sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Após todos estes anos, um encontro face a focinho durante a brama dos veados

 Setembro 2022

Nos anos anteriores fiz algumas tentativas para registar a brama. Há por aí (no arquivo do blog) umas postas sobre o assunto. Devo ter escrito sobre o som cavo dos machos, bramando na perseguição das fêmeas. Quer dizer, no fundo, elas em grupo, deixam-se perseguir e a brama é um aviso dos machos entre si, Porque, no fundo outra vez, elas é que escolhem. Eles, com as hormonas a inundar o cérebro, desafiam-se e lutam pelo harém. Devo ter também escrito sobre a frustração com que, após a cena em real thing, ouço as gravações que fiz (imagens e som) no telemóvel. Nem fazem jus à coisa e até chateiam. "Que grande merda", tem sido sempre a impressão final.

Desta vez, pedalei serra acima com a cabeça focada em chegar ao lusco-fusco (palavra mais bonita que crepúsculo) à Aldeia da Cerdeira. Bem sei que é por ali que eles andam. Cheguei ao lusco-fusco. Bem, ao lusco-fusco quando a realidade era vista pelos meus olhos. Quando registada no telemóvel parecia que a tarde ia ainda no adro.

E onde fica a Cerdeira?. Fica ali, na encosta em frente:


Deixando de lado as virtualidades criadas pela câmara do telemóvel que, num passe de magia tecnológica, transforma o lusco-fusco da tarde em meio-dia soalheiro (exagerando apenas um pouco), cheguei ao lusco-fusco, usando, como referência, a realidade a que estou habituado.


Na subida à aldeia, uma bela de uma rampa com inclinações acima dos 20%, a respiração ofegante não me impediu de começar a ouvir o bramar de vários machos. Percebi que uns andavam ao fundo, junto à ribeira, mas que outros (um ou dois) andavam logo por ali, perto do caminho à entrada da aldeia.

Pedalei, em silêncio, pelo caminho que leva à aldeia. Olhava para a esquerda, para o lado de onde vinham alguns ruídos de folhagem agitada e uns bramidos roucos atento a qualquer movimento. Com lentes que me deixam distinguir um pedregulho de um javali a 10 m de distância - mas não muito mais do que isso - percebi que andavam por ali algumas fêmeas. Disparei para lá o telemóvel com ampliação no máximo. Ali estava uma.


E ali estavam outras, mordiscando umas ervas despreocupadas mas sempre atentas (já me tinham detectado muito antes de eu ter conseguido vê-las)








Nisto, 

pressinto do outro lado, do lado de baixo, um movimento pelo canto do olho. Duas fêmeas passavam nas calmas com o ar petulante de quem sabe que o macho as seguiria.

Pressentiram-me - têm um radar fantástico (olfacto e ouvido apuradíssimos).






Quando tirei o pé do encaixe metálico do pedal da bike, o clique foi ouvido com estrondo. A mais velha olhou-me, avaliou a situação, sentiu-se segura pela barreira que nos separava


e continuou a pastar nas calmas


atirando-se às folhas do sobreiro (nunca tinha visto as madames a banquetearem-se com folhas de sobreiro)



Percebi, entretanto, que o bramar de um macho estava cada vez mais próximo. Mas do outro lado. Do lado de cima onde tinha visto as primeiras fêmeas. Voltei lá.

A note caía.

Fiquei por ali algum tempo. Ouvia o bramar cada vez mais próximo. O macho estava perto. Ouvia ramos a quebrar e a folhagem das árvores agitadas, provavelmente do roçar das hastes. Percebi que seguia as fêmeas. Mas o caminho tinha obstáculos, sobretudo para quem tem um par de hastes magníficas como os machos. Mas estava próximo. E percebia-se que estava agitado. Já não se via nada, a noite tinha caído. Eu próprio estava agitado. Já se me estavam a eriçar uns pêlos. Pressentia que, após todos estes anos, estava quase quase face a focinho com um dos machos. Estava na orla da floresta. Seguramente que ele me pressentia e, sobretudo, percebia que eu estava próximo das fêmeas. Como é que se explica a um macho carregado de hormonas até às orelhas que não estamos interessados no seu harém? Talvez miando, tentando passar por gato. Sem ver  a ponta de um corno (literalmente) liguei o vídeo e apontei o telemóvel para a frente, para a escuridão (o telemóvel conseguiu captar luz suficiente para se perceber a paisagem) , e esperei.

(paciência e som no máximo; ouvem-se galhos a quebrar, sons de aves e bramidos)


aproximei-me um pouco 


Um friozinho subiu-me pela espinha acima. Tenho que me pôr a andar, I've got the message: sai daqui pá, deixa-me as fêmeas em sossego antes que estejamos a trocar galhardetes, ou melhor, a entrelaçarmos cornos (ele poderia estar  confundir o guiador da bike com um par de cornos).

Serra abaixo às escuras a destilar os nervos acumulados na cena de minutos atrás.















2 comentários:

  1. Lindo João, que bela homenagem à natureza. Cerdeira está há muito no meu roteiro, hei-de ir.
    ~CC~

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    1. Olá -CC-
      Já agora, caso interesse, na Cerdeira recuperaram algumas casas que arrendam para turismo. No cruzamento da N236 para a Cerdeira o monolito aí instalado informa: Cerdeira, the land for creativity !
      João

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