Lá ao longe, do vale do rio Ceira jovem (uns verdes 2 ou 3 km) ao S. Pedro do Açôr, os ganchos em piso de cascalho e terra (assinaladas as hairpins no caminho que serpenteia serra acima).
Uma subida à Açôr; início no vale fechado com a água do Ceira a cantar entre as pedras, depois por entre pinheiros e o aroma quente da caruma para, pouco a pouco, pedalada a pedalada, os horizontes se abrirem e por baixo da respiração ofegante conseguir ainda libertar um suspiro de prazer. É uma subida difícil, daquelas em que tem que se pedalar com o corpo todo. Não doem as pernas mas os rins. Os braços com os músculos tensos brilham na tarde de Verão cobertos de suor.
Vai-se ali ombro a ombro com a serra. Ganha-se altitude em cada pedalada. Uma espreitadela por cima do ombro e o vale lá ao fundo é lá ao fundo.
Às tantas, já aos mil metros, surge no horizonte, ou melhor irrompe no horizonte a Serra da Estrela. Em frente, no colo à esquerda dos aerogeradores, a nascente do rio Ceira.
Aos 1400 m, no S. Pedro do Açôr, não há mais serra para subir. Encontrei de novo o Sr. Armindo da freguesia da Malhada Chã que, no Verão, ali passa os dias a vigiar as serranias, detectando focos de incêndios. É o terceiro ano que me vê chegar de bike serra acima. Falamos do horizonte e olhe além, depois de Oliveira do Hospital, e o ano passado nunca vi uma coisa assim, meteu-se ali pelo vale do Piodão e uma hora depois já ia na Vide. E a mata da Margaraça também ardeu? Foi tudo. Olhe para isto. Ardeu tudo.
(O Piodão em baixo, em frente o Colcurinho, ao fundo no horizonte a serra do Caramulo)
No Agosto anterior falou-me da disputa entre a Malhada Chã e o Sobral de S. Miguel pela nascente do Ceira. E olhe o meu avô passou lá uma noite assim, com a espingarda entre as pernas (e agachava-se como se dormisse com os braços para a frente, entre as pernas). É que o rio corre para o lado de cá (a Malhada Chá é do lado de cá) e Sobral Valado é para ou lado de lá. Falei-lhe de um carreiro que conhecia dali até à nascente do Ceira. Disse-lhe do interesse de muitas pessoas em visitar estas serranias. Confessou-me então que a junta está a pensar "compôr" o carreiro, alargando-o e também a marcar a nascente com um muro de xisto. Olhe ainda há pouco tempo passou por aqui um rapaz que também subiu em bicicleta e foi por aí, por esse lado e num instante chegou ao caminho lá mais abaixo (atirou o Sr. Armindo em jeito de despedida). Tinha barba, perguntei. Que sim e que teria uns trinta e tal anos. Lembrei-me do Tiago, um habitué destas (e outras) serranias com quem fugazmente me tenho cruzado. Ele foi por ali? Vamos lá então. Até pró ano Sr. Armindo. Até pró ano e saúde para cá nos encontrarmos. Encontros extraodinários estes. Vamos lá então. Nem sabia o que me esperava. Entre outras cenas, um mortal em frente por cima da bicicleta completado com um aterranço de bruços. Felizmente sem problemas.
(o carreiro em primeiro plano. Em frente, no horizonte, o planalto central da Estrela)
Ia o dia a meio. O vento ali era morno. Tinha dito para ninguém esperar por mim. Estava numa das serranias mais intensas e belas que conheço. Com bons caminhos aos 1200m. So, here we go. Vamos para os lados de Fajão (eh pá, depois tens que subir aquela porra toda, desde a ponte de Fajão até lá acima, para seguires para a barragem de Sta. Luzia. Que se lixe, não quero pensar nisso. Isso é o futuro, agora estou aqui. Mas vai ser um futuro do caraças e ao fim do dia com o cansaço ... ). Entre a voz da razão e a do prazer do momento optei pela última. E segui. Perdi-me (ia sem GPS), ainda andei com a bike às costas numa rampa ou duas mas as horas solitárias a pedalar por aquelas cumeadas levam-nos à essência de alguma coisa; tempo? beleza? Aprende-se a olhar.
O ventou, com o caminhar do dia, alevantou-se mais forte. As rapinas (falcões e outras que não distingui) planavam por ali, uma vezes avistadas por baixo mas muitas vezes por cima, tal a altitude a que estava sobre os vales. E avistar uma ave de rapina a planar olhando para baixo em vez de levantar os olhos para o céu não é um acontecimento trivial.
O Açôr imenso para Oeste até à serra da Lousã (no horizonte ao centro).
(O Açôr para Este)
Na descida para a ponte de Fajão, a meia encosta revela a ruína dos incêndios de Outubro passado.
Desci até ao Ceira (a velocidade pouco recomendável), atravessei a ponte, subi, subi, subi, e cheguei à estrada que me levaria à barragem de Sta. Luzia, de onde tinha partido no início do dia.
A chegada prenunciava uma nova partida mas havia ainda uma noite pelo meio.
Estive na Mata da Margaraça uma vez quando fui ver a Fraga da Pena na Benfeita.
ResponderEliminarFoi nessa Mata que comi medronhos pela primeira vez.
Então também ardeu...
Penso que será irrecuperável, ou não?
Maria
Maria, o que aconteceu é inimaginável. Primeiro foi o lado Norte do Açor, o lado da Beira-Alta. Tinha feito um passeio de bike orientado por GPS desde Oliveira do Hospital ao Colcurinho cerca de 15 dias antes do incêndio. Não nos foi permitido entrar de bicicleta na mata da Margaraça para não perturbar os ecossistemas. Que ironia !
EliminarDepois foi parte do vale do Ceira e parte do lado Sul do Açor.
E o que aconteceu entretanto? Plantação de eucaliptos nas zonas queimadas.
Além dos eucaliptos, o que germina muito bem é o egoísmo e a estupidez.
João