domingo, 9 de agosto de 2015

A mítica estrada da Beira (N17) e as sardinhas

Julho 2015

Ter amigos que, morando a 70 Km numa bela casa, nos convidam para uma sardinhada num Sábado à tarde tem várias vantagens. Uma que me veio à mente é que seria um excelente pretexto para umas pedaladas na bike de estrada.
Ok, o convite está aceite; vou de bike!

Foram 70 Km pela mítica estrada da Beira, a Nacional 17, que levava e trazia os emigrantes desde os anos 60. Liga Coimbra à Guarda e daqui à fronteira de Vilar Formoso. Pela minha parte, foi apenas entre Lousã e Oliveira do Hospital.
A N17 é uma espécie de "route 66" nos EUA que vai desde Chicago a St. Mónica na Califórnia. Já fiz pedaços desta route 66 na área de Los Angeles, quando lá morei. Não tinha grande interesse para além do mito associado.
A estrada da Beira. Já a fiz de carro, de camioneta de carreira das antigas, de autocarro com ar condicionado, de bicicleta e à boleia. Aliás, das boleias (quando estudava em Coimbra ia para casa à boleia) tenho memórias interessantes, "to say the least".  Desde camionetas com porcos - ainda me lembro que, para além do cheiro intenso,  os animais tombavam ora para um lado ora para o outro em todas as curvas - até propostas de sexo gay, já dentro do carro, feitas pelos gajos mais improváveis (não, não quero, pare o carro que eu fico já aqui).

Vamos lá então à sardinhada. Vai dar para aí uma sardinha por cada 10 Km, pelo menos. Pensei tirar meia dúzia de fotografias ao longo do percurso em locais icónicos.
Primeira: Câmara Municipal da Lousã.


Ainda antes de chegar à estrada da Beira (a 8 km da Lousã) tirei mais duas. O cabeço da Ortiga sobranceiro à Vila com uma nuvem a servir de coroa.



Já na N17, depois de Vila Nova de Poiares, surge a serra de S. Pedro Dias. De um lado, na subida, a famosa casa dos frangos e do outro, quando se chega lá acima, o imenso vale com o planalto da Serra da Estrela ao centro no horizonte (quase invisível sob as nuvens) e a Serra do Açôr à direita. Vê-se o cone do monte Colcurinho. O Açôr vai estar sempre presente ao longo do percurso, fechando o horizonte a Sul, como que a servir de moldura.
Embora administrativamente o não seja, S. Pedro Dias é uma espécie de muralha entre a Beira Alta interior e a Beira mais Litoral.


O rio Alva, surge na Ponte da Mucela, depois da descida de S. Pedro Dias. Está quase a lançar-se no Mondego. O Alva nasce na Barragem do Vale do Rossim, na serra da Estrela, e faz todo o vale encostado à serra do Açôr, limitando-a a Norte.


Moita da Serra. Este era um local irónico. Aqui (no largo logo ali á direita onde ficava um café) era o local de paragem da camioneta de carreira. A camioneta parava, o café enchia-se de gente e era um grande reboliço. Quem tinha dinheiro comprava uma sandes e bebia um cerveja e quem não tinha ia só à casa-de-banho e esticava as pernas ou apanhava a fresca da noite, fosse esse o caso. Eventualmente, tirava qualquer coisa do bolso para trincar trazido por cautela.

Reparei, ao passar, que o café ainda existe.
Logo a seguir surge o cruzamento para Arganil (por onde não vou).


Arganil fica lá ao fundo, no Vale, nas fraldas do Açôr.
Já pedalei umas quantas vezes por aquelas cumeadas do Açôr. É dos locais mais deslumbrantes que conheço para pedalar. A última foi em Abril passado.


Este é outro ícone: a curva do Salazar. Sim, esse mesmo, o de nome próprio António e natural de St. Comba Dão. Lá ao fundo fica única curva da estrada que tinha protecções laterais. Conta-se que o homem, numa das suas deslocações de carro a que era avesso, teve um sobressalto nesta curva. A curva é em U, o motorista deve ter tido alguma dificuldade em fazê-la, o carro deve ter fugido um pouco,  e o presidente do conselho via a sua tranquilidade perturbada. Mandou que se fizessem umas protecções naquela curva.
Ainda hoje lá estão uns muretes de cimento pintados de branco. A curva é lá ao fundo mas o pretexto da fotografia é o marco que ainda é característico da estrada da Beira. É do tempo em que a velocidade permitia olhar para estes marcos na beira da estrada e perceber as distâncias às terras que se avizinhavam. Um Km, um marco destes. Este é o Km 52. Cada cem metros é marcado por outros mais pequenos. Faltam-me 19 Km para Vendas de Galizes.
Basicamente estes marcos são um "upgrade" dos usados pelos Romanos 2000 anos antes.


Este era um local de paragem mais "selectivo", o café/restaurante Tabriz em Gândara de Espariz. Entrada com antecâmara, protegendo o interior do frio, com acesso ao café de um lado e ao restaurante do outro. Paredes de granito. No café havia um belo fogão de ferro a lenha com painéis de vidro que permitiam ver a lenha a arder. Um belo fogão que criava um ambiente morno e confortável nas noites frias da estrada da Beira. Parei ali algumas vezes para tomar café junto ao fogão.
Hoje está ao abandono.



Passo o cruzamento para Coja e a serra do Açôr sempre ali, como uma muralha a Sul,


com o monte Colcurinho à esquerda (aos 1300 e tal metros), um cone quase perfeito, impondo-se no horizonte ao longo da cadeia montanhosa


ou espreitando por entre as árvores da estrada.


Às tantas, numa curva antes de entrar na Venda da Esperança, surge em frente o planalto da Estrela. O cone do Colcurinho ali mais perto como que marca a transição do Açôr para a Estrela.


Vendas de Galizes. É uma imagem típica da estrada da Beira; a passagem pelo meio das povoações com casas e quintais à beira da estrada.


Antes de deixar a estrada da Beira, a Estrela está mais próxima, vê-se por entre o arvoredo à beira da estrada. Aquele é o desfiladeiro de Loriga, granítico, imponente, um desnível de cerca de 900 m (o maior da serra, desde Loriga até ao planalto central, e provavelmente o de maior desnível em Portugal) que subi há muito anos a pé. É só seguir em frente mas não vou chegar lá. Ficarei a 20 km. Tenho hora marcada para as sardinhas.


Cheguei a horas. As sardinhas foram comidas com vistas para o Colcurinho.



7 comentários:

  1. Mas que vida tão aventurosa, João, tão preenchida, tão cheia de coisas para contar.
    E de repente fiquei sem palavras...
    E acho que nunca passei por aí.
    Boa noite :)
    Maria

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  2. João, e a Route 66, fez como?
    De carro ou à Easy Rider, assim estilo Peter Fonda e Jack Nicholson, e a cantar/gritar o Born to be Wild?
    Maria

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    1. Maria, foi mais ou menos assim: íamos por ali fora, na zona de Los Angeles, e, às tantas, olha ! está ali uma placa que diz que esta é a route 66. Isto? Mais à frente mais um pedaço da 66. Um desencanto. Talvez, nos imensos vales, o feeling da mítica 66 se sinta. Viajei por estradas assim, para Sul de LA, estradas sem fim em que o horizonte se desfoca tal como nos filmes americanos. Nas idas aos desertos a grande altitude, lembro-me bem. Ao Anza Borrego e ao Joshua Tree Park, a 2000m de altitude. Locais fascinantes que fascinaram os U2 de tal modo que deram o nome a um dos álbuns. No parque há árvores com ramos que parecem braços e que os colonos que atravessavam o deserto pensavam que era o profeta Josué a indicar-lhes o caminho. Cá de cima vê-se a falha de Santo andré. Uma dia, num desses desertos parei o carro e saí. O tempo estava tempestuoso e começou a chover. As minhas filhas pequenas no carro. estava tão incrivelmente quente seco que a chuva não chegava ao chão. Levantando o braço, sentia a chuva na palma da mão mas o chão irradiava tanto calor que evaporava a chuva antes de esta atingir o chão. Lembro-me que disse para a minha mulher: se esta merda não pega morremos aqui todos. Pegou.
      João

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    2. Bolas, João, isso que conta é mesmo assustador.
      Acho que prefiro o Alaska :)
      O Joshua Tree dos U2 é um daqueles CD que eu gravava em cassetes para levar nas minhas voltas.
      Desde o Live Aid que adoro aqueles rapazes, e não sabia que existia um Joshua Tree Park.
      Maria

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  3. Estive a ver na net.
    Incrível, absolutamente incrível.
    E estive a ouvir o CD. Abre com o Where the streets have no name (refere-se a N.Y. penso eu) e sempre associei o disco à costa leste e não à oeste.
    A capa também não dá pistas, embora lá dentro tenha 3 fotografias com uma Joshua Tree.
    "Desert sky
    Dream beneath a desert sky
    The rivers run
    But soon run dry"
    Este pedacinho do In God's Country retrata bem a cena familiar que o João descreve.
    Mas deste CD, todo muito bom, as músicas que eu gravava 2/3 vezes seguidas eram:
    - With or without you
    - Running to stand still
    Nunca me cansava de as ouvir :)
    Maria

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  4. O deserto Joshua Tree não é? Tenho por aí fotografias do deserto mas não sei onde. Veio-me à memória que, íamos por ali fora na estrada (de terra), dentro ainda do Joshua Tree Park e, às tantas, aparece um coiote escanzelado à frente do carro, logo ali a uns 2 ou 3 metros, a atravessar lentamente, muito lentamente estrada, parou à nossa frente, olhou-nos durante uns segundos e, depois, seguiu o seu caminho.

    Comprámos o CD Joshua Tree na altura em que lá fomos, ao deserto. Pode imaginar as vezes que o ouvi! E, Maria, escrevo isto ao som de Running to stand still :)

    João

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    1. Essa é a minha preferida :)
      E sim, referia-me ao deserto (acho que sempre arriscava ir lá, se pudesse...)
      Hoje de manhã ouvi na TSF o Jorge Palma a cantar O Bairro do Amor, numa versão ao vivo: Lindo!
      Há anos que não ouvia esta canção, penso que ele se refere aos sem abrigo.
      Boa noite!
      Maria

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