segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Previsível?

Serra da Lousã
(31 de Janeiro de 2016)

Janeiro acaba-se. Ontem, pedalei pelos lados da floresta do Terreiro das Bruxas e estava frio. Hoje, passei no mesmo caminho e estava ameno.

Passo aqui, onde passei ontem e no outro dia e no outro, e olho à volta como se fosse a primeira vez. Passo aqui como se a última vez tivesse sido há 1000 anos.


Em pano de fundo, por trás da beleza macroscópica (macroscópica? donde é que me saiu isto?) de uma árvore, vejo que cada árvore é um ecossistema; é a arvore, e os líquenes, e os fungos, e os insectos, e por aí fora. E há beleza no entendimento das interacções e dos mecanismos moleculares e celulares entre as várias formas de vida? Há pois. Talvez haja é pouca gente a dar por isso, como dizia o Outro a propósito do Binómio de Newton.
Há tempos, num blog (Um jeito manso, um belíssimo blog) troquei umas mensagens sobre beleza objectiva. E, nestas coisas, lembro-me sempre de Richard Feynman (prémio Nobel da Física no século passado por ter juntado numa única teoria o electromagnetismo com as forças nucleares - foi uma grande emoção quando, há uns anos, visitei o gabinete onde ele tinha trabalhado no "Caltech" em Pasadena, California, EUA) que dizia que uma flor é bela, olha-se e é bela. Mas há também beleza em saber que os compostos químicos aromáticos da flor dispersam-se e diluem-se na atmosfera e que, eventualmente, alguns, na base de uma relação estrutural complementar, interagem com receptores no nosso nariz, o que gera uma despolarização das membranas das células que conduzem este sinal ao cérebro que, por sua vez,  ... ou que a luz impressiona uns cones na retina e que ... este sinal ao cérebro, que por sua vez ... gera o padrão que entendemos como beleza. O mesmo cérebro entende o mecanismo que gera o padrão de beleza, da flor e do mecanismo.
Bem, isto daria pano para mangas.
Dizia que voltei hoje ao local onde pedalei ontem.



Vou à procura do imprevisível e quase sempre me surpreendo. É previsível. Mas, pensando bem, é preciso algum jeito na busca do imprevisível.
O nosso cérebro, por via dos impulsos que chegam dos sentidos, elabora uma representação do mundo. Um padrão. Por isso não precisamos de ver tudo para reconhecer alguém, um lugar, uma coisa, um texto etc. O truque é furar o esquema ao cérebro e perturbar os padrões que lá estão inscritos, arrumadinhos. Quer dizer, é o cérebro a furar o esquema a si próprio; isto é estranho mas estou convencido de que há mecanismos para tal. Agora que penso nisto, acho que sempre fiz este truque.





Da floresta, as pedaladas levaram-me para o planalto do Espinheiro, para a serrania agreste. Nevoeiro intenso, pedras de xisto aguçadas, tojos e mato rasteiro, sem Norte nem Sul, tudo translúcido, sem contrastes nem cores.


E como os contrastes são das coisas mais previsíveis, acabo com o Boss e as Streets of Philadelphia.






4 comentários:

  1. Gosto muito de ler sobre os passeios (não sei se devo dizer 'passeios' ou 'provas'), sobre a forma como encontra sempre elementos novos que o maravilham e, como, de caminho deixa umas dicas que nos deixam a pensar. Muito bom. Assim como as fotografias nos deixam entrever esses lugares por onde anda. É engraçado que lhe tirem fotografias também a si pois assim a narrativa fica mais humanizada porque vemos a pessoa que escreve a descrever o que vê.

    Ah, e obrigada pela simpática referência.

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    1. São passeios - uma coisa do tipo "ir dar uma volta" - que obedecem a planos tão rigorosos como a invasão do Iraque pelo George W. Bush: vou para aqueles lados e, depois, logo se vê, pedalo por onde me der na gana.
      As fotografias são todas tiradas por mim com o meu telemóvel; é que, as voltas que aqui registo são em solitário. Aquelas onde apareço são "selfies" (salvo raríssimas exceções como a última no post, junto ao marco geodésico - tinha combinado um encontro ali). Este blog começou, sobretudo, como um registo da memória das pedaladas. Entretanto, foram-lhe sendo adicionados outros caminhos (não resisti a falar do governo anterior na altura das eleições, por exemplo) mas o objectivo inicial mantém-se. E, às tantas, percebi que as "selfies" sedimentavam a memória, tornavam tudo mais real (na minha memória). Muitas vezes, quando via as fotografias, duvidada que tivesse andado por ali; o meu vulto na fotografia tornava a memória credível. Depois, isto tornou-se um jogo interessante; apanhar aquela perspectiva, aquele ângulo, ter 20 s para fazer aquele registo ...

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    1. Aquela zona da serra (floresta acima do Terreiro das Bruxas) é fantástica. Como tem muitas árvores de folha caduca, vai-se transformando com as estações do ano. E é também um local apreciado pelos veados. No dia anterior (Sábado) tive um encontro imediato do terceiro grau com 5 ou 6 machos ainda jovens que se atravessaram no caminho à minha frente (pertíssimo, a cerca de 20 m) em corrida. Não há é tempo para tirar fotografias porque é tudo muito rápido. E dali, daquela floresta, sai um belo caminho que serpenteia a meia encosta até à aldeia do Gondramaz (que já conheces, não é?).

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