sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

A subida ao Alto do Pessegueiro é um bela subida

Dezembro


Não há tempo para fazer previsões, delinear estratégias, sequer de ajeitar os glúteos no selim. Logo no início é preciso inclinarmo-nos para a frente, sobre o guiador para evitar que a roda da frente levante, tal a inclinação. Num instante, damos conta que o suor começa a pingar sobre a caruma do caminho. Olhos pregados no chão. Tivesse o chão espelhos e, não tenho muitas dúvidas, rir-nos-íamos com os esgares de esforço que seguramente exibimos. Gravar os desabafos em linguagem tabernácula seria mais fácil. Não sei em que vou a pensar nestas situações. É como se não houvesse partida. Às tantas já estamos bem alto, o vale começa a abrir e vemos as povoações que salpicam o vale. E, então, é uma festa. Como se acordássemos já lá no cimo da serra. Nem sequer vem aquela sensação "o que eu pedalei para aqui chegar". É duro mas pronto, já está.
Quer dizer, está quase. Parei. Uns segundos antes tive um pressentimento, olhei em frente e vi um veado (talvez uma fêmea ou um juvenil, é que não consegui ver grandes chifres) que atravessou o caminho uns 50 m lá à frente. Parei. Pedalei mais uns metros quase até ao sítio por onde ele tinha passado. Senti o cheiro. Provavelmente, o meu cérebro primitivo está mais desenvolvido à custa do meu córtex (de outro modo não andaria pela serra sózinho a inebriar-me com cheiro de veados).
Pareceu-me o momento ideal para comer a banana da Madeira que levava no bolso. Dentada a dentada. Bem saboreada. Nestas situações qualquer coisa, um pedaço de pão rijo, um golo de água, um pedaço de marmelada, uns figos secos ... é saboreado como uma iguaria inigualável.
Parei. Sinto-me privilegiado por estar ali.





Para o outro lado, para o lado de cima. Para o lado mais alto.






Andei por ali às voltas e "ora deixa cá ver". Elementar caro Watson: a água está ainda turva, com terra em suspensão, estavam a beber ainda há momentos atrás e devem ter-me pressentido, um deles muito jovem, acompanhado de mais um ou dois, provavelmente a mãe, sobressaltaram-se, o reboliço ficou marcado pelos cascos na lama.




Dali à floresta ao cimo do vale da ribeira da Fórnea é um pulo. Pedalo para lá pela primeira vez depois de o ter feito dezenas de vezes. Desta vez, muito antes de entrar pelo caminho sombrio, sob a árvores muito altas, senti ainda longe o aroma intenso e ácido dos cedros. Tinham andado a cortar árvores. O cheiro da madeira cortada inundava o planalto na orla da floresta. É um corte planeado e estudado, para preservação da floresta. Pois, tem que ser assim.


O chão fica limpo de arbustos altos.




ou fica como um tapete de caruma muito fina. Visto de cima, de pé,


porque se deitado no chão o tapete transforma-se


Mais à frente, bem dentro da floresta, reparei que alguns dos gigantes também fizeram parte do plano de abate. Espero que saibam o que andam a fazer.


3 comentários:

  1. E eu também parei.
    E sinto-me tão privilegiada por estar aqui.
    Às vezes sinto-me um bocado intrusa ao andar por aqui; outras vezes penso que o João deve gostar de ter leitores, caso contrário teria um diário secreto em vez de um blog.

    Vou tentar digerir tudo o que li, mas os nossos cérebros e os nossos mundos são tão diferentes (há muito mais do que uma ténue linha a separá-los), que não sei se voltarei aqui para tentar dizer qualquer coisa minimamente interessante.
    :) Maria

    PS: vi o Carlos Fiolhais um destes dias na SIC. Soube-me a pouco, foram 5m, talvez, e foi mesmo por acaso - quase não vejo tv.
    Claro que me lembrei de si...
    :) Maria

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    1. Maria,
      eu acho que somos todos diferentes - e ainda bem - mas que todos temos pontos de intersecção ou sobreposição.
      Obrigado pelos comentários e não desista ;)
      João

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    2. Olá João,

      Como já deve ter reparado, não desisti ;)

      Mas voltaria a escrever o que escrevi na primeira parte do segundo parágrafo.
      E continuei porque a sua resposta foi perfeita.
      E só ganhei com isso :)

      Maria




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