domingo, 7 de fevereiro de 2016

As pedaladas que não dei na Estrela

Serra da Estrela
(Fevereiro de 2016)

Regra geral, quando venho à Serra da Estrela consigo encaixar a bike no carro no meio do resto da tralha. Desta vez, por razões da natureza logisticó-tecnologicó-familiares, não foi possível.

Assim, a subida até aos Piornos (a cerca de 1600 m) foi feita de carro. Depois, carro parado, a volta foi dada a pé.
Ora, eu que passei grande parte da minha adolescência a calcorrear a serra de fio a pavio - numa altura em que não se falava de trail e trail run e mountain-oriented activities, e em que o turismo consistia essencialmente em camionetas cheias de grupos de "turistas"  que vinham à serra fazer "piqueniques" e "ver" a neve, deixando lixeiras por todo o lado (câmaras de ar de camiões que serviam de trenós, sacos plásticos usados para fazer SKU na neve, garrafas de cerveja partidas contra as pedras num ritual de alarvice  estupidez, guardanapos de papel besuntados de gordura de frango assado e carne entremeada a esvoaçar ...) - e que, portanto, caminhar por ali deveria ser tão natural como respirar, dei por mim, a cada passo, a pensar na bike.

O dia não estava famoso para pedaladas. É que 1 grau C (era a temperatura ambiente) com vento forte resulta em sensação térmica real de vários graus negativos. Além disso, o nevoeiro cerrado tornaria teimosias que me são comuns, como, por exemplo, pedalar por locais mais remotos, um pouco mais arriscadas. E, sobretudo, a ameaça de neve. Estava a ficar o céu de chumbo (de que falei há uns tempos num post ali para baixo) que anunciava neve. Tivesse trazido a bike e a coisa teria que ter sido bem programada. Sobretudo o "dossier" roupa (casaco de aquecimento suplente para a descida, corta-vento, protecção eficaz nos pés ...) e alimentação.

Mas, é claro que não é um frio de rachar, acompanhado de nevoeiro cerrado, vento forte e um nevão que nos vai inibir de andar de bike !
Se há coisa que se aprende ao pedalar pelas serranias é nunca ficar à espera das condições "perfeitas".

Pronto, não havendo fotografias das pedaladas ficam as da caminhada.

Um narciso, ali aninhado entre as ervas mais altas, que teima em ficar de pé, apesar da ventania.





A caminhada fez-se na margens do Lago Viriato (que abastece de água a Covilhã).





A Sul do lago, numa pequena mata, alguns pinheiros, raquíticos e retorcidos, crescem não na vertical mas rente ao chão. Parecem, em versão modesta, os pinheiros que vi na California e no Nevada nos EUA, alguns com 5 mil anos, e que são os mais velhos seres vivos na Terra. Quer dizer, quando andavam no Egipto a construir as pirâmides de Gizé estes pinheiros eram já umas jovens árvores.


Fui à procura do pinheiros milenários que vi na California e encontrei esta fotografia na net, perto do Death Valley, onde os vi. Têm, aliás, um nome científico adequado; o Pinus longaeva

Conheço bem estes ingredientes: o granito, a água que parece também granito, o nevoeiro empurrado por uma ventania dos infernos e o frio.


Do lado de lá do nevoeiro abre-se um vale magnífico que desci há dois anos, na Primavera de 2014.

(Abril 2014)

Mas, voltando ao presente, a hoje, Sábado frio. Perto do lago, para Este, as Penhas da Saúde.


E, ao contrário das pedaladas que terminariam com uma descida a tremer os dentes pela serra abaixo, a caminhada levou-me ao quentinho do carro. Bem vistas as coisas, teria preferido ter terminado da primeira maneira.

No dia seguinte, hoje, Domingo, passei novamente de carro no mesmo local. Aquele céu de chumbo da véspera não enganava, durante a noite abatera-se uma tempestade de neve


O maciço central da Estrela, sob o nevoeiro, estava vedado aos carros. Já uma vez na Lousã, num dia de neve, os carros foram impedidos de subir e eu, de bike, fui passando pela confusão dos carros, com licença, oh faxavor, é só desviar aí o veículo que eu vou para cima. Eu segui, pedalando peladora acima, e os passageiros dos veículos ficaram para trás a atirar bolinhas de neve uns aos outros. Não foi hoje o caso, caraças!


A descida fez-se pelo Vale Glaciar do rio Zêzere, em direcção a Manteigas, com paragem no Covão da Ametade na base do Cântaro Magro. É aqui que nasce o rio Zêzere.
Há muitos anos, acampei aqui com o meu amigo M. Os dois sozinhos no coração da Estrela. Estar ali à noite a olhar o céu faz-nos perceber algumas coisas elementares (mas isto é outra conversa).  Na altura, andar pela serra era uma coisa para pastores ou para tolos.




O Cântaro Magro à direita e o Raso (onde fica a Torre)  à esquerda



Já por aqui pedalei, com Sol Sol e com neve. Como desta vez, há uns anos:


Tenho que postar aqui a memória destas pedaladas. Um dia destes.

14 comentários:

  1. Que lugares tão bonitos! É tão bom passear em lugares assim. Nunca faço passeios a pé dessa extensão, não conhecemos nada tão bem a ponto de nos arriscarmos por lugares em que, piorando o tempo, há o risco de isolamento.

    Lendo o seu texto, o céu cinzento que faz adivinhar a neve, e o frio cortante, lembrei-me da parte do livro 'Butcher's Crossing' do John Williams (que, se ainda não leu, lho recomendo) na qual ele conta o período que passaram isolados pela neve.

    As fotografias que aqui colocou dão muita vontade de lá ir, sentir ao vivo, o prazer de andar por aqueles caminhos, ver aquelas árvores, sentir a névoa na pele, estar perto do lago.

    Lêem-se as suas palavras e vêem-se as fotografias e quase se adivinha o que sentiu, estando lá.

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  2. Obrigado pela sugestão.

    Já agora, caso não conheça, veja o site do design hotel nas Penhas Douradas. Pode ser a base para umas caminhadas:
    http://www.casadaspenhasdouradas.pt/casa_das_penhas_douradas.aspx?l=pt

    Nunca lá estive hospedado mas, quando abriu, ao passarmos perto, fomos lá tomar café e o dono foi muito simpático e mostrou-nos as instalações. O mínimo que se pode dizer é que é tentador. E está num sítio belíssimo.

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  3. Dá uma vontade de estar nessa neve!!
    Nunca vi a serra com o seu famoso manto branco :(
    Não fossem estas fotos e não fazia ideia.

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  4. Olá João,

    Durante anos e anos, sempre que ouvia o Brothers in Arms, recordava-me de uma descida pelo Vale Glaciar do Zêzere, em direcção a Manteigas, com paragem na nascente do rio.
    Foi num dia a seguir a um nevão não muito forte, a terra não estava coberta de neve mas apenas salpicada: linda, linda e inesquecível.
    E no carro íamos, devagar, a ouvir essa canção - eu tinha gravado uma cassette a partir do CD e tinha posto 2 ou 3 vezes seguidas a mesma música (fazia isso muitas vezes).
    Agora, quando escuto essa canção, também me lembro da Serra da Lousã:)
    Aquele céu da décima fotografia está um espanto.
    E o pequeno narciso a lutar pela vida está uma ternura.
    Maria

    ps: e fala aqui do Death Valley. Se eu tivesse lido antes, escusava de ter perguntado...

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  5. Que belo passeio, Maria. Com uns farrapinhos de neve a serra fica mais misteriosa. A estrada serpenteia pelo vale glaciar, grandes pedregulhos a servir de protecção nas bermas, o fiozinho de água no vale e as encostas graníticas magníficas. Se num misty day, então, ainda mais misteriosa.

    ... da serra da Lousã que nunca visitou :)


    Já que o referiu, o Death Valley é um sítio especial; olhamos 70 m para cima e vemos uma marca na encosta: nível do mar.
    João

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    1. Nunca visitei a vila da Lousã mas já passei pela serra, não pelo meio da floresta nem pelos estradões, claro.
      Por aí só passei à boleia dos seus vídeos e fotografias :)
      Maria

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  6. Andei à procura nos arquivos das minhas viagens e encontrei a minha passagem pela serra da Lousã.
    Foi em Março/98.
    Fui direita à Pampilhosa, depois Góis, Arganil e Avô (que era o objectivo da viagem).
    No regresso parei em Coja e novamente em Góis. Depois foi sempre a abrir por aquelas snaky roads até CB.
    É possível eu ter visto o castelinho neste percurso?
    Sei que não conheço a Lousã, mas posso tê-la atravessado...

    Recordações:
    -Nevoeiro baixo (tipo algodão) entre Pampilhosa e Góis. Lindo!
    -EN342: com vistas de cortar a respiração (do género "Oh my god, this is so beautiful").
    Não havia onde parar o carro mas deu para ver bem a beleza do Alva.
    Arganil, Coja, Avô, tudo magnífico: estava um dia fantástico, com muito sol e céu azul.
    Em Góis aproveitei para refrescar os pézinhos no Ceira, junto à ponte.
    Foi uma bela de uma volta :)

    João, mas a serra da Lousã que eu vou recordar quando ouvir os Dire Straits não é esta (eu nem sabia o nome da serra).
    Vou recordar é a neblínica, mágica e misteriosa Lousã que um certo biker me deu a conhecer... e, obviamente, vou recordar esse mesmo biker, que tanta paciência tem tido para "gentilmente" responder ao tsunami de comentários com que tem sido bombardeado, apesar de ser uma pessoa com inúmeros afazeres.
    Maria (eternamente grata)



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  7. Maria, eu é que agradeço os comentários e o seu tempo.
    É muito curioso o seu relato. É que a estrada Pamplihosa-Góis é a fronteira que separa a serra da Lousã da do Açor ! Para Oeste o Açor e para Leste a Lousã. Depois, a EN342 (que vem da Lousã) a partir de Góis, com passagem por Arganil, Côja e Avô, serpenteia ao longo do rio Alva (que nasce na Estrela, no Vale do Rossim - um local emblemático na minha vida) nas fraldas Sul do Açor. Tenho por aí um post em que relato pedaladas nessa estrada, desde as Pedras Lavradas na Estrela, passando por Vide, Avô, Arganil e Góis em bike de estrada!
    Mas Maria, nessa viagem I am sorry but you've never been to Lousã mountain. Sorry. But you have to visit it.
    Tenho umas fotos de uma travessia Açor-Lousã, em que cruzo a estrada Pampilhosa-Góis que a Maria fez em 1998 (tese ano eu vivia do outro lado do Atlântico, e do continente America, na ciudad de Santa Maria de los Angeles), e que ainda não tive tempo de aqui postar.
    João

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    1. Pois, se calhar não, eu não tomava nota do nome das serras...
      Em Vide passei quando fui a primeira vez ao Piódão. Tinha ido à Sortelha de manhã e depois resolvi ir ao Piódão pensando que não era longe.
      E não era, se não fossem as snaky roads. Cheguei lá exausta... e depois tive de regressar a conduzir, era a única que tinha carta...
      Mas valeu a pena, vi um Piódão quase deserto, sem confusões.
      Então o João não estava cá na Expo 98.
      Maria

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    2. Pois é, há sítios em que a distância se mede em minutos e não e metros.

      A Expo 98 passou-me ao lado. Vi há poucos meses um documentário na tv sobre a transformação urbanística que a zona sofreu.

      João

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    3. Para o João, que já viajou tanto, não seria nada de especial, mas para mim foi um acontecimento.
      Fui lá 5 vezes, sempre de combóio, naquele horroroso das 05h que pára em todas as estações e chega às 09h, pois o Intercidades só chegava às 12h, já muito tarde para quem regressava no mesmo dia.
      O Oceanário, aqueles pavilhões todos, tanta gente de todo o mundo, o Tejo, a Ponte Vasco da Gama, Lisboa parecia outra. Fiquei lá até mais tarde por 2 vezes para poder assistir a espectáculos no Pavilhão Atlântico.
      Depois combóio dos torresmos da 1 da manhã, chegada a CB às 06h = 24 horas sem dormir.
      Foi muito, muito bom!
      Maria

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  8. A volta no combóio dos torresmos à 1 da manhã? Fantástico. Conte Maria, please. Quase que via duas vezes o nascer do Sol, à ida e à vinda.
    João

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    1. Então é assim:
      Quando eu regressava no Intercidades das 19h perdia "A Peregrinação", um desfile muita louco, que começava precisamente às 19h; perdia o espectáculo das 21h no Pavilhão Atlântico e também os Fireworks das 00h.
      Eram demasiadas perdas...
      Então por 2 vezes vi isso tudo e regressei no combóio da 01h, que parava em todas as estações e apeadeiros do percurso - hora de chegada incerta mas nunca antes das 06h.
      Dos torresmos: expressão da minha aldeia (Lisboa) para classificar os combóios lentos, lentíssimos.
      Como eu nunca ia ao fds (enchentes incríveis), metia 1 dia de férias durante a semana.
      Resultado: nesses 2 dias nem fui à cama, foi duche, mudar de roupa e toca a trabalhar.
      E valeu muuuiiito a pena!
      E há vinte voltas ao sol atrás ainda podia dar-me ao luxo de fazer coisas destas.
      Maria

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  9. "(Vale do Rossim - um local emblemático na minha vida)".
    Porquê João?
    Por causa daquele episódio que um dia me há-de contar (prometeu!) ou há mais alguma coisa?
    Acho que nunca estive lá, mas acho esse nome tão bonito. Conhece a origem do nome?
    Volta e meia aparecem-me aqui anúncios de hotéis nessa zona.
    Bom fds João!
    Maria

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