terça-feira, 18 de dezembro de 2018

O monólito ou o topo da carreira do ciclista extraordinário

Dezembro 2018


- Hello, HAL. Do you read me, HAL?
- Affirmative, Dave. I read you.
- Open the Pod bay doors Hal.
- I'm sorry Dave, I'm afraid I can't do that.
- Open the doors Hal.
- Dave, this conversation can serve no purpose anymore. Goodby.






Na EN236, a 8 km da Lousã, no cruzamento para a aldeia da Cerdeira ... o monólito.  Cerdeira, home for creativity.



O céu era épico, como convém à narrativa das pedaladas ao monólito ao alvorecer do dia. A odisseia foi iniciada com o mínimo de life supporting systems; um cantil com água da torneira, uma banana e um pedaço de marmelada embrulhado em papel de alumínio. No espaço de uns segundos, uns 2001 segundos, a marmelada já tinha marchado.

Aproximava-me a alta velocidade do lugar com as coordenadas do monólito.




Quase, mais um pouco.




Quase, um pouco mais de azul e é além 


Estava a chegar quando eles começaram a passar. Primeiro dois, depois outro e mais dois. Esguios, pernas musculadas, alto equipamento, bikes de estrada topo de gama. Nas jerseys tinham escrito GBT (ou GBR, não sei bem). Depois um mais lento. Acompanhei-o e Hi man are you? So, enjoying the mountain? ... eram a selecção Britânica de ciclismo de pista, estavam num campeonato de perseguição em pista no Velódromo de Sangalhos e tinham vindo treinar à serra da Lousã. O treino consistia em períodos de 1 min a toda a velocidade intervalados por períodos de 3 minutos de descanso. Apanhei o último num período de descanso. Tipo simpático que gostava de pedalar na montanha, embora fosse profissional de estrada e de pista. OK, time to go, nice to talk to you, my name is Oliver Wood. Likewise, my name is João, bye. O Oliver arrancou para o minuto a todo o gás. Tentei ir atrás dele. Num ápice passei dos 12 Km/hora para os 28 km/hora and counting. Parece nada mas é como ir na autoestrada a 100 e de repente passa um maluco a 260km/h. O carro de apoio da equipa britânica vinha atrás a puxar por mim. Quando o tendão de Aquiles do pé direito começou a doer, o joelho esquerdo a estalar, o coração na boca, tentando sorver ar, os gémeos da perna direita a gemer ... achei que era melhor abrandar. Uma eternidade. Fui atrás dele pr'aí uns 30 segundos. Tinha pedalado com uns gajos simpáticos e profissionais da selecção Britânica mas, sobretudo, ao lado do Oliver (em casa fui à net: Oliver Woods, várias vezes campeão de pista e membro da equipa do Bradley Wiggins, este vencedor do Tour de France e recordista da hora !). O ciclista extraordinário acabara de atingir o topo da carreira.

Seguiram e, logo depois, cheguei às coordenadas do monólito. Aproximei-me, passei a mão na aresta, lentamente, não me lembrei do meu nascimento, não vi qualquer luz especial nem se me abriram escancarados todos os segredos do Universo. Recuei, peguei na bike e vim-me embora. Às tantas, o monólito estava off.
Já em cima da bike, ouvi uma voz: just what do you think you're are doing, João, quer dizer, Dave? Olhei para trás; tinha sido uma ilusão. Estava tudo na mesma.



10 comentários:

  1. - John, why did you put your glove on the Cerdeira monolith?
    - I dunno, Hal. Just because...
    - Because what, John?
    - Because the sky is blue.
    - Ah come on, John, don't tell me it makes you cry...
    - No, Hal, it makes me happy climbing up the mountains.
    - O.K. John, vai mas é pôr o início do filme e não te esqueças da luva.
    End!
    Maria (Zaratustra)

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    1. Also sprach Maria (para fazer de conta que sei Alemão)

      "The sky (and planet Earth) is blue and there's nothing I can do."

      P.S. Não me esqueci, trouxe-a.

      João

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    2. Can your hear me, Major Tom?

      Eu ainda me lembro de umas coisitas de Alemão, já que era suposto ter tirado Germânicas (tinha entrada garantida sem exame), mas entretanto rumei a sul e fiquei por lá a ver os navios acenderem-se no mar como luzeiros.
      Maria

      O Oliver Wood é um miúdo muita giro :)

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  2. Bom Solstício, João!
    A partir de amanhã os dias começam a crescer, devagarinho, mas a crescer...
    :-) Maria

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    1. Obrigado Maria.
      Bom solstício e que não se apaguem os luzeiros, quaisquer que eles sejam.
      João

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    2. Ora bolas, enganei-me, os navios acendiam-se era como desejos...
      E era lindo!
      Da minha varanda, de um sexto andar voltado a sul (de onde se via a luz do farol do Cabo Sardão) era lindo ver as luzes dos petroleiros acenderem ao crepúsculo.
      E quando havia luar o mar parecia prata.
      E acabou!
      Maria

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  3. E o que o João escreveu trouxe-me à lembrança (não o Alentejo) mas uma dedicatória que o Mia Couto me escreveu no livro "Mar me Quer".
    Diz assim:
    Para a Maria
    Para que se abram todos os mares.
    Se eu já gostava dele, imagine depois...
    :)Maria

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    1. Fica na mesma Maria: que não se apaguem os desejos da varanda do sexto andar virado a Sul de onde se via a luz do farol do Cabo Sardão.
      João

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    2. Olá João,
      Incrível como o Carlos Tê conseguiu captar a essência do lugar de Porto Covo e escrever as palavras certas: só poderiam ser aquelas palavras...
      E a música do Rui Veloso: cada nota só poderia estar ali onde está...
      Abençoado youtube!
      Ouço e vejo (ouvejo?) e estou outra vez lá, naquela praia onde me estreei nos mergulhos Atlântico/Alentejanos, há mais de mil anos :)
      Decididamente uma das canções da minha vida!
      E espero que o Senhor Alemão nunca me faça esquecê-la...
      Maria

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    3. Bem percebo o seu fascínio pelo Alentejo das falésias.
      A parceria do Veloso com o Tê é um dos acontecimentos que ficará na história da música portuguesa. Casam de modo tão natural que, como a Maria diz, as palavras e os sons só poderiam ser aqueles.
      Dias felizes que passei nas praias isoladas do Alentejo.
      João

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