Cá de baixo, do ambiente ameno da Vila, a visão do cume da serra era enigmática. Nem sim nem sopas. Tanto podia estar uma tempestade dos infernos como um nevoeiro fofo e macio, uns salpicos de neve ou um nevão como deve, daqueles com os ramos dos abetos curvados sob o peso da neve, os caminhos brancos e frios. Portanto, o plano era óbvio: eh pá, pedalas até lá acima e depois logo vês como estão as cenas.
Iniciei as pedaladas.
Fui a direito. Nada de curvas para suavizar a subida. A direito e em força. Pelos caminhos. Em meia dúzia de quilómetros passa-se dos 200 para os 900m de altitude. Nem são as pernas que mais doem, mas os músculos na zona dos glúteos e dos rins. Na subidas íngremes pedala-se com tudo o que se tem e, para os menos iniciados nestas coisas da pedalagem, os glúteos são fundamentais. Não se faz uma subida sem uns belos de uns glúteos. Os caminhos de terra pesados devido à chuva que tem caído e o tapete de caruma dos pinheiros estimulavam umas imprecações tabernáculas. Subi pelo lado Oeste, pela encosta do anfiteatro que se abre no sopé do Trevim, para ter a visão do cume o mais rapidamente possível. Às tantas, num relance, por entre a parede cerrada das árvores que ladeavam o caminho, vi manchas brancas lá em cima, junto às antenas (estas camufladas pelo nevoeiro). Havia neve. Estava feito o avistamento. Agora tinha um objectivo ... e uma dúvida. Vou meter-me além, na nuvem que cobre o cume, o Trevim? Como se pudesse haver duas respostas possíveis a esta pergunta.
E, na curva do caminho, vi claramente visto o cume esbranquiçado.
Para lá chegar há que subir aqui pela esquerda, para Norte, afastando-nos em em ângulo recto até à cumeada que, então, progredindo para Este, nos leva ao Trevim.
Na cumeada os horizontes abrem-se sobre a Beira Alta, a Norte,
e, a Este, sobre o esqueleto dorsal montanhoso que atravessa o País ao centro; a serra da Estrela, a do Açôr e a da Lousã (onde estou). Ao centro, na linha do horizonte, o cone imponente é o picoto da Cebola (onde estive em Agosto passado), o cume do Açôr e, por trás, em jeito de cenário, o que parece ser uma nuvem branca brilhante por baixo de um traço de nuvens negras é o planalto da Estrela coberto de neve. Um fenómeno curioso porque está sob Sol intenso (daí o brilho branco)
O vento era fortíssimo. Quando me soprava de lado obrigava-me a fazer uns Ss com a bike. Deve ter caído um belo nevão durante a noite. Aos 1000 m de altitude o solo entre as árvores tinha uma bela camada mas o estradão e os caminhos expostos ao Sol que por vezes abria estavam já um lamaçal.
Estava na última parte da subida. Em vez de fazer o estradão que me levaria a direito até às antenas, cortei à esquerda para me meter na floresta. Não pedalei até aqui para encher a bike de lama e estragar material. Pedalar na neve não iria ser pêra doce mas deve ter por ali passado um jipe cujos rodados me facilitaram as pedaladas.
Quase lá, nas antenas, no Trevim, aos 1200 m de altitude, no cume da serra da Lousã. O vento estava endiabrado. Curiosamente parecia haver ali menos neve que um pouco mais abaixo, em locais mais abrigados. Sabendo isso, estava na expectativa de, uma vez começada a descida pelo outro lado, pela estrada asfaltada, passar pelo bosque de Bétulas. Deveria estar belíssimo; os troncos brancos com riscos castanhos e pretos como os tigres contra o chão branco de neve ...
No Trevim, estava um carro e um par de namorados (most likely). Ela tirava fotografias, ele atirava-lhe bolas de neve. Riam. Ele acenou-me, com a mão fechada e um dos dedos erectos (um OK, OK?). Meteram conversa. Tiraram-me uma fotografia.
Na descida, feita devagar porque o vento era tal que quase me atirava pela encosta abaixo, os ramos mais exteriores e frágeis dos cedros que cobrem o lado Sul oscilavam tombados na mesma direcção, como que uma cabeleira soprada pelo vento. Parei junto ao bosque de Bétulas. Que beleza. Tirei as luvas e puxei pelo telemóvel. Não tinha bateria.
À noite, em casa, dei com a Lua a espreitar por entre as nuvens sobre a serra. Quase Lua cheia, chuvisca, lá em cima deve ser neve. Um friozinho varreu-me os neurónios. Que vontade de me por a pedalar serra acima. Talvez, com sorte, desse com a luz da Lua reflectida nos montes cobertos de neve. Porque é que não faço isso? Há razões que, aparentemente, são óbvias (noite, temporal e sabe-se lá mais o quê, sózinho ...) mas nenhuma me parece muito relevante.
Foi o primeiro nevão deste ano na serra da Lousã. Um nevãozinho se comparado com o grande nevão de há um ano atrás.
Uau! Nunca pedalei na neve, um dia hei-de fazê-lo, o frio é que deve ser demais :)
ResponderEliminarPedalar na neve com pneus "normais" (eu tenho os Crossmark II da Maxxis) é muito difícil. Quase que não se consegue. A neve, caso esteja mole, agarra-se como cola ao cardado do pneu, impedindo a tracção. Consegue pedalar-se por regos de neve pisada (mais lama que outra coisa), como eu fiz no caminho ali na fotografia em cima.
EliminarNos países onde há neve com fartura os BTTistas com experiência na neve (não é o meu caos, obviamente) usam "fat bikes"uma "fat bike". Dá uma vista de olhos neste blog, entre as diversas fotografias belíssimas está lá uma em "fat bike":
http://grizzlyadam.net/2017/01/2016-in-photos.html
O frio é o frio. A selecção do equipamento é importante (evitar suar muito na subida) mas o que me parece mais importante é evitar meter os pés na neve. É que se molhados pela neve nunca mais sentimos os dedos dos pés.
Que fotos maravilhosas essas desse blog. Acredito que seja difícil pedalar, conheço as fat bikes embora nunca tenha experimentado, também são usadas na areia. Talvez um dia ainda faça essa experiência :)
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