quinta-feira, 30 de julho de 2015

Da Estrela à Lousã pelo vale do rio Alva

Julho 2015

Dia limpo, azul e quente.

O plano:
1. Das Pedras Lavradas a Vide e, depois, apanhar o vale do Rio Alva até ao Rio Ceira em Góis, serpenteando ao longo do rio pelas Vilas e outras terras com pontes: Vide, Alvôco das Várzeas, Ponte das Três entradas, Avô, Vila Cova do Alva, Coja, Arganil, Góis e Lousã;
2. Tirar fotografias nas pontes;
3. Encher os bidões em todas as fontes;
4. Encher os pulmões de ar e a mente das imagens, sons e aromas das serranias e vales e das aves de rapina a planar e da água a correr rápida por entre pedras e outras vezes mais devagar em praias fluviais e tudo o resto de inesperado.


As Pedras Lavradas ("serra da aboaça" com lhe chama o meu pai devido ao vento fortíssimo que varre continuamente este local) são uma espécie de fronteira; daqui para cima está a montanha mais genuína.
Visto deste lado parece trivial


mas, ali do lado, percebe-se o que acima disse. Lá em cima o planalto da Torre aos 2000 m de altitude. Tudo parece gigantescamente pequeno! Basta reparar na pequenez envergonhada das eólicas logo ali à frente.


Para o outro lado, para baixo, o vale por onde farei os primeiros Km.


Durante a descida, o planalto da Torre emoldura a paisagem, imponente, como um cenário ou uma tela.


Apetece parar e ficar ali um tempo a olhar.


E apetece velejar por ali abaixo, quase com o receio de que vai acabar dentro de alguns Km.



Vide, o rio Alva e a primeira ponte



Começava o serpentear pelo vale. Como é bem sabido por quem pedala, nos dias quentes de Sol aberto o principal problema é o calor que irradia do alcatrão. Felizmente, há diversas fontes à beira da estrada ao longo do vale.

Alvôco das Várzeas. O cenário dos primeiros Km, o planalto central da Torre, começa a sair de cena mas, dá ainda um belo enquadramento à povoação.


Ponte das Três Entradas. Poderia ser Ponte das Duas Saídas.


Avô


Acampei em Avô, na ilha do rio, há muitos anos. Na altura, o meu amigo Pedro Veiga salvou um miúdo de afogamento certo. Ainda hoje retenho a memória do Pedro a nadar furiosamente em direcção ao puto que esbracejava e gritava. Não sei quem agitavam mais a água, se ele se o miúdo que salvou.
Anos depois, passei por aqui algumas vezes a altas horas da madrugada, sentado em cima de colunas som que faziam de assento traseiro na carrinha dos Kardos.
Tinha a memória da ponte de pedra,


 e do rio fundo, lá em baixo


O que na altura era uma ilha em ambiente natural é hoje uma praia fluvial


Continuou o sobe e desce a serpentear pelo vale. A Estrela saía definitivamente de cena.


Há pequenas e belas coisas que as juntas de freguesia fazem. Tenho verificado em terras do interior serrano com populações envelhecidas que estes miradouros servem de uma espécie de "cabo da Boa Esperança". Junta-se um pequeno grupo e, pela manhã ou ao entardecer vão "dar a volta" ao miradouro numa caminhada que geralmente envolve 2, 3 ou 4 km. É uma ideia simples que promove um bem-estar extraordinário. É um ponto de referência que impõe um objectivo e não apenas um mero local para ver as vistas.
Parei nalguns.



Nas dezenas de Km já feitos fiquei com a sensação de que passaram por mim não mais do que meia dúzia de carros. Às tantas, na curva da estrada, o horizonte abriu e vislumbrei ao longe o meu destino a serra da Lousã


Coja. Aqui deixei o rio Alva e os vales. Havia que subir um pouco pela serra do Açôr.



Sobe e desce, pedalada após pedalada, suor a escorrer, água das fontes, aromas e sopros de vento ora mais quente, ora mais fresco nas zonas sombreadas, curvas e contra-curvas em estradas estreitas sem carros (como eu gosto), pensamentos que varrem a mente e que por vezes se prolongam por Km, respirar fundo, um prazer imenso de ir ali a pedalar, expectativa para perceber o que vem depois da próxima curva e ora deixa cá ver ainda tenho um pão com marmelada e tenho que ter cuidado com a água e ... chegada a outra vila.
Arganil.


Na descida já para Góis, via-se claramente visto, não o "lume vivo" como diria Camões, mas o pico do St. António da Neve na Serra da Lousã, sob as nuvens.


E ... Góis, onde encontrei o rio Ceira. Exuberante à saída da Vila, onde fazem o encontro de Motards, correndo sob uma ponte modernaça.


E mais tímido à entrada pelo lado de cima, o da serra, correndo sob uma bela ponte de pedra.


onde, vendo com mais detalhe, há uma praia fluvial pejada de centenas de pessoas


Já só faltavam 25 Km para a Lousã. Os primeiros 7 a subir até à Portela de Góis onde, com entusiasmo subi mais um pouco em direcção a Pampilhosa da Serra (o Skyroad Terras de Xisto de Setembro vai passar por aqui) para dar uma última vista de olhos para trás


O Sol ia caindo e a 1 km da Lousã, em Vilarinho,


pensei em apanhar numa fotografia o contraste da torre da Igreja contra o Sol e só nessa altura percebi que andavam por ali uns parapentes


Lousã. Gosto desta casa em ruínas


E gosto da vila com a serra lá atrás


Inicialmente, tinha algumas dúvidas sobre a capacidade de fazer este percurso de 3 algarismos (sobretudo num dia tão quente) mas, como já sabia desde o início, nestas coisas o importante é atingir uma velocidade de cruzeiro e deixarmo-nos ir, pedalando, umas vezes com mais genica do que outras mas sempre a ver a beleza da coisa, if you know what I mean !⇶

14 comentários:

  1. I found it!
    Fizemos um percurso com muitas semelhanças.
    Passei por essa ponte de Vide na minha primeira visita ao Piódão.
    Na minha outra viagem (destino Avô e regresso) fizemos um percurso muito semelhante no regresso, só que o João seguiu para a Lousã e eu virei para a Pampilhosa.
    Quando eu fui ainda não havia praias fluviais, havia zonas de rio óptimas para tomar banho. Muita coisa mudou para melhor desde aí.
    Também fotografei as pontes e os pequenos açudes, onde os havia.
    E os Pelourinhos, e casas e igrejas (só lá entro quando estão vazias e abertas, claro). São locais frescos, dá para descansar um pouco e algumas são belíssimas.
    Mas eu gostei mesmo foi de descer aquela estrada a olhar para o belo do Rio Alva à minha esquerda, li algures que era a estrada mais panorâmica da Beira.
    O Miradouro que mostra aqui talvez seja o pedacito de terra batida onde oarei para tirar fotos a uma ponte de Barril do Alva.
    No regresso, já a caminho da Pampilhosa, as encostas da serra (sei lá eu de qual) estavam escandalosamente perfumadas e completamente cobertas de vegetação roxa e amarela (será que o Vincent andou por ali?).
    Tirei uma fotografia sem sair do carro (impossível sair, era uma daquelas estradas largas e sem curvas...).
    A foto não ficou má, mas a Fotosport não conseguiu revelar os aromas...
    E isto já vai longo, muito longo mesmo :)
    Maria

    ResponderEliminar
  2. Maria,
    de Vide, em vez de voltar para o lado de Avô, pode seguir em sentido contrário, subindo até às Pedras Lavradas e daí (pela estrada que falou há dias no périplo pela Estrela) descer até Unhais da Serra, Tortozendo, Fundão e etc.
    Talvez seja mesmo Barril do Alva (o miradouro). Por pouco, não nos encontrámos lá! Mais volta menos volta ao Sol.
    João

    ResponderEliminar
  3. Já há uns tempos que as voltas acabaram, João, nem o carro nem eu estamos em condições de ir mais longe do que fazer compras à cidade, porque aqui não há nada.
    E tenho a minha mãe comigo (quando eu nasci já ela tinha dado 28 voltas ao
    sol), por conseguinte impossível levá-la, impensável deixá-la sózinha.
    No more discovery drives for me!
    Vou vendo umas coisinhas aqui na net e nos filmes (em casa).
    Também se acabaram as idas a Coimbra para ir ao cinema - por isso é que eu às vezes digo que a vida é sempre a perder...
    But it's ok.
    Got lots of great memories (isto não me soa muito bem, mas fica assim)
    Sorry pelo desabafo.
    Maria

    ResponderEliminar
  4. Olá Maria,

    depois de umas centenas de milhares de anos de evolução à superfície deste "pale blue dot" (Carl Sagan), a nossa espécie adquiriu um cérebro sofisticado, curioso, difícil de alimentar. Um orgão gordo que parece uma gelatina mas de onde emergem propriedades extraordinárias como, por exemplo, a consciência. Um orgão constituído (tal como os outros) por átomos fabricados nas estrelas. We are made of star stuff (Carl Sagan). Uns mais que outros mas o cérebro curioso, insaciável, permite que nos interessemos, de uma maneira ou de outra, pelo que se passa à nossa volta, contornando constrangimentos e problemas que vão surgindo à medida que o tempo passa. Pelo que já vi, o seu cérebro privilegiado fá-lo de uma maneira admirável.
    João

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada por tudo, João.
      Obrigada, mesmo.
      Maria

      Eliminar
    2. Olá João,

      Andei à procura e encontrei o post em que fala dos Kardos.
      É neste, junto às fotografias de Avô.
      Sorry!
      Maria

      Eliminar
    3. Que viagens! Alta madrugada, depois de uma actuação e de arrumar tudo na carrinha, mortos de sono e de cansaço, amontados dentro da carrinha mercedes que gastava mais óleo que gasóleo, velha, velhíssima, por aquelas estradas "sneaky" (!) ... E lembro-me de uma ou duas vezes ter aqui passado (por Avô), talvez vindos de Arganil. Era o outro lado da aparente "glamorous life in the stage".
      Que histórias tenho dessas viagens (que não posso contar aqui) e desse tempo.
      João

      Eliminar
    4. I can imagine...
      "Money for nothin' and chicks for free"
      And I understand, after all this is a blog about bikes...

      Carl Sagan: li um ou dois livros dele, talvez há mil anos, mas não eram meus. E também o via na tv.
      Fiquei com vontade de ler qqer coisa dele.
      Ao googlar "pale blue dot" vi que vai estrear um filme em 2019, com a Natalie Portman.
      É bom saber que afinal também tenho um pedacinho de Star stuff ;)
      Maria


      Eliminar
    5. Em 1990, a voyager (a nave espacial construída por nós) estava a deixar o sistema solar e a cerca de 6 mil milhões de km da Terra, rodou as câmaras para trás e tirou uma fotografia onde a Terra aparece como um pixel na imensidão do espaço. Carl Sagan, ao ver a fotografia, fez o comentário: a pale blue dot.
      Depois acrescentou:
      “Look again at that dot. That's here. That's home. That's us. On it everyone you love, everyone you know, everyone you ever heard of, every human being who ever was, lived out their lives. The aggregate of our joy and suffering, thousands of confident religions, ideologies, and economic doctrines, every hunter and forager, every hero and coward, every creator and destroyer of civilization, every king and peasant, every young couple in love, every mother and father, hopeful child, inventor and explorer, every teacher of morals, every corrupt politician, every "superstar," every "supreme leader," every saint and sinner in the history of our species lived there-on a mote of dust suspended in a sunbeam.

      The Earth is a very small stage in a vast cosmic arena. Think of the endless cruelties visited by the inhabitants of one corner of this pixel on the scarcely distinguishable inhabitants of some other corner, how frequent their misunderstandings, how eager they are to kill one another, how fervent their hatreds. Think of the rivers of blood spilled by all those generals and emperors so that, in glory and triumph, they could become the momentary masters of a fraction of a dot.

      Our posturings, our imagined self-importance, the delusion that we have some privileged position in the Universe, are challenged by this point of pale light. Our planet is a lonely speck in the great enveloping cosmic dark. In our obscurity, in all this vastness, there is no hint that help will come from elsewhere to save us from ourselves.

      The Earth is the only world known so far to harbor life. There is nowhere else, at least in the near future, to which our species could migrate. Visit, yes. Settle, not yet. Like it or not, for the moment the Earth is where we make our stand.

      It has been said that astronomy is a humbling and character-building experience. There is perhaps no better demonstration of the folly of human conceits than this distant image of our tiny world. To me, it underscores our responsibility to deal more kindly with one another, and to preserve and cherish the pale blue dot, the only home we've ever known.”

      Eliminar
    6. “We are star stuff which has taken its destiny into its own hands.”
      (Carl Sagan)

      Eliminar
    7. Que texto maravilhoso, João!
      E tão verdadeiro, tão cheio de sabedoria.
      Todos os momentary masters of a fraction of this pale blue dot deviam ser obrigados a lê-lo everyday before breakfast, before start taking their usually shitty decisions.
      Eu já tinha visto essa fotografia da voyager aqui no seu blog :)
      Este texto do Carl Sagan está em que livro?
      Please let me know.
      É muito bom conversar (virtualmente) com uma pessoa como o João, but I guess you already know that...
      Nem vou agradecer, vou apenas desejar-lhe um excelente dia.
      Maria

      Eliminar
  5. Olá João,

    Esqueça a pergunta sobre o livro onde está este texto - how silly of me!

    "A nave espacial que nós construímos"
    Nós JPL/CalTech?
    Then you were there...e não como turista...
    Foi por isso que se comoveu quando entrou no gabinete do Richard Feynmam.
    Did you met Carl Sagan, Ray Bradbury and the other "guys"?
    I may be crazy (like K.M.), mas o João dá-me pistas e eu ponho-me a pensar...
    Não quero ser indiscreta ou inconveniente (de modo nenhum).
    Se puder e quiser, pode apagar este comentário e fazer de conta que eu não perguntei nada.
    Maria

    It's freezing cold, tenho as mãos geladas, mal consigo teclar.
    Vou fazer um chá:)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Maria,
      Morei ao lado do Caltech e um dia tentei visitar o JPL. Não trabalhei lá nem conheci o Sagan. Já tive a felicidade e a sorte de ter conhecido pessoas excepcionais (realmente excepcionais) e conhecer o Sagan teria sido um privilégio. Vi o "Cosmos" na tv e era um fascínio. Mal pude, mais tarde, comprei a série em cassetes VHF.
      Quando digo "nós" quero referir-me à humanidade. Nós que vivemos aqui neste pale blue dot. Quando visitei o gabinete do Feynman já conhecia (dos livros dele) muitas histórias do Caltech e de Pasadena e, além disso, gosto muito de física, embora não seja físico nem trabalhe em física. Em cima disto, o Feynman era um tipo muito interessante com quem aprendi muito, to say the least.
      João

      Eliminar
  6. Olá João,

    Eu também via o Cosmos na tv e acho que foi esse o livro que li, já foi há tantos anos, num sítio onde costumava roer laranjas na falésia...
    Não consigo deixar de pensar no Pale Blue Dot.
    Como foi possível eu ter chegado a esta provecta idade e nunca ter lido esse fantástico texto?
    (E como vou poder agradecer-lhe o ter-mo mostrado agora?)
    Depois de o ler aqui, fui à abençoada net e ouvi-o lido por ele.
    Que maravilha!
    É que a maioria das pessoas não tem mesmo noção do quão insignificantes somos.
    Está tudo lá, ele fala em tudo o que é realmente importante.
    E nós aqui preocupados com as revistinhas rosa e os futebóis e outras patetices.

    Pois é, eu aqui a imaginá-lo a construir naves espaciais... e afinal enganei-me outra vez.
    :-)
    Maria

    ResponderEliminar