segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

O que me corre nas veias

26 de Dezembro de 2016

Estava na hora. Já não era sem tempo. Os telhados de lousa pingavam a geada derretida pelo Sol. Às vezes só meio telhado, a outra metade, ainda à sombra, estava com a camada branca da noite. A camada de geada da noite. À medida que o Sol progredia nos telhados ia empurrando a fronteira sólida-líquida ou branca da geada:negra da pedra (tecnicamente, à medida que a Terra rodava os telhados das casas terrestres iam sendo expostos ao Sol). E eu fiquei ali olhar para aquilo como se fosse a coisa mais interessante do dia.
Bem, mas o Sol já ia alto e estava na hora de me "amontar" em cima da bike e começar a pedalar em direcção aos cumes do Açôr.

Na curva da barragem de Sta. Luzia, quando a albufeira se abre à vista, vou sempre na expectativa do horizonte que dali se avista. O olhar corre sobre o espelho de água da barragem em primeiro plano e, à medida que sobe e se afasta, choca com o planalto central da Estrela. Alguma neve lá por cima ainda se mantinha apesar do Sol. Segui o perímetro da barragem. Às tantas, gerou-se um encantamento, fiquei enfeitiçado, saí da estrada e segui o som intenso da água a correr do riacho que passava por debaixo da ponte. Meti-me pelo vale transversal à linha da barragem, seguindo o riacho que ficava cada vez mais estreito. Sob a ponte era um riozinho mais ou menos calmo que alimenta a barragem de Sta. Luzia mas, para montante, à medida que que ele descia e eu subia a encosta, tornava-se mais furioso, correndo por entre pedras. Fui até onde consegui furar pela vegetação.
Até aqui




E como eu gosto destes sítios. À volta as giestas, a urze, as tojeiras que arranham as pele. No riacho as pedras esculpidas por centenas de anos de invernias, a água furiosa e o som da água que corre (e donde vem o som da água que corre? Eu tenho uma teoria que envolve quebra de ligações por ponte de hidrogénio mas isto fica para outra altura), as plantas dobradas sobre a água e o cheiro intenso, orgânico, a húmus, um húmus aquoso.



(O Henri Moore ficaria invejoso destas formas)



os brilhos e as cores na superfície ...



as sombras. As sombras?



Basta olhar e ver em cada espaço, em cada canto para onde se olha uma grande beleza. No aparente caos de cores, texturas, formas e mais não sei bem o quê, o cérebro percebe (interpreta) um equilíbrio, um balanço, como se estivesse tudo no sítio em que deve estar (o padrão que o cérebro usa resulta provavelmente de centenas de milhares de anos de evolução em que nos habitámos a ver estes padrões e que, de alguma maneira, ficaram inscritos em nós - e isto quer dizer, às tantas, que à nascença trazemos "templates" inscritos nos genes. Oh diabo, esta ideia leva-nos longe. Pronto fica para outra altura). 

Era como se o riacho me entrasse no corpo, me corresse nas veias e saísse, continuando pelo vale abaixo.


Não há muito a fazer depois de se estar num local assim a não ser continuar a pedalar em direcção aos cumes




Não cheguei aos cumes, já não tinha tempo (almoços de Natal planeados dão em ansiedades destas!), andei muito tempo a seguir o riacho mas o que é que isso importa. Cheguei aqui.





4 comentários:

  1. Respostas
    1. Olá GM,
      um riacho vulgar como tantos outros que por aqui há. Enchi lá o cantil da bike. Nos dias de hoje parece estranho beber água dos riachos, não é?
      Boas pedaladas para 2017 :)

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  2. Esta última fotografia é muita parecida com a tal que eu tirei há uns anos e que me fez começar a comentar por aqui...
    Maria

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    1. Foi tirada junto às eólicas que ficam na cumeada por cima da casa do guarda. Esta é a vista para Sul, para Norte da cumeada fica o vale do rio Ceira e Fajão.

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