O nevoeiro assapava-se sobre o cimo da serra. Temperatura boa, cerca de 8-10 °C e, cá em baixo, uma ventania dos infernos. Lá em acima, aos 900m de altitude, mal entrei na atmosfera aerossólica a realidade mudou, o vento acalmou, a luz espalhou-se, difusa, o pingo instalou-se na ponta do nariz e o botão dos sentidos rodou para o 110%. Atento. É preciso ir atento quando se pedala sózinho por soutos e florestas neblínicas; o ruído de um galho de árvore que se parte ou é pisado, uns vultos que o não são (não são corços, são apenas arbustos a oscilar com o vento), uma árvore que, de súbito, sacode as gotas de chuva em cima de nós, um friozinho que se instala na "espinha" sem se saber porquê ...
(ao longo da EN236, a chegar ao planalto da serra da Lousã)
Um pouco mais, aí aos mil e tal metros, logo depois de ter saído da protecção das árvores,
no planalto desprotegido que se adivinhava na claridade ao fundo da estrada, o vento era doido, trazendo uma chuva miudinha que se metia por todos os sítios onde não se devia meter. Bem o sabia. Dias assim, com nevoeiro denso e aparentemente amenos no sopé da serra, podem transformar-se em tempestades que varrem o planalto e nos varrem da bike se não tivermos cuidado. Planeara ir até à floresta dos grandes cedros para tirar fotografias. Por vezes, bem punha a força que tinha nos pedais, tentando avançar, mas o vento de frente era uma mão invisível que me barrava o avanço. À volta os montes nus, as ervas dobradas ao vento, uma ou outra árvore fantasmagórica e o horizonte fechado. Que bem me soube pedalar por ali a solo.
Quando cheguei à floresta, seguindo teimosamente o plano, o telemóvel, com 10% de bateria, desligou-se. F... -se! Parei, estive por ali a olhar. Arrefeci. Horas de voltar. Sempre a descer. Foi difícil. Frio. Húmido. Contraído. A espreitar por cima dos óculos (embaciados), perdendo visão lateral e a posição relativa face às bermas, a chuva miúda arremessada contra os olhos, o olhar fixo em frente, seguindo um risco imaginário, mãos coladas no guiador ... e vem-se ali em cima da bike como se fizéssemos parte de um filme, como se tudo se estivesse a passar a duas dimensões.
Olá João,
ResponderEliminarQuer dizer que desta vez o provérbio funcionou ao contrário: depois da bonança veio a tempestade.
Outro provérbio:
Quem pedala por gosto não cansa...
E um que inventei agorinha mesmo:
Nunca saia de casa sem ver o nível da bateria do tlm (especialmente se quiser fazer videozinhos e tirar fotografias, ok?).
Obrigada por mais esta visita à neblínica Lousã e pelo belíssimo Adagio do João Sebastião:)
Bom domingo!
Maria
Olá Maria,
ResponderEliminarem matéria de provérbios, relativamente ao do meio, o que fala de ausência de cansaço, colocaria algumas reticências ...
E hoje posso acrescentar outro: depois da tempestade de Sábado vem a de Domingo e esta última é bem pior.
No mesmo sítio de ontem (com o tlm carregado) mas dentro da floresta, um dilúvio, mais frio, sem ver um palmo à frente do nariz, regos e poças de água, ramos partidos no caminho, ventania, ensopado até aos ossos ... mas, ao mesmo tempo, havia uma beleza extraordinária naquele ambiente. Impensável parar, nem conseguiria tirar o tlm.
Uma boa semana!
João
Olá João,
EliminarAqui esteve razoável, soalheiro de manhã, um aguaceiro a seguir ao almoço, depois mais sol.
O vento muito forte tem fustigado o meu Plátano, caíram imensas folhas. Fui lá fora, armada em Michael Stipe, cantar-lhe baixinho "hang on, hang on".
E andei por cima das folhas dele, mas estavam húmidas, não estalaram como eu gosto.
Ainda está bonitinho, mas a natureza vai ter que cumprir a sua missão...
Lamento que não tenha visto the warmest colour today.
Boa semana, João.
Maria
É por isto que eu digo que o João gosta de uma boa molha...
Eliminar🌧️🌧️🌧️
Maria
Pois é Maria. Não é por estar a chover que deixamos de ir pedalar para a serra.
EliminarJoão
Fui apanhada!
EliminarLembrei-me de uma canção do Paul Simon, mas não digo qual é... 😚
É curioso que tenha dado essa resposta porque vem ao encontro de uma coisa que eu lhe queria contar, mas não aqui.
🎄
Maria