Patagónia, aonde nunca consegui ir. Sempre sonhei fazer como o Chatwin: deixar um bilhete na secretária a dizer que fui para a Patagónia e zarpar.
    Mas não deu...
    Que vida incrível tem o João nos seus tempos livres.
    Espero que continue a partilhá-los connosco aqui deste lado :)
    Maria




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    1. Olá Maria,
      Obrigado pelas amáveis palavras. Até me estimulou a colocar aqui algumas fotografias e relatos de pedaladas que não tenho tido tempo para "postar". Ando há anos (porque o queria fazer com detalhe) para aqui colocar algumas de uma cidade extraordinária por onde pedalei, lá no Oriente: a cidade dos mil templos e antiga capital imperial ... :)
      João

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    2. Olá João,
      Agora deixou-me curiosa.
      O Oriente é tão vasto...
      No Japão, talvez Kyoto?
      Ou na China, Pequim?
      Também ouvi falar numa cidade que tem 3 mil templos, mas não me recordo do nome, tenho de consultar o Dr. Google.
      Eu nunca pus um pezinho sequer no Oriente :(
      Mad estou a ver que o João já "bikou" all over the world :)
      Por acaso já leu o "Bicycle Diaries" do David Byrne? Eu gostei imenso de ler, embora ele pedale essencialmente nas cidades onde vai dar os concertos.
      Maria

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    3. Maria: 10 points! Kyoto.
      Soube dos "Bicycle Diaries" há pouco tempo e li umas entrevistas com o David Byrne sobre isso (já agora: https://www.youtube.com/watch?v=KJvXzPQSca0).
      É o que tenho feito desde há vários anos. Quando saio em trabalho tento arranjar tempo para conhecer as cidades de bike. Às vezes 2h, outras 12h. Por regra faço-o sem planos, de imprevisto e à descoberta. Meto-me por vielas e avenidas. Pedalo por aqui e por ali em função do que vou vendo e pressentindo. E Kyoto foi uma das inesquecíveis.

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  2. Olá João,
    Isto é que foi sorte, acertar logo à primeira: vou já comprar uma raspadinha...
    Tenho um fascínio pelo Japão e ultimamente li vários livros de um mestre japonês da chamada Nona Arte (Jiro Taniguchi, conhece?) que me deixaram maravilhada. Ele era mais de passear a pé, mas tudo o que nos conta, em poucas palavras e belíssimos desenhos, é de uma sensibilidade e de uma beleza incríveis.
    Voltando ao David Byrne,eu comprei o livro em 2010, assim que saíu, e li-o num ápice.
    Acho que o João vai gostar de o ler - e pelo menos em New York pedalaram ambos: pode comparar.
    Em 2011 comprei um outro livro
    (este com motor): The Motorcycle Diaries, do Ernesto "Che" Guevara, que relata uma viagem pela América do Sul com o seu amigo Alberto Granado.
    Já tinha visto o filme "Diários de Che Guevara" do Walter Salles e foi interessante ler o livro.
    Agora fico à espera de Kyoto ;)
    Bom fim de semana.
    Maria


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