quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Serra do Açôr neblínica em Agosto

Serra do Açôr
Agosto 2016

A Sexta-feira de meados de Agosto amanheceu com céu branco e neblina a lamber as cumeadas dos montes mais altos do Açôr. Depois do calor abrasador dos últimos dias, este amanhecer era surpreendente. Olhei à volta e joguei o jogo do costume: isto não é nada, daqui a pouco a neblina vai levantar e o Sol vai aparecer. Claro que ao organizar esta ideia no cérebro, simultaneamente a ideia de que a neblina não iria levantar e, pior, aquilo ia dar em chuva, tomava corpo de um modo tão vincado como a primeira. É curioso, pensamos simultaneamente que a coisa vai melhorar, sabendo que não mas, no fundo, escolhemos a que preferimos, sabendo que é uma ilusão. Mas é mesmo assim. O cérebro busca o prazer (em sentido lato). Fazemos isto todos os dias. Optamos racionalmente por uma opção ao mesmo tempo que, lá atrás, uma voz longínqua a que não ligamos nos diz que nos estamos a enganar. No fundo, a decisão racional é a assumpção de que nos estamos a iludir mas não queremos saber disso para nada porque nos interessa a ilusão.


A ideia era subir à crista do S. Pedro do Açôr (que fiz o ano passado, em Setembro, aqui e aqui). Entre o Picoto da Cebola (onde estive há dois dias) e o S. Pedro fica o vale fundo onde nasce e corre o jovem rio Ceira. Cá em cima, de ambos os lados, estamos aos cerca de 1400 m e, lá em baixo, aos cerca de 700 - 800 m.

As pedaladas começaram brancas e neblínicas (a partir da Malhada Chã), sempre na expectativa que a neblina levantasse e as verdes e rugosas encostas do outro lado, do lado do Picoto da Cebola, surgissem à frente dos olhos quase verticais, e que a o planalto granítico da Estrela ao fundo, a fechar o horizonte, completasse o cenário da subida Mas não, foi ao contrário. Quanto mais subia, mais o nevoeiro cerrava. De vez  em quando, pelo vale do Ceira abaixo, havia umas abertas, o nevoeiro puxado pelo vento permitia uns vislumbres do vale. Mas depressa tudo fechava.

Mas foi uma subida belíssima. Silenciosa e fresca. O aroma das ervas secas molhadas era intensíssimo, inebriante, quase que alucinogénico. É um êxtase, sobretudo àquela altitude (o ar fino e húmido compõe o ramalhete) e naquelas condições neblínicas. Há vinhos que lembram este aroma.



No cimo a neblina transformou-se em chuva miudinha puxada a vento. Rapidamente fiquei encharcado. Agosto? Ontem 30 e tal graus? Hoje assim?

Ainda pedalei pela crista uns km com enganos na estrada à mistura e voltas-atrás. À volta tudo branco, as ervas curvadas pelo vento, os óculos embaciados (sem óculos a chuva picava os olhos) e isto parece mas é a serra da Estrela (lá é que tive experiências de dias assim no pico do Verão).

Devagar para não dar por ali um derrapanço e ficar estatelado no chão e, às tantas, ... um cruzamento!


A placa é muito bonita, num estilo grafitado. Estava sobre o Piodão, a 2 ou 3 km.

Um belo pretexto para uma fotografia da bike. Note-se a harmonia e equilíbrio das cores, as curvas sensuais, o trapézio estilizado do quadro, ... (e mais não digo que ainda me diagnosticam uma mania qualquer).



Em dias assim (sob esta luz) a cores transfiguram-se e há contrastes novos que não são existem sob céu limpo e aberto. Nota-se bem nas pedras e, por isso, gosto de olhar as barreiras.



O estradão foi ter a uma estrada asfaltada. Já estava à espera.
A ideia era continuar (tal com fiz o ano passado), cruzando a estrada asfaltada, e continuar  pela crista por terra em direcção Este, para os lados de Fajão, mas ia molhado e com frio. Além disso, com as mãos molhadas não conseguia utilizar o GPS (o écran táctil não respondia). Há por ali um labirinto de estradas e caminhos e o GPS pode ajudar a tomar decisões porque um erro com descida involuntária ao vale pode implicar uma subida violenta em altitude. Decidi descer pelo asfalto em direcção à Córnea e à Covanca. As placas lá estavam, encostadas às giestas, imutáveis. Para este lado assim.



Para o outro lado assim. O que eu gosto destas placas; tortas, ferrugentas, com nomes invulgares, inesperadas, no cimo das serranias ...


Já na descida, parecia que "o tempo estava levantar". Bela expressão esta que se usa na serra (se calhar no mar também).


Tinha que descer até ao fundo do vale, atravessar o rio Ceira e subir do outro lado até à altitude em que me encontrava agora.  A estrada para subir via-a claramente em frente, a serpentear pelo monte acima até uma clareira de luz que se abriu no nevoeiro.


Aqui de novo. É para além, para aquela crista lá em cima que vou.


Que vales estes!






Encravados no fundo dos vales, há vestígios (casas, currais, muros, agricultura...) de outros tempos. Tempos próximos, não muito longínquos: há umas dezenas de anos vivia-se aqui em quase isolamento.




Já perto do Ceira, alguma terras parecem ser ainda cultivadas




Um curral ainda operacional. Imponente, ali naquele topo na base da encosta para o Cebola




Rapidamente cheguei ao Ceira e agora só faltava subir a encosta que tinha visto lá de cima.


A subida é dura, a meio olhei para trás. A crista por onde tinha andado estava ainda sob as nuvens mas claramente o tempo abria. Lá em baixo a Covanca, onde passei depois de ter cruzado o Ceira.



O vale do rio Ceira visto deste lado





Feita a subida da Covanca estava no cruzamento que me levou há dias ao pico da Cebola. Olhei de novo para trás, para a crista por onde andei e para os montes que subi e desci e fica uma sensação de bem-estar.


Aqui não há nada que enganar, as placas apontam sempre para algum lado.




Olhei para a frente. Só me faltava apanhar a crista das eólicas lá em cima (à esquerda) e descer para a barragem de Sta. Luzia. Pelos vistos iria ainda meter-me no nevoeiro outra vez.














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