quinta-feira, 17 de outubro de 2019

O ciclista extraordinário foi à floresta ver as árvores no Outono

Serra da Lousã
Outubro 2019

O ciclista extraordinário partiu do cais da vila, navegou sem sobressaltos pelas águas calmas do asfalto até Vale de Nogueira e, depois de dobrado o cabo que dá entrada no vale da ribeira da Fórnea, aguentou com o alteroso caminho de pedras e tojos, mantendo o ritmo e o rumo, para Sul, para cima, Sol nos olhos, vento intenso de estibordo, braços recolhidos, os oscilantes ramos altos dos cedros a lembrarem-lhe que serra adentro, afastando-se da protecção das terras baixas, a navegação seria cada vez mais difícil. E o ciclista extraordinário manteve o rumo. As vagas de vento empurrando-o mas dentes cerrados e lá foi - com ligeiras exposições flanco, ora de um lado ora de outro mas lá foi indo - até avistar a orla da floresta.

O paradoxo. Quando o ciclista extraordinário chegou à floresta das grandes coníferas encontrou uma calmaria, uma floresta silenciosa, seca e murcha. Sem alísios nem trinados. Sem grunhidos nem bramidos. A flat forest.  Este Outubro na serra com a lua em quarto crescente que haveria de vir mais tarde deixava o ciclista extraordinário mergulhado em extraordinária solidão.


(Astor Piazzola com Antonio Agrí - Soledad)

Apenas aqui e ali o ciclista extraordinário encontrou as cores do Outono. Sobretudo quando o Sol surgia por entre as nuvens dando um pouco de cor às folhas das árvores que o reflectiam, brilhando. Foi nessas condições menos murchas que o ciclista extraordinário disparou o telemóvel para captar um rectângulo do que à volta via. Noutros anos o caminho era atapetado de folhas outonais com 16 milhões de cores (ou até um pouco mais).





E o ciclista extraordinário para ali esteve a olhar as árvores.

... have your leaves all turned to brown
will you scatter them around you ...
"C'est la vie"
(Greg Lake)


Esperando que a luz que ia e vinha colorisse um pouco mais aqui e ali.



Dando mais umas pedaladas sem grande ânimo o ciclista extraordinário reparou nas poças de água no leito seco das ribeiras que serviam de bebedouros aos animais da floresta.



O ciclista extraordinário pensou em anos anteriores, anos em que o Outono trazia tapetes de ouriços e castanhas. Aqui e ali alguns mas tímidos.



As virginais castanhas pequenas e sem a exuberância de outros Outonos.


No dia seguinte o ciclista extraordinário voltou à serra. O tempo mudara e as primeiras neblinas assapavam-se sobre os vales. E, às tantas, o ciclista extraordinário teve a sensação de estar no Inverno -  de que gosta, diga-se - mas chateado com a ideia de o Outono ter sido fugaz.


De tal modo distraído com a paisagem brilhante da luz coada pela neblina, o ciclista extraordinário só deu conta do arco-íris quando olhou para trás, para o vale de onde tinha partido.


A memória do dia anterior estava pouco consolidada, a visão global da floresta era difusa, lembrava-se apenas de uns ramos aqui, umas folhas ali ...





2 comentários:

  1. E contudo, o ciclista extraordinário conseguiu fazer omeletes sem ovos, ou seja, apresentar belíssimos rectângulos do que viu, apesar da extraordinária Soledad que sentiu (sempre tão bom ouvi-la!) perante a desoladora floresta.
    Por aqui também não tem havido trinados, não sei por onde andam os pássaros :(

    ... like a song
    out of tune and out of time
    all I needed was a rhyme for you
    "C'est la vie"
    (Greg Lake)

    A natureza brinda-nos com 1001 (ou mais) coisas extraordinárias: uma delas é o arco-íris.
    🌈
    Maria

    ps. se aparecer um ? é um arco-íris :))

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    1. Olá Maria,

      Pois, é o próprio Outono que parece estar out of tune and out of time.
      Ah, apareceu o arco-íris e não um ?
      :)
      João

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