quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Miguel Torga nas pedras do Açôr

Serra do Açôr
Outubro 2017


Uma pedra entre outras; esta polida e com geometria atípica, ao contrário das (ir)regularidades normais, fractais, das outras. Uma homenagem a Miguel Torga. Numa curva de um estradão de terra batida, no meio de giestas e torgas (sim, sim, torgas), na serra do Açôr, na descida para o Piodão, dei com o letreiro: homenagem a Miguel Torga. Parei, fui espreitar, sem protesto do corpo, e lá estava a pedra. Lembrei-me do "monólito" do filme "2001 Odisseia no Espaço". Um espanto; a pedra, do filme nem vale a pena falar (ainda hoje, e nas situações mais díspares, as imagens surgem como relâmpagos na minha memória, ... open the door HAL ... I´m sorry Dave I´m afraid I can´t do that ...).



Era dia de Epic GPS pelas serranias do Açôr. Caminhos sem sinalização e percurso em autonomia. Oitenta e tal Km, mais de 2500m de altitude acumulada, pr'ái umas 8 horas e tal (disseram-nos). OK. Track GPS carregado no computador da bike, sandes de marmelada nos bolsos da camisola, banana, pasta de frutas em saquinhos, água abundante, e pedaladas para que vos quero.
Partida da Beira que é dita Alta, de Oliveira do Hospital, descida até ao vale fundo do Rio Alva, até Avô (onde me vieram memórias de há muitos anos; que estando por ali campado, tirámos um gajo que esbracejava na água, salvando-o de morrer afogado, que madrugada dentro, vindos de dar mais um concerto, um baile melhor dizendo, dentro da carrinha, semideitados em cima das colunas e dos instrumentos, com um sono de milhares de anos, parámos abruptamente para dormir, foi só tempo de fazer pisca e encostar, acordando estremunhados com o alvorecer do dia ...). Depois, ora depois! Depois foi tudo por ali acima a pedalar até ao Colcurinho (aos 1300 e tal metros de altitude).


À medida que se sobe - e são várias horas - o horizonte vai-se abrindo a toda a volta. A distância é quase um abismo (às vezes, ao olhar ao longe, se não me precavesse, tenho a impressão que me lançaria ou saltaria em frente sem dar por isso, como as aves que por ali planam).
Aqui, nestes cumes, a distância não se mede em comprimento ou largura, em metros ou quilómetros; lança-se o olhar no vento e deixa-se ir, vai-se o olhar espalhando em várias direcções, em várias dimensões de espaço. Vai e volta para ir outra vez.

A 1 km do cume, o maciço central da serra da Estrela a Este.


Para Sul, os gigantes do Açôr aos 1400m (os dois picos do lado esquerdo da eólica) por onde pedalei já este ano, o S. Pedro do Açôr e, por trás, o Picoto da Cebola.


Um pouco ao lado, para Sudoeste, o incêndio da Pampilhosa da serra. Estamos em Outubro e estão mais que 30 °C. Com a secura que por aqui vai, qualquer faísca de um fósforo rapidamente se transforma num monstro. Tinha começado durante a noite, de Sexta para Sábado. Quer-me parecer que por detrás da desgraça, da ruína, da destruição de vidas e ecossistemas, o negócio dos incêndios está a tornar-se uma das principais actividades económicas em algumas regiões do país.


Já o tínhamos tido no horizonte durante a subida



Mas ..., o local da pedra. Bem ao jeito de Torga, parece-me.



Depois foi por ali abaixo, nuvens de pó a levantar à medida que a bike percorria o caminho. Chegados ao Piodão ... oh que caraças, mas o que isto? Uma rebaldaria. Carros e mais carros, centenas de pessoas, no largo da aldeia esplanadas com cadeiras de plástico, cheiro a carne queimadas (não grelhada) almoços no meio da confusão, merdelhices (artesanato? ah ah ah ah!!) à venda por todo o lado, nos becos as pessoas da terra a tentar vender garrafas de água misturadas com cangalhada supostamente típica e tudo devidamente enquadrado pelas casas e becos de xisto cuja beleza, nesta barulheira e confusão, ficava desfocada,... fiquei logo com vontade de desandar dali para fora. Foi o que fiz: caminho em single track pela ribeira até à bela Foz de Égua onde, no rio por baixo da ponte, duas sereias se banhavam tranquilamente, dançando dentro de água, emergindo e compondo o cabelo para logo imergir, estas sim (sereias do Açôr) devidamente enquadradas na paisagem.
Fiquei na ponte a vê-las e esqueci-me de tirar umas fotografias

Ficam umas imagens tiradas da net:

(tirada de: Vortexmag.net)

(tirada de: Ruralea.com)

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