sábado, 10 de outubro de 2015

A KTM, o vinho e a memória

9 de Outubro de 2015

Tenho que dizer isto de uma maneira que pareça racional porque, de outro modo, parte do meu cérebro começa a ter sérias dúvidas sobre o que se passa noutros locais dentro da caixa craniana.

Talvez seja como o vinho. Quando um dia, no Dão, no solar do vinho do Dão (oh que privilégio), à volta de uma mesa com vitivinicultores da região e alguns enólogos, fiz uma das figuras mais lamentáveis de que me lembro ter feito em toda a vida: ah et tal, depois há aqueles comentários curiosos sobre o vinho ... os laivos de feno cortado ... os vestígios prolongados de amêndoas doces -disse com ar divertido. Subitamente, cessou o ruído dos talheres nos pratos, as conversas terminaram, num passe de magia todos os comensais se transformaram em estátuas brancas à volta da mesa, inquirindo-se entre si com o olhar; quem explicaria a este ignorante duas ou três coisas elementares sobre o vinho. Um deles, enólogo, sob o olhar de todos, calmamente limpou a boca com o guardanapo, colocou-o novamente no colo, pegou num copo de vinho, ergueu-o à altura do nariz e, com a voz calma de quem contém os insultos, atirou: humm, humm, perdão Sr. JL, é a memória, o vinho pode despertar essas memórias. Manteve o olhar focado no meu como quem pergunta: percebeste ó ignorante? Corri com os olhos os olhos de todos os outros à volta da mesa que me fitavam com ar seríssimo.  Fui um asno, pensei.

Por isso, pá, quando sentires uma comoção ao olhar para a bike que deixaste de ter a partir de hoje ...

 Como, por exemplo, na serra da Estrela


ou na serra da Lousã


Ou aqui na Estrela, outra vez


Ou na Lousã em Cabeço Marigo


Ou na serra do Açôr, na chegada ao picoto da Cebola


Ou com muito, muito frio, a trilhar caminhos de neve intocados

Ou com muito, muito calor na Costa Alentejana

Ou, o que é isto?


isto é a bike


Junto à água, tranquila


 ou junto à água a correr furiosa


ou em vales perdidos (para os outros que para mim que estou ali são o caminho para algum lado)




nas meias encostas



 nesta a comemorar o 25 de Abril de 2013 (Coimbra no horizonte)

 ou nas cumeadas aos 1000 m em dias azuis

(outra vez porque gosto muito)

ou menos azuis




Ou no Alentejo com o mar ao fundo, a 50 m de altitude

(canal junto ao Rogil)
 em Aljezur

(a caminho do Brejão, o sol põe-se, vou chegar de noite ao mar)

A 1400 m de altitude na Serra do Açôr


ou a 1400 m de altitude na Serra da Estrela (que lugar este !)



Por estradões

ou por caminhos


Ou na nascente  do Rio Ceira


Ou à beira-mar, na Samouqueira, junto ao xisto solarengo


ou na serra junto ao xisto neblínico


A explorar caminhos nas falésias Alentejanas







Ou na serra da Lousã em roads to nowhere
com paragem em paragens que o foram há muito tempo



Ou sobre o Sabugueiro


Ou a caminho de Unhais da Serra, na serra da Estrela


Ou a chegar ao Trevim, no coração serra da Lousã


Com a serra ao longe


No Inverno neblínico








Ou no Inverno destes assim!


Em Primaveras quentes



Ou em Outonos pálidos



Em prados de altitude


ou na floresta


De noite, na Lousã


Ou de dia, com a Torre (Serra da Estrela) como cenário



Junto a cedros de pé


ou junto a cedros arrancados pela tempestade da véspera


ou junto a castanheiros inesquecíveis


em plano 


a descer


a subir



ou em pose no Cântaro Magro (Serra da Estrela)


e por aí (e por ali) fora ...







foram dias luminosos


... não te preocupes pá, a comoção que sentes é das memórias pá, a bike era só uma bike. Quando olhas para as fotografias com a bike pá, tu não olhas para a bike pá, olhas para a paisagem pá. E é isso que te traz as memórias e te deixa nesse estado, percebeste pá. Porque os lugares não são só os lugares, são a representação que tu fazes deles dentro do teu cérebro pá e isso é muito mais complexo. Uma árvore é uma árvore é uma árvore. Mas se olhares para o grande castanheiro ali em cima pá a árvore não é só a árvore. Achas belo não é pá? Agora explica lá porque é que uma árvore é mais bela que outra? Ou porque uma árvore é tão bela como a Vénus de Milo? Hã? Já percebeste? A realidade exterior é uma coisa pá, a representação que dela fazes no teu cérebro é e realidade que conta mas, é provavelmente diferente da realidade do teu vizinho if you know what I mean, pá. É como o vinho.

3 comentários:

  1. Um post maravilhoso, João.
    Estou para aqui emocionada não sei porquê! Gostava de te pedir para me levares a esses sítios todos (e eu nunca terei pernas para lá chegar) e que isto me deixou aqui com a sensação que talvez, talvez, este tenha sido o melhor post que li nos últimos 100 anos.
    A realidade é esta. É exatamente esta.

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  2. Ó Uva, agora fizeste-me corar. A bike leva-te onde quiseres. Podes ir mais depressa ou mais devagar mas leva-te lá.

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