sábado, 9 de janeiro de 2021

Vem aí um grande nevão + videozinhos ao Sábado sob flocos de neve + Mozart em assobio

9 de Janeiro de 2021

Céu de chumbo sobre a serra. Aquele cinzento enigmático que, quando sobre a serra, a minha avó chamava de céu de chumbo. E um frio de rachar, outra expressão que ela usava. Não há céu de chumbo sem frio de rachar. O frio que se mete pele dentro até aos ossos. Neve. É o que o céu de chumbo anuncia. Quando se põe um céu de chumbo e um frio de rachar quem vive a olhar o céu, as estrelas, as árvores e os riachos, as pedras cobertas de líquenes, sabe que vem neve. Ou melhor, sabe que vem lá neve!

Serra acima, pedaladas vigorosas para aquecer e logo aos cerca de 400 m começaram a cair uma gotas miúdas de chuva que não eram chuva; eram pequenos flocos de neve. Aos 400 m. Um grau Celsius. À volta, os vales e os montes desfocados pela cortina dos pequenos flocos. Isto vai aquecer, quero dizer, isto vai pegar, não à volta a dar, quero dizer, ainda não vou dar a volta, vou mais um pouco até mais acima.

As luvas, o blusão, o guiador da bike começavam a cobrir-se de branco. Estava na altura de vestir o impermeável, enfiar a balaclava, e tomar decisões. Na curva da estrada, sobre a copa de uma mimosa, parei. Ali, abrigado, "olhei lá para fora" e era nítido que as cores esbranquiçavam, que "a neve caía leve, levemente como quem chama por mim, branca e leve, branca e fria, caía do azul cinzento do céu." (Augusto Gil, balada da neve) Estava tomada a decisão: continuar e logo se via.



Logo depois, fiz o videozinho. Breve, para poupar a bateria do telemóvel.
And let´s look at the trailer



A bateria parecia aguentar-se. Logo depois, no cruzamento para a Cerdeira, fiz outro.





Olhei para trás, tentando vislumbrar os cumes da serra, Debalde, a brancura da atmosfera diluía os contrastes.


Mais um pouco e chegava ao Candal, a única aldeia do xisto na subida da EN236.






No Candal alguns carros invertiam a marcha outros paravam. Há muitas casas habitadas e percebia-se que as pessoas vinham para ficar. Sacos de plástico na mão ruelas acima. Segui. O tempo fechava a cada pedalada. Atingi a curva da fonte espinho. Surpreendentemente o telemóvel ainda tinha bateria. OK, mais um videozinho.



Até então, a neve caía "com estranha leveza e nem uma agulha bulia na quieta melancolia dos pinheiros do caminho (balada da neve)". De súbito levantou-se uma ventania, os flocos de neve esvoaçavam em todas as direcções. Branco a toda a volta. Vinha aí um grande nevão. A bike derrapava na estrada coberta já por dois dedos de neve. Estava na altura de voltar para trás mas ... só mais um pouco e ... o costume. Arrisquei. O telemóvel a zero. Mais um pouco. Mais um pouco. Custa voltar para trás. Mais um pouco. Passou um jipe para baixo, abriu a janela: olhe que está tudo cheio de neve. OK, obrigado. Mais um pouco. A descida conta-se em duas palavras: lenta e fria.

 







4 comentários:

  1. Olá João,

    Muito bonito!
    Assim uma espécie de concerto em três actos.
    Aqui nas Lowlands apenas tivemos céu plúmbeo, frio de rachar e vento glacial; talvez a neve ainda venha, quem sabe...
    ☃️
    Maria

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    1. Olá Maria,
      foi bonita a festa pá! Ainda hoje tenho na memória a visão dos os flocos de neve projectados na minha direcção. Acho que andei dois dias a ver tudo salpicado de branco à minha volta. E o frio. O frio demorou também uns dias a evaporar dos ossos.
      João

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  2. Tão mas tão bom! À exceção do frio, que não senti a ver os videos, quase me parecia ser eu a pedalar por lá, na neve. Adorei o assobio😊

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    1. Olá GM,
      a música assobiada (que Mozart me perdoe) ouvia-a numa cena inesquecível de um filme que vi há mil anos (como deve ser no escuro de uma sala de cinema): África minha ou, no original, Out of Africa. Tocada originalmente no clarinete a música é belíssima.

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