quarta-feira, 8 de junho de 2016

Morte e vida

Serra da Lousã
2016


Dentro deste crânio onde agora há terra e folhas houve, antes, células vivas, diversas, trocando informação e matéria e moléculas dentro e fora das células que, interagindo, formavam um cérebro, permitindo o surgimento de propriedades emergentes e que regulavam o funcionamento de um ser vivo complexo. Uma cabra? Um veado? O ser vivo que executava tarefas complexas como, por exemplo, uma representação do meio que o rodeava que, entre muitas outras tarefas, permitia ao ser vivo alimentar-se, refugiar-se, proteger-se, reproduzir-se ... Agora é apenas um objecto. Fica para ali, imóvel, como as pedras à volta. E, no entanto, em termos elementares a composição do crânio cheio de terra e folhas não é muito diferente da composição do cérebro. Carbono, hidrogénio, oxigénio, fósforo, enxofre, uns átomos metálicos e pouco mais. Não é a composição que conta. Somos triviais. Como disse Carl Sagan somos feitos por pó das estrelas. São as interacções que dão origem às propriedades emergentes.
Os átomos e moléculas deste animal fazem agora parte do solo e, provavelmente, das plantas e de outros animais. Seguramente que átomos que existem no meu corpo fizeram já parte de outros corpos. Convém não esquecer isto, este baralhar e voltar a dar que a natureza usa. Talvez assim se perceba as relações que temos com a biosfera e que a "natureza" não são "recursos" à nossa disposição. Somos nós também. Aliás, nós somos um ecosistema pois o número de bactérias comensais que em nós habitam (em quase todo o lado) é em numero superior ao das células dos nossos órgãos. E esta co-habitação é fundamental à nossa saúde. Mas vou deixar este assunto - o microbiota - para outra altura.


No fundo, a morte é essencial à vida. Aliás, temos inscrito nos genes um programa que promove o suicídio celular. Algumas células danificadas executam um mecanismo regulado de morte (apoptose). Temos genes de morte, proteínas de morte e estes mecanismos são essenciais à sobrevivência do organismo multicelular (uma célula com DNA danificado é preferível morrer do que multiplicar-se e originar um cancro). Aliás muitos cancros resultam da incapacidade da célula executar os mecanismos de morte, de apoptose. É uma morte celular silenciosa. Em Grego antigo apoptose significa a queda das folhas no Outono.

(Autumn leaves - versão de Eric Clapton)





Cabra? Veado? outro?


As primeiras fotografias são de Abril e a última é de Junho. Pedalo por ali com frequência. Tentarei ir vendo a transformação, a morte a a vida.

7 comentários:

  1. Não sei se gosto mais do que escreveu ou da música que escolheu e que não conhecia. Mas se calhar não tenho que escolher.

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    1. Há umas versões da mesma música sem os agudos da guitarra de Clapton mas com uma voz de "r" carregados.
      Por exemplo por Yves Montand aqui:
      https://www.youtube.com/watch?v=kLlBOmDpn1s

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    2. O Yves que me perdoe, mas eu prefiro a versão do Eric Clapton: espectacular!
      Obrigada pela lição de vida e de morte, Sr. Biólogo?
      Maria

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    3. Biólogo? Maria: zero points !
      Uma vez tive o privilégio de jantar com o Robert Huber que me disse que estudamos Bioquímica para perceber a Biologia ;)
      Também prefiro a versão do Mr. God.
      João

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  2. Oh, é triste passar de 10 para 0, mas é a vida (como dizia o outro)...
    A vida é sempre a perder, como dizia O Homem do Leme.
    Já fui ver quem é o Robert Huber - ignorante que sou, conheço melhor os Nobel de Literatura.
    Sempre a aprender :)
    Maria

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    1. Ora Maria, ignorantes somos todos, só que em assuntos diferentes.
      Foi um acaso feliz a possibilidade de conversar com o Robert Huber. Um homem extraordinário que cresceu na Alemanha antes da II guerra mundial e que, devido à escassez de recursos na sua pequena aldeia (contou-me ele) foi um autodidacta (aprendeu a ler com livros que encontrava ...). A certa, eu estava a falar-lhe de um poeta Português que tinha expressado de modo poético uma lei da física (todo o mundo é feito de mudança ...) quando ele se sai com : Camões? Eu ia caindo da cadeira com a surpresa.
      E Maria, a vida não é nada sempre a perder.

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  3. Tem razão,João, embora agora estejamos rodeados de Tudólogos, uma praga em vias de expansão - sabem tudo sobre tudo e aparecem em todos os écrans a toda a hora.
    Interessante o Robert Huber conhecer o Camões. Estamos habituados a só sermos conhecidos lá fora pelos "heróis da bola" ou então, a nível literário, pelo Pessoa ou o Saramago.
    Gostei de saber.
    :) Maria

    PS. Exagerei! A vida também tem coisas boas, e bem simples às vezes.

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