(Junho 2014)
Já era bem dentro do Verão mas na Estrela nunca se
sabe; no sobe à serra e desce ao vale o tempo pode mudar repentinamente. Não
foi o caso, felizmente aquele fim-de-semana esteve magnífico.
Tinha-me inscrito na meia-maratona de Manteigas.
Aquilo (a maratona de 90 Km) era uma prova oficial a contar para a taça de
Portugal de maratonas BTT mas aberta a todos quantos quisessem participar. De
tal modo que a organização, para além da maratona, organizou também a
meia-maratona (à volta de 45 ou 50 Km) com partida comum. Os atletas que
corriam para a taça iam à maratona, os craques amadores muito, mas mesmo muito
bons também, enquanto que os outros, os craques amadores menos bons e os “craques
de fim-de-semana” iam à meia. Eu, que já não tenho espaço em casa para as
medalhas, fui à meia. Fui pelo passeio. Conheço bem a serra na zona de
Manteigas, os rios Zêzere e Mondego ainda jovens, as florestas, os recantos, o granito
imenso… Andei por lá a caminhar e a acampar há muitos anos, (teria uns 15-17
anos) eu e uns outros malucos. Naquela altura quem ia para a serra ou era
pastor ou era um tipo esquisito ou, mais raro ainda, era astrónomo (um dia
encontrei um astrónomo Português no Vale do Rossim que montava o telescópio à
porta da roulote que lhe servia de casa - foi ele que me dissuadiu de ser
astrónomo, ou melhor, podia ser mas fora do País, de outro modo morreria de
fome; ele trabalhava na Suiça).
Pedalar por aqueles lados era um apelo irresistível. Estava na
expectativa das memórias que iriam ser acordadas de um longo sono. As
paisagens que calcorreei há várias décadas atrás consigo ir buscá-las à
memória, até porque passo por lá com frequência (embora apenas por estradas em que passa um carro). Mas o que é
interessante é que, à partida, sei que teria algumas memórias adormecidas de
locais mais remotos, sem delas ter consciência mas que, seguramente, iriam ser
despertadas durante as pedaladas por aqueles montes e vales. É paradoxal mas é assim. Podia ser uma
pedra, um riacho, a luz no horizonte, qualquer coisa. A maratona dava jeito
para percorrer aquela zona pela definição dos percursos cicláveis e também pelo
companheirismo.
Na partida, o espaço à minha frente; muitos, a meta estava lá ao fundo.
Foi uma bela (e dura) volta. Começámos a subir o vale glaciar do Zêzere e, logo depois, cortámos para os lados do poço do Inferno. Depois descemos para Norte, atravessámos o Zêzere perto de Valhelhas e subimos, subimos, até à mata do Fragusto. Os da maratona continuaram ainda para Norte, para os lados da Sra. da Assedasse (onde o Mondego é jovem e onde acampei várias vezes em condições extremamente rudimentares - que pena não ir para lá), os da meia voltámos a Manteigas.
Na zona da belíssima mata do Fragusto
A uns 15 Km da meta
E agora a história das pedaladas com o campeão. O Tiago Ferreira
consegui na semana passada o título de campeão do mundo de maratonas de BTT em França. Um
feito extraordinário. Em 2014, o Tiago Ferreira venceu a maratona de Manteigas.
Bem, entrei em Manteigas bastante cansado, tinha-se-me acabado a comida e
vinha em desfalecimento. Também não contava com os últimos 10 Km a subir. Devia
ir mais ou menos a meio do pelotão. Metade dos da meia-mararona já deviam ter
chegado. Entrei na Vila sózinho e a meta estava ao cimo de uma calçada com uma
inclinação razoável. Aquelas calçadas antigas feitas com paralelepípedos de granito.
Aquilo era tudo muito profissional, com vedações e publicidade e o
público ruidoso encostado às vedações e som e
mais não sei o quê. Às tantas, a uns 100 m da meta, quando entro no empedrado a
subir, o público começa a bater palmas. Eh pá porreiro, obrigado, devo ir em
grande estilo. Logo depois ouço: força Tiago. As palmas eram para um tipo que
me apareceu por trás e que vinha numa bolina; o Tiago Ferreira que era o
primeiro da maratona. Aquele tipo tinha feito a maratona de 90 km enquanto eu
tinha feito a meia (mais ou menos metade da distância). Passou por mim num
instante, pedalámos lado a lado durante um segundo. Ele chegou à meta,
desmontou e ficou por ali, enquanto eu chegava.
Cá está ele de costas e eu a chegar.
Que pedalada aquele tipo tem.
Em todo o caso eu tenho atenuantes. Provavelmente ele não parou nos
abastecimentos e, sobretudo, não parou para ver a paisagem, e muito menos para
tirar fotografias !!!
Lá ao fundo, sob as nuvens, o planalto central da Estrela
Parabéns ao Tiago Ferreira.
Como sempre, a notícia foi dada como uma
nota de rodadapé ou nem sequer apareceu. O canal público tinha a estrita
obrigação de divulgar este feito desportivo. Por exemplo, em vez de vermos 1
milhão de vezes por dia o anúncio do Ronaldo a tocar à campaínha de uma casa e,
com um ar de quem sabe o que está para lá do Big Bang, colocar uma braçadeira
no braço da senhora com ar choroso de emoção, poderíamos ver apenas 900 e tal mil
e passava a notícia do Tiago Ferreira campeão do mundo.
Ahhhh mas tu és muito mais jeitoso!
ResponderEliminarQue quem? Que o Ronaldo?
EliminarQue o Ronaldo são quase todos, que ele é muito bom jogador mas credo!
EliminarCompletamente de acordo com o seu último parágrafo, João, e também com a Uva Passa ;)
ResponderEliminarMaria
Aqui há anos o Rui Costa foi campeão do Mundo de ciclismo. Não me prendo muito com estas coisas mas vendo o presidente a condecorar jogadores de futebol a torto e direito e o Rui Costa ser chamado lá ao palácio após reclamação da federação de ciclismo, ou coisa assim, percebe-se o que afinal é isso do "desporto".
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