segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Silêncio extraordinário

Dia 25 de Dezembro
(Barragem de Sta. Luzia – Serra do Açôr)


Silêncio. Às vezes, em locais muito silenciosos, faço um jogo: tento perceber se consigo ouvir alguns sons, destrinçando-os depois como se desfizesse um novelo. Quando, aparentemente, há silêncio consigo ouvir um cão que ladra lá muito longe, um apito de alguma coisa que se perde na distância, quase impercepível, a minha respiração, um bater de asas de um pássaro, uma folha que cai na floresta, sim, em silêncio ouve-se uma folha a cair, o vento que sopra sabe-se lá onde, o ronco dos motores de um avião que passa a 10.000 m de altitude, um piar, um gemido um resfolhar, uma vertigem que fica suspensa na dúvida (ouvi? não ouvi? era alguma coisa? foi impressão?). Para não falar de ruídos urbanos. Em ambiente urbano o novelo de sons (em local silencioso) é muito mais complexo. É impressionante o número e diversidade de sons que se consegue identificar.
Mas estes são silêncios vulgares. Hoje, junto à barragem, sob nevoeiro, o silêncio não era vulgar; era um silêncio extraordinário. Silêncio. Nenhum som me entrava pelos ouvidos, ouvia apenas um som gerado internamente, no cérebro.
Nenhum som e apenas uma luz difusa, deixando o cérebro a preencher os espaços em branco.




Caminhar por ali gerava um ruído quase ensurdecedor.



Ontem, 24, foram as cumeadas acima dos mil metros (a ver se aqui ponho um videozinho que fiz). Hoje, 25, tinha ali chegado à margem da barragem por entre as únicas árvores que, em toda a região, escaparam ao fogo de Outubro. Dormi pouco, a noite tinha sido de comida, bebida, conversa, fogueira na rua, mas o apelo da manhã chuvosa e a previsão do que me esperaria junto ao plano de água da barragem foi incontornável. Acordei na cama quente, a ouvir a chuva a cair no telhado e a correr em bica pelos beirais, caindo na calçada. Nisto e a imaginar-me já a pedalar por entre o nevoeiro, sob a morrinha, nas margens da barragem. Os cheiros intensos do mato e da terra molhados. A luz difusa sobre a água, simulando um abismo.



Pelo caminho, aqui e ali, o chão pejado de medronhos.




Enchi a barriga. O que eu gosto disto. Fiquei preparadíssimo para o capão que ajudei a meter no forno, pela manhã, antes de sair.





Na volta, ao passar no açude, o nevoeiro tinha levantado. O vento que se pusera tinha limpo as vistas até lá longe onde se ergue o maciço central da serra da Estrela.


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