segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Cogumelo atómico na Lousã

15 de Outubro de 2017
Serra da Lousã


Trinta e tal graus. Um ar que entra pelas narinas, secando-as, tal como os lábios e a boca. A pele também. Não é o calor, é a o ar seco que suga a humidade por onde passa. Já estive no dead valley nos EUA (70 m abaixo do nível do mar, um local seco, tão seco que a água se perde pela pele sem suor, sem formação de gotas de água) mas hoje, aqui na serra da Lousã, pedalar pela serra acima é uma experiência de secar as entranhas. O vento, em múltiplos furacões, sopra sabe-se lá de onde. De súbito, pega-nos de um lado e quase que nos viramos na bike para logo nos empurrar pelas costas. Deve ser uma coisa daquelas dos "bursts" mas em mini-formato. As folhas dos castanheiros estão castanhas e caídas, não por ser Outono (Outono? Qual Outono!) mas porque estão secas. Caíram dissecadas. Tenho fotografias de ontem que hei-de postar. Habituados a rotinas, ao correr  plácido das estações do ano, às coisas normais virem depois de terem ocorrido coisas normais, admiramo-nos com a mudança, melhor, preocupamos-nos, tememos até a mudança. Na economia pelos vistos é assim; o mantra é estabilidade. O planeta não quer saber destas emoções do nosso cérebro. Aliás, devo dizer, que previsibilidade sempre me aborreceu. Sobretudo nas pessoas. Mas nestas coisas do clima olho para isto com os olhos de quem olha para isto. Quer dizer, sou muito analítico, não mando as mãos à cabeça e valha-nos S. Pisco abade. Ao longo da evolução a mudança é a regra, não a excepção. Acho até que no passado estávamos mais em sintonia (para dizer isto desta maneira) com a mudança. Quem nascia nos séculos anteriores (incluindo o sec XX) estava, naturalmente, preparado para mudanças. Hoje, cultiva-se a estabilidade como um valor. Acho natural que procuremos fazer planos, ter estabilidade mas, nesta sociedade business-oriented, atingiu-se uma situação em que princípios da economia contaminaram a nossa vida (estou a falar de aspectos conceptuais como a estabilidade e não da mercearia do dia-a-dia). A dinâmica do clima é encarada como uma excepção. E isto é um problema para o modo como temos que nos organizar em sociedade.
Mas vamos ao que interessa.
Começa a ser premonitório. De cada vez que pedalo serra acima até ao Trevim, sobretudo em dias de clima estranho, além do calor extremo, acontece uma desgraça. No passado, Sábado 26 de Junho, à la una de la tarde, estava no Trevim quando vi nascer o grande incêndio de Pedrogão. Hoje, vi o cogumelo atómico do grande incêndio de Lousã-Poiares-Penacova. Vi-o à nascença, com poucas horas de vida. Vi-o por cima. Um cogumelo atómico.




Depois o fogo devorou o que havia para devorar, daqui até Penacova, passando por Vila Nova de Poiares. A reacção em cadeia, a combustão, tem um início: é preciso vencer a energia de activação para iniciar a cadeia que, depois, se auto-propaga. Para tal, basta um fósforo. Isto aprende-se na Química. E, assim, reduz-se a problemática dos incêndios à equação mais simples. Tudo resulta deste momento inicial. Desta pequena quantidade de energia, desta pequena chama. Como um big bang. É neste momento que nasce a cadeia que se propaga tão mais facilmente quanto mais favoráveis forem as condições atmosféricas (ausência de humidade, vento que injecta oxigénio na reacção). A partir daqui, deste conceito, é que se pode, efectivamente, discutir o assunto. Se se pudesse reverter o tempo, andando para trás, e se inibisse esse momento inicial, a pequena chama (energia) que vence a energia de activação que inicia o processo, nada subsequentemente ocorreria. Os especialistas disto e daquilo que aparecem nos media deveriam dizer isto de forma clara.




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