sexta-feira, 23 de março de 2018

EN236 Águas de Março

Serra da Lousã - EN236
(Março 2018)

As águas de Março no alcatrão da EN236, a estrada da serra. Céu baixo, vento vadio e atmosfera húmida, tão húmida que se sentia na ponta da língua (como nas saunas - aprendi esta técnica para dosear a lenha na fogueira em saunas tradicionais nas florestas da Finlândia). Desde pequeno que estou habituado a olhar para o céu para prever o tempo. Tenho alguma técnica e experiência adquiridos em função das condições locais (ventos predominantes, luz no horizonte ...) que hoje se alia aos modelos de previsão do tempo que podemos consultar na  net. Eu uso Meteoblue. O tempo é um dos belos exemplos de sistema caótico cuja evolução é sensível a pequenas flutuações (às condições iniciais). Percentagem de chuva 40% para a próxima hora, diz-me o modelo. Olho para o céu e intuo que terei cerca de meia hora sem chuva. No local, o meu cérebro integrou informação múltipla  (a experiência) e formulou a conclusão a que chamei intuição. Esta era a minha previsão.

Ao pedalar serra acima o nevoeiro foi-se-me fechando à volta. E como eu gosto disto! Os ramos das árvores que se perdem no espaço, as cores que se diluem ... o som intenso dos riachos por todo o lado que se cobrem e descobrem em função da densidade do nevoeiro ..






É curioso que os musgos adquirem um verde intenso, como e fossem fluorescentes (há aqui um fenómeno que tenho que perceber), contrastando ainda mais com o céu branco baixo que cobre os ramos mais altos das árvores








Cheguei ao Trevim, ao cume da serra aos 1200 m. Não via vivalma há muito tempo. Com o tempo que estava ninguém se mete pela serra acima. Como muitas vezes me acontece, deveria estar sózinho em todo o planalto da serra. À medida que pedalava e subia em altitude a névoa branca toldou-se de cinzento, o vento sossegou, uma calma abateu-se sobre a serra; sabia o que era. Mas só quando cheguei lá acima, ao topo junto às antenas, começou a cair. Ao princípio ainda misturada com chuva, em flocos pequenos como gotas.  Com jeito, tirei o telemóvel e, com as luvas calçadas (nunca se tiram a luvas porque, uma vez húmidas, as mãos não voltam a entrar e descer a serra de bike sem luvas é um cenário impensável), resolvi tirar uma selfie !!! (smile, say cheese, mas nem por isso, vejo agora que estava com cara de preocupado, ou pelo menos atento à evolução do tempo). Depois, começou mais intensa. Estavam 2 G Celsius, a neve ia acumular-se. Tinha que voltar rapidamente para não arrefecer. Aos mil metros já não nevava e, enquanto fazia o planalto, antes da descida final, até abriu um pouco. Mal iniciei a última parte da descida (18 km) percebi uma nuvem negra vinda de Noroeste, metendo-se pelo vale da ribeira de S. João. Inevitável: vão ser 18 km debaixo de chuva torrencial. Enganei-me, foi não apenas chuva mas também granizo. Caía torrencialmente. É curioso que, por vezes, indo de carro com os limpa pára-brisas no máximo, penso como é perigoso ir a conduzir com um tempo assim. Na serra, apanhado pelas tempestades, a pedalar levando com a chuva e o granizo na cara, tudo me parece natural. É mesmo assim.



2 comentários:

  1. Imagens lindas como sempre. E finalmente uma de frente :)

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    1. Esta é a estrada que os média baptizaram "da morte" no Verão passado; um bitaite de marketing a explorar a tragédia das mortes de Pedrogão. A EN236 serpenteia pela serra acima e serra baixo, da Lousã até Castanheira de Pêra, seguindo depois para os lados de Pedrogão. Todas as fotografias foram tiradas da estrada. Os muros de pedra cobertos de musgo que vês na fotografias limitam ainda a estrada em muitas curvas, noutras há já protecções de metal. Ou dizer que, por causa dos incêndios, querem cortar (usa-se o eufemismo "limpar") as árvores até dez metros da estrada. Como se as árvores ardessem espontaneamente. Nesta paranóia acerca limpeza das matas (sim, claro, é preciso gerir as florestas e as matas mas "gerir" não é sinónimo de cortar indiscriminadamente) está a esquecer-se o fundamental: a ignição. Sem ignição não há fogo e, maioritariamente, esta acontece por incúria, estupidez e crime.

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