Serra da Lousã
2016
2016
Dentro deste crânio onde agora há terra e folhas houve, antes, células vivas, diversas, trocando informação e matéria e moléculas dentro e fora das células que, interagindo, formavam um cérebro, permitindo o surgimento de propriedades emergentes e que regulavam o funcionamento de um ser vivo complexo. Uma cabra? Um veado? O ser vivo que executava tarefas complexas como, por exemplo, uma representação do meio que o rodeava que, entre muitas outras tarefas, permitia ao ser vivo alimentar-se, refugiar-se, proteger-se, reproduzir-se ... Agora é apenas um objecto. Fica para ali, imóvel, como as pedras à volta. E, no entanto, em termos elementares a composição do crânio cheio de terra e folhas não é muito diferente da composição do cérebro. Carbono, hidrogénio, oxigénio, fósforo, enxofre, uns átomos metálicos e pouco mais. Não é a composição que conta. Somos triviais. Como disse Carl Sagan somos feitos por pó das estrelas. São as interacções que dão origem às propriedades emergentes.
Os átomos e moléculas deste animal fazem agora parte do solo e, provavelmente, das plantas e de outros animais. Seguramente que átomos que existem no meu corpo fizeram já parte de outros corpos. Convém não esquecer isto, este baralhar e voltar a dar que a natureza usa. Talvez assim se perceba as relações que temos com a biosfera e que a "natureza" não são "recursos" à nossa disposição. Somos nós também. Aliás, nós somos um ecosistema pois o número de bactérias comensais que em nós habitam (em quase todo o lado) é em numero superior ao das células dos nossos órgãos. E esta co-habitação é fundamental à nossa saúde. Mas vou deixar este assunto - o microbiota - para outra altura.
No fundo, a morte é essencial à vida. Aliás, temos inscrito nos genes um programa que promove o suicídio celular. Algumas células danificadas executam um mecanismo regulado de morte (apoptose). Temos genes de morte, proteínas de morte e estes mecanismos são essenciais à sobrevivência do organismo multicelular (uma célula com DNA danificado é preferível morrer do que multiplicar-se e originar um cancro). Aliás muitos cancros resultam da incapacidade da célula executar os mecanismos de morte, de apoptose. É uma morte celular silenciosa. Em Grego antigo apoptose significa a queda das folhas no Outono.
Não sei se gosto mais do que escreveu ou da música que escolheu e que não conhecia. Mas se calhar não tenho que escolher.
ResponderEliminarHá umas versões da mesma música sem os agudos da guitarra de Clapton mas com uma voz de "r" carregados.
EliminarPor exemplo por Yves Montand aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=kLlBOmDpn1s
O Yves que me perdoe, mas eu prefiro a versão do Eric Clapton: espectacular!
EliminarObrigada pela lição de vida e de morte, Sr. Biólogo?
Maria
Biólogo? Maria: zero points !
EliminarUma vez tive o privilégio de jantar com o Robert Huber que me disse que estudamos Bioquímica para perceber a Biologia ;)
Também prefiro a versão do Mr. God.
João
Oh, é triste passar de 10 para 0, mas é a vida (como dizia o outro)...
ResponderEliminarA vida é sempre a perder, como dizia O Homem do Leme.
Já fui ver quem é o Robert Huber - ignorante que sou, conheço melhor os Nobel de Literatura.
Sempre a aprender :)
Maria
Ora Maria, ignorantes somos todos, só que em assuntos diferentes.
EliminarFoi um acaso feliz a possibilidade de conversar com o Robert Huber. Um homem extraordinário que cresceu na Alemanha antes da II guerra mundial e que, devido à escassez de recursos na sua pequena aldeia (contou-me ele) foi um autodidacta (aprendeu a ler com livros que encontrava ...). A certa, eu estava a falar-lhe de um poeta Português que tinha expressado de modo poético uma lei da física (todo o mundo é feito de mudança ...) quando ele se sai com : Camões? Eu ia caindo da cadeira com a surpresa.
E Maria, a vida não é nada sempre a perder.
Tem razão,João, embora agora estejamos rodeados de Tudólogos, uma praga em vias de expansão - sabem tudo sobre tudo e aparecem em todos os écrans a toda a hora.
ResponderEliminarInteressante o Robert Huber conhecer o Camões. Estamos habituados a só sermos conhecidos lá fora pelos "heróis da bola" ou então, a nível literário, pelo Pessoa ou o Saramago.
Gostei de saber.
:) Maria
PS. Exagerei! A vida também tem coisas boas, e bem simples às vezes.