Maio 2019
Obviamente, o estradão a meia encosta da serra que atravessa soutos onde corços, veados, aves, esquilos ... fazem a sua vida, foi escolhido para que os pilotos pudessem desfrutar das belas paisagens, observar os animais, ouvir o canto das aves e a música dos riachos, e deixar-se deslumbrar pela beleza das árvores. O mesmo se aplica ao público. Milhares de pessoas ali se concentraram atraídas pela beleza do local, pese embora as nuvens gigantes de pó que não deixavam ver um palmo à frente do nariz, quanto mais a copa das árvores. E, sobretudo, porque longe dali, no vale, em zonas deflorestadas, não havia por lá estradões onde o Rally pudesse passar com reduzido impacto ambiental.
Cá está um pedaço do troço, na parte designada tecnicamente por "zona rápida". Naturalmente que todo o ecossistema, incluindo insectos, aves, pequenos mamíferos etc se divertiu imenso com as nuvens gigantes de pó (já para não falar das folhas das árvores que precisam de fazer a fotossíntese) e com os roncos dos motores ...não arredando pé dali, daquela zona. As fotografias foram tiradas 15 dias antes da passagem do Rally. Hoje a zona está silenciosa. Insectos, aves e etc devem ter iniciado a sua migração anual em direcção à Antárctida que ali, na floresta, no Verão faz muito calor.
Uma vez que no dia do Rally as estradas de acesso à meia encosta estavam fechadas a partir da Vila, muitos jipes tentaram o acesso aos troços pelo lado de cima, pelo cume da serra, indo à volta. Fizeram-se até marcações e colocaram-se placas. Portanto, a confusão instalou-se numa grande área em toda a encosta Norte da serra.
Cá está um dos acessos, logo acima do troço onde passaram os carros mostrado nas fotografias anteriores.
e outro
e outro. Logo ali, um pouco mais à frente, encontrei uma placa de metal cravada no chão com a indicação de "ponto de encontro". Pareceu-me adequado. Em vez de uma mensagem do tipo: pessoal, arrancamos por ali abaixo e, depois do pequeno bosque sombrio de abetos onde luz mal atinge o chão, corta-se à esquerda até cruzar um riacho onde às vezes os veados vão beber. Depois seguimos e quando começarem a ver as belas Bétulas e, já agora, se desligarmos os motores ou não os forçarmos a roncar com intensidade, talvez tenhamos a sorte de observar alguns esquilos que por ali costumam andar. O ponto de encontro é logo a seguir junto aos pequenos carvalhos e castanheiros. Mas não, em vez da mensagem, como se estivéssemos num cruzamento movimentado de uma cidade, espeta-se ali um ferro com uma placa de metal e já está. Muito mais prático. E, além disso, a malta não sabe distinguir uma bétula de um castanheiro e, como na serra não há rede net, era uma merda não poder checkar no telemóvel a diferença entre bétula e esquilo (ou era castanheiro?).
Dada a taxa de extinção de espécies, de destruição de ecossistemas e da perda de biodiversidade actuais, com consequências imprevisíveis para a nossa mas sobretudo para as gerações futuras, todas as acções contam. Ah e tal, daqui por uns meses volta tudo ao mesmo, a floresta recupera, os animais voltam, os ecossistemas reconstituem-se, blá, blá,, blá e se amanhã não chover é capaz de fazer Sol, dirão alguns com a leveza de pensamento de quem nunca ouviu falar da dinâmica dos sistemas complexos. É que, paradoxalmente, há hoje a preocupação com a prevenção de incêndios na florestas e, no entanto, o impacto negativo provocado por estas actividades parece ser genericamente aceite.
Seriam os ralis de antanho que extinguiram os dinossauros?
ResponderEliminarSeriam os ralis de antanho que extinguiram os dinossauros?
ResponderEliminarAbraham Chevrolet,
ResponderEliminarmas na serra da Lousã os dinossáurios não estão extintos !:
http://bateoventosopraachuva.blogspot.com/2015/02/dinossauros-na-serra-da-lousa.html
A organização do Rally teve o cuidado de evitar os troços no território dinnossáurico. Aí sim, seria um duelo justo: bólides contra dinossáurios. É que bólides contra borboletas não tem piada nenhuma.
João Carqueja
Ora João, é perfeitamente natural que um comentador com apelido de carro prefira os bólides a uma floresta impoluta; o contrário é que seria estranho, penso eu de que :)
EliminarSugestão para os "donos da serra" arrecadarem mais uns trocos:
Excursões temáticas, assim estilo "Venham todos ver como conseguimos destruir esta porra toda num único dia!"
Nenhum outro país civilizado conseguiria fazer melhor. Para o ano já temos mais um Óscar de Turismo garantido.
Ah e fui espreitar o dinossáurio ;)
(só me lembrava do dragão).
Boa semana, João.
Maria (triste)
Olá Maria,
Eliminarpois, a história da galinha dos ovos de ouro é muito comum.
Mas eu não quis escrever um manifesto anti-rally. Apenas expressar uma opinião. Havendo alternativa ao percurso do rally sem o impacto ambiental (na minha opinião grave) que teve a escolha do troço a meia encosta (por quem?) fico perplexo com estas decisões. Obviamente, outros pensarão de maneira diferente. O Abraham Chevrolet (grande nome!), por exemplo, que ironicamente manifestou a sua opinião (e bem apreciei a sua ironia - espero que ele tenha apreciado a minha). Na sociedade actual, a problemática da avaliação dos riscos é um tema central não só das nossas decisões individuais mas, sobretudo, de decisões políticas que afectam todos nós. Vivemos numa sociedade suportada/movida pela ciência e pela tecnologia e, no entanto, fazemos as coisas de modo que a maioria é razoavelmente ignorante em ciência e tecnologia (já para não falar das "cruzadas" anti-ciência e anti-especialistas). Esta situação, como já disse Carl Sagan, é uma receita para o desastre. Algum especialista em impacto ambiental, em gestão de floresta (outros) foi ouvido sobre a troço escolhido para o rally? Obviamente a ciência não é dogmática e argumentos de autoridade não têm aqui lugar. Mas ouvidas duas ou três opiniões os decisores políticos poderiam fazer escolhas mais fundamentadas e com o sentido do bem comum. Ou não é para isso que são eleitos?
Bem, poderíamos estar aqui noite toda (isto é, poderia esta aqui a noite toda num monólogo) mas voltando ao mote do post: à beira de mudanças abruptas com efeitos imprevisíveis nos ecossistemas, todas as acções contam.
João
Sim, claro, a questão não era a passagem do rally pela serra, mas sim o local escolhido para essa passagem. Parece-me que, cada vez mais, se tomam as decisões e só depois se pensa nas consequências, muitas vezes irreversíveis.
EliminarFico a aguardar as fotos do pós-rally, se por acaso lá voltar...
:)
Maria
João: um abraço pelo seu sentido de humor e compreensão. Todos gostamos de árvores e bosques...a calma e tranquilidade que eles dáo tem algo a ver com o nosso passado.
ResponderEliminarUm cumprimento à Maria pela sua determinação na defesa do que aprecia.
Abraham Chevrolett
Recebido e retribuído :)
EliminarBons passeios pela Estrada de Sintra, ao volante do seu Chevrolet, caro Abraham.
Maria
Caro Abraham Chevrolet,
Eliminarobrigado pelo comentário. Volte sempre. E se, como diz a Maria, se passeia pela serra de Sintra ao volante do seu Chevrolet, deixo-lhe aqui um desafio: tente uma vez uma volta de bicicleta e depois conte-nos ;)
João