finais de Julho 2018
Tem que se pedalar mantendo uma cadência constante. Constante e espevitada. Nem para limpar os olhos do suor ou enxotar as moscas - e aqui aplica-se uma das leis fundamentais do mountain biking: se pedalas a uma velocidade inferior à que as moscas conseguem voar estás lixado pá to say the least pá, elas vão andar à tua volta, pousando nos lábios, nas orelhas e noutros orifícios cobertos de suor - se pode alterar a cadência, quanto mais parar.
Mas a cadência é fluída, dinâmica, não monótona-repetitiva; é mais ou menos como a música do Philip Glass, sobre o ritmo base vão-se introduzindo pequenos traços melódicos dos quais só se dão conta um pouco depois de terem entrado na cadência em fundo. Assim, as pedaladas cadentes, como que uma mad rush
(Philip Glass, mad rush)
Portanto, da Covilhã até às Penhas da Saúde fui cadente. Só então comecei a parte amiúde (bela palavra esta), isto é, a parar com frequência para olhar e tirar umas fotos.
Já acima dos 1500 m, o arzinho mais fresco e limpo, a agrestura (não existe a palavra mas poderia existir) da paisagem onde, mesmo sem lhes tocar, se percebe a rudeza do granito e das zimbreiras. E, nos dias de Sol, como era o caso, a luz intensa que se mete pelos olhos adentro até ao cérebro como relâmpagos. Os Cântaros, o Relvão, os Covões, os horizontes ... O esgar na face dos primeiros Km deve ter sido substituído por um sorriso - digo eu que estou agora aqui sentado confortavelmente.
O azul e o amarelo à passagem pela barragem das Penhas (lago do Viriato)
de soslaio, percebia a mancha azul
Um pouco mais de azul, isto é, um pouco mais acima, na passagem pelo Relvão, ouvi - pois, os rebanhos aqui ouvem-se e só depois se vêem - um rebanho. Um som que ainda tenho na memória de há décadas atrás, quando por aqui calcorreava os covões e cântaros.
Agucei a vista e lá estavam.
A distância na serra ilude; o que parece logo ali, dada a imponência geológica, é longe, muito longe.
Ali, do lado de cá da moreia (os pedregulhos por ali espalhados) do grande glaciar que moldou o belíssimo vale glaciar do Zêzere que, aliás, começa logo ali à esquerda:
(uma fila de ovelhas à esquerda que se dirigem para o local onde o pastor, ao centro apoiado num cajado, reuniu já o resto do rebanho)
Bebida a água da fonte que, um pouco adiante, jorra eterna (pelo menos conheço-a assim há décadas), feita a curva em que se avista o Cântaro Magro, o Covâo da Ametade (onde nasce o Zêzere) e o vale glaciar, passado o túnel e atingidos os 1800m de altitude, parei com as vistas para Sul, sobre a lagoa da barragem do Covão de Ferro (tomando a casa do lado esquerdo como referência percebe-se a imensidão do que nos rodeia)
Já para não falar da ilusão da distância que o Cântaro Magro, logo a seguir, induz.
Visto do lado de baixo, o alinhamento dos cântaros (da esquerda para a direita: gordo, magro e raso) dá um "flavor" da imensidão, comparando com o radar na Torre que se avista por cima da cabeça do emplastro da fotografia.
Mas foi um pouco antes que, à beira da estrada, distingui ao longe um vulto. Eh pá aquilo é um gajo com uma bicicleta com alforges. Vai uma bolacha - atirou ele quando me aproximei. Aquilo era claramente um convite-provocação para parar. Bom, só ali conversámos durante meia hora. O Miguel tinha vindo a pedalar desde Lisboa, e - contou-me - tinha um canal Youtube com 40 mil seguidores. O Miguel era um youtuber (onecyclistinlisbon). Estava ali porque os seus seguidores tinham votado favoravelmente a viagem à Estrela relativamente à viagem a Granada (também de bike). O seu compromisso era fazer a reportagem para os seguidores. Perguntou-me sobre a zona e ouviu-me palrar meia hora sobre a serra (a parte do lado da Covilhã porque mais estava para vir relativamente ao outro lado). Seguimos juntos até à Torre. Levei-o ao lado Nordeste e falei-lhe sobre a cordilheira à nossa frente: a Estrela-Açôr-Lousã. Contei-lhe dos caminhos que já por ali percorri de bike e do picoto da Cebola e do Trevim no horizonte e das travessias que fiz e, e, e, e, e, ... e o Miguel ouvia e eu tentava abreviar para não lhe pregar uma grande seca mas, para meu espanto, o Miguel insistia em querer saber pormenores e onde ficava o Piodão e olha além que barragem é aquela (Sta. Luzia) e, e, e, e, e, e ... como diria a minha filha: um nerd pior que eu.
Percebia-se que ele, como eu, estava habituado a pedalar solitário. Depois daqueles momentos partilhados foi natural cada um ir para seu lado. Ele foi comer umas sandes de presunto a um dos tascos da Torre, enquanto que eu desci um pouco para o lado de Seia. Na despedida, perguntou-me se podia por lá no canal youtube dele parte da nossa conversa. Ja tinha percebido que ele ia gravando a paisagem e a conversa. Claro que sim, serão os meus 15 minutos de fama.
Percebia-se que ele, como eu, estava habituado a pedalar solitário. Depois daqueles momentos partilhados foi natural cada um ir para seu lado. Ele foi comer umas sandes de presunto a um dos tascos da Torre, enquanto que eu desci um pouco para o lado de Seia. Na despedida, perguntou-me se podia por lá no canal youtube dele parte da nossa conversa. Ja tinha percebido que ele ia gravando a paisagem e a conversa. Claro que sim, serão os meus 15 minutos de fama.
Na passagem (de novo) junto ao Cântaro Magro parei para comer uns bolinhos de côco. Tirei os sapatos e fiquei ali durante ... 15, 30 60 min? Não sei bem.
Lá ao fundo, a raia, a zona de fronteira entre a Beira e Espanha (esta já na linha do horizonte) com os montes onde se erguem Monsanto e Sortelha.
Lá ao fundo, a raia, a zona de fronteira entre a Beira e Espanha (esta já na linha do horizonte) com os montes onde se erguem Monsanto e Sortelha.
Não sabia ainda que no dia seguinte voltaria ali. Voltaria cadente como se o não tivesse feito na véspera, isto é, hoje. E que desceria um pouco pelo lado de Seia para me deparar com um mar de neblina que cobria a Beira-Alta. O relato e as fotografias do dia seguinte ficam para amanhã, quer dizer para um destes dias.
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