domingo, 2 de dezembro de 2018

O sonho do outro lado do vale

1 Dezembro 2018


do imenso vale entre as serras do Caramulo e da Lousã. Fui para a cama na expectativa de me levantar. Iria acordar ainda de noite para, depois, viajar até ao Luso no sopé da serra do Caramulo onde, ao alvorecer, iniciaria a subida da serra na companhia de umas centenas de outros "tolos". Fui para a cama na expectativa de acordar para mais um "assalto" ao Caramulo. Devo ter começado a sonhar logo depois. Ao princípio as imagens vinham desfocadas mas, depois, percebi que era um dia de neblinas. Um dia de luz difusa e baça. Estava no cimo da serra da Lousã, o olhar a vogar sobre a neblina até à serra do Caramulo, no horizonte, do outro lado do vale. Ao contrário do sonho, daí a umas horas, estaria no cimo da serra do Caramulo a olhar para aqui, onde o sonho me colocou. Acordar vai ser um alívio.





Sonhei que subia a serra a Lousã pelo caminho sobre as aldeias abandonadas da Silveira onde já me encontrei com animais invulgares.  Tão real que sentia a humidade do nevoeiro na ponta do nariz.


Sobressaltei-me, virei-me de um lado e de outro. O sonho era tão real que via a urze e sentia o vento. Mas os sonhos são histórias que o cérebro elabora com as memórias que guarda. Nada de muito diferente da situação em que estamos acordados e conscientes. A consciência? Pois, ninguém sabe bem do que se trata. Outras espécies (os cães, para dar um exemplo que pode ser útil quando se discute o bem-estar animal mas o que é que isto agora interessa, nem quer faz parte do sonho) além de nós, o Homo sapiens, possuem um cérebro com esta propriedade.


Via, claramente vista, a encosta coberta de urze e de ervas secas, estas aparentemente frágeis mas, por isso mesmo, dobram-se sob a ventania, resistindo-lhe, ao contrário dos pinheiros que enfrentam o vento e se partem ao meio.


Sentia o aroma dos grandes cedros, a solidão das pedaladas a solo por caminhos difíceis em locais remotos e belos. Não me lembro bem mas acho que, às tantas, abri os olhos para tentar ver as horas. Uma e meia da manhã. Ainda não estava na hora.


Como em quase todos os sonhos as imagens sobrepunham-se e adicionavam-se em sequências sem nexo. Às tantas estava no Santo António da Neve, junto aos Poços da neve.
Via o primeiro poço ao longe


e, depois, closer ("closer"? o sonho trouxe-me o filme do mesmo nome e a cena de strip da Natalie Portman com o Clive Owen mas que, obviamente, não cabe aqui num blog de bicicletas)




Tudo muito real, bem sabia que o primeiro poço se alinha com antigos castanheiros e lá estavam eles sob o céu branco.


Numa imagem estranha vi a minha bike conduzida por um fantasma.


Subi, subi até não haver mais caminho para subir. No cume da serra, para Norte - sem perceber como é que os sonhos se alinham pelos pontos cardeais - procurei ao longe a serra do Açor.



o imenso Açor



Depois, no sonho, virei-me para Sul


Os caminhos da serra estão impressos na minha memória como num mapa topográfico, Não me surpreendi, pois, por ter voltado ao lado norte da serra sobre o imenso vale e ter, de novo, olhado o Caramulo ao longe. Estava do outro lado do vale. Treinado na minha profissão a ter dúvidas e a conviver com elas (e isto não é fácil, por regra foge-se da dúvida a sete pés e, em desespero, o cérebro de muita gente inventa explicações e conspirações para eliminar a dúvida), vislumbrar de novo o Caramulo não me trouxe suores frios e, ainda assim, num sonho, tal como na mecânica quântica, tanto se pode estar num lado do vale ou no outro e, até, em ambos lados ao mesmo tempo. O cérebro joga ao gato e ao rato consigo próprio. Mesmo acordado tenho dúvidas sobre o que vejo quanto mais a sonhar!






Quase que me lembro de sorrir durante o sonho por ter percebido que estava a sonhar, que num sonho posso estar em qualquer lugar e que acordaria daí a pouco tempo para me pôr a caminho do outro lado do vale. Do lado certo do vale.
Passei por bosques e riachos aparentemente familiares mas belos carvalhos e castanheiros encontram-se nas encostas da Lousã e do Caramulo.







Foi a fonte espinho que me acordou. Pedalava no sonho como quem regressava casa e, às tantas, na curva da estrada, dei com a fonte. Parecia a fonte, os muros cobertos de musgo, os grandes plátanos ...



Olhei a pedra com o nome da fonte. Não tive dúvidas! Era a fonte onde já tantas vezes passei. A não ser que na serra do Caramulo haja uma fonte "Espinho" à beira da estrada, estava do lado errado do vale.









13 comentários:

  1. Olá João,
    Gostei deste Brideshead (perdão, Caramulo) Revisited.
    E afinal tudo não passou de um sonho (acordado?)...
    E os cães sonham?
    Do dogs dream of electric cats?
    Pensava que eram só os Andróides que sonhavam com electric sheep.
    Passei pelo Closer e já estou no Blade Runner, o de l982 com o Harrison Ford e o Rutger Hauer.
    A ost é muito boa, embora neste momento eu esteja a ouvir a do Out of Africa - e não é que me lembrei de uma pessoa ao ouvir a faixa 4?
    Mas para o tema de hoje sugiro:
    - Dreams, dos Cranberries
    - All I have to do is dream, by The Everly Brothers.
    Bons Sonhos!
    Maria

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  2. Embora não tenha dados robustos acho que a minha cachorra sonha. Agita-se durante o sono, emite sons, acorda e olha à volta surpreendida como se tivesse estado noutro lugar ...
    Para sonhar é preciso um cérebro sofisticado e, por isso, lamento desapontá-la, mas os andróides não sonham. Ou, pensando melhor, talvez mas apenas com electric cats.
    Nós (os Sapiens) fazemos mais do que sonhar, somos peritos no daydreaming. Pelos vistos passamos cerca de 30 a 50 % do tempo em que estamos acordados em modo mind wandering, perdidos em fantasias, narrativas internas, ruminações e por aí fora. Isto é muito interessante porque, hoje há uma obsessão com a organização, com estabelecer e cumprir objectivos, responder na hora (então com a net !) a estímulos e perguntas e tudo e mais alguma coisa. E, no entanto, a mind wandering (embora prejudique tarefas que requerem atenção permanente) está associada à criatividade, ao planeamento cuidado, à memória de longa duração.
    O tema do Blade Runner! Que recordação boa. Fui ver as "lyrics" do Dreams, do Cranberries; muito bom. Everly Brothers: estou na onda. Também podia ser o California Dreaming dos "miúdos da praia" ;)
    João

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    1. Não desilude, João, porque quem disse isso foi o autor do livro "Do the Androids dream of Eletric Sheep", que inspirou o filme Blade Runner.
      Eu nunca li o livro, mas vi o filme várias vezes.
      Ah e os miúdos da praia tinham mesmo Good Vibrations, não tinham?
      :) Maria

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  3. Daydreaming.
    Era o meu passatempo favorito quando era teenager (still is, I'm afraid).
    Mind wandering.
    Às vezes combato isso com esta receita dos Drs. Lennon & McCartney:
    I'm fixing a hole where the rain gets in
    And stops my mind from wandering
    Where it will go...

    Boa segunda, João!
    :)Maria

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  4. Então e o Assalto ao Caramulo? Às tantas ainda nos cruzámos por lá. Fui no pelotão de Penacova. Pena a bruma não deixar ver bem a paisagem e não cheguei a ir ao Caramulinho pois estava tudo encoberto e muito frio. Valeu na mesma pela companhia e toda a envolvencia. Pela mística e pelo mistério adensa do pela bruma :)

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    1. Pois é, GM, não fui. O parceiro com quem planeei a ida há uns tempos foi fazer o Tróia-Sagres e, como perdi o meu GPS a descer uma cascalheira na Lousã (#¶##!!!grrr*?), ir para lá sozinho sem orientação corria o risco de anoitecer e andar por lá perdido (como aliás já uma vez aconteceu mas, felizmente, encontrei dois tipos de Coimbra que iam para o mesmo ponto de partida, Vila Nova de Monsarros, onde tinha o carro, e que me rebocaram !). Gosto do "assalto". Como foi? Frio e nevoeiro?
      Nas fotos ali em cima tiradas no mesmo dia deste lado do vale, na serra da Lousã, vê-se o Caramulo parcialmente coberto por neblina. Na primeira fotografia, a espreitar por detrás de uma nuvem à esquerda está o Buçaco e, à direita, ao fundo na linha do horizonte, o Caramulo.
      Às tantas, para o ano, tento ir no pelotão de Penacova (até porque me fica mais perto). A que horas arrancaram? Mas é preciso convite, não é?
      João

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  5. Olá João,

    Estive a ouvir com atenção a ost do Blade Runner (como foi possível estar tantos anos sem a ouvir?) e é fabulosa.
    Logo a abrir tem o Love Theme, que começa com o "alto sax" do Tom Scott, aliás é ele e a orquestra: sublime!
    Na primeira versão apresentada no cinema era este o tema final. Toda a gente se levantava e saía, e eu ficava ali, feita parva, à espera que a música acabasse...o que vale é que não estava sózinha.
    A segunda melhor, para mim, é "Blade Runner Blues" com um tal de Chuck Findley a tocar Flugelhorn (seja lá o que for, o som é lindíssimo).
    Mas os temas são todos muito bons.
    Não deixe de ouvir estes dois, João.
    São bons para tocar no seu sax ;)
    Já tinha esquecido como o Vangelis é genial, e só não ganhou o Óscar com o Blade Runner porque no ano anterior tinha vencido com o Chariots of Fire - outro "ganda" filme.
    Ontem ouvi na antena 1 o Zambujo a falar da ost do Once upon a time in America, a propósito do tema Amapola, que ele canta no novo CD.
    Já fui desencafuar (isto existe?) os filmes do Sergio Leone e as ost do Ennio Morricone para ouVer um destes dias, se conseguir...
    E é isto!
    :)
    Maria

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  6. O som do sax no Love Theme ! Tenho-o impresso na memória e nos ossos desde o primeiro dia que o ouvi. Curiosamente, ao abrir o Youtube em Blade Runner vi que a cena se passa na Ciudad de Santa Maria de los Angeles em ... 2019!
    Do "Blade Runner Blues" não me lembrava. Belíssimo. O instrumento é um Fliscorne, muito parecido com uma trompete mas com a campânula um pouco mais larga e a volta do tubo maior. Dá um som mais grave e macio. Conheço-o bem porque é vulgar em bandas filarmónicas. Quando a Maria vir uma (das poucas que ainda resistem) repare no naipe dos trompetes e verificará que, entre eles, alguns são ligeiramente maiores.
    E também não sabia que a ost é do Vangelis. E por falar nisso, desencafuei na minha memória umas músicas que ele fez com o Jon Anderson (vocalista dos Yes): Jon & Vangelis. A voz do Jon Andersen "encaixa" muito bem na música do Vangelis. Vi uma vez os Yes (já velhotes) no coliseu do Porto. Sentado na terceira fila e eles, logo ali, à minha frente.

    I know the feeling: ficar sentado no cinema a ouvir a música até ao fim e toda a gente a passar à frente com pressa de sair.

    João

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    1. 2019? Mas é já para o ano! Não pode ser, LA já deve estar cheia de "replicantes" e ainda ninguém fez uma reportagem...
      Ligo a tv e é só futebol, corrupção e novelas. Desligo logo, não quero saber, não me interessa.
      E regresso aos livros, aos filmes, à música, à net.
      Pena a net ter aparecido tão tarde na minha vida. O trabalhão que dava encontrar qualquer coisa nas revistas, nas enciclopédias, nas bibliotecas. Até para encontrar os versos de uma canção...
      Os jovens agora são felizes e nem sabem...
      João, e música nacional, também ouve ou nem por isso?
      Maria

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    2. Na música nacional vamos colocar o Zeca Afonso e o Fausto de parte. Esses estão numa galáxia de acesso limitado a poucos.
      Assim de repente, houve os Madredeus, o Rui Veloso e o Jorge Palma têm música excelente, dos mais recentes gosto do Miguel Araújo. Há uns dias evitei falar do Zambujo porque embora no início tenha gostado, agora a maneira de ele cantar aborrece-me (heresia!). Ah, gosto da Mariza, da maneira de ela cantar, embora não alinhe no fado. Farto de fados. Fado só Amália. Rodrigo Leão. Já gostei mais do Sérgio Godinho. Gostei dos Ornatos Violeta. Estes são os que me vieram à memória. Ouvi Xutos, António Pinho Vargas, Carlos Paredes ...
      João

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    3. Completamente de acordo com o primeiro parágrafo.
      Trovante (vi-os uma vez no Castelo de Sines e fiquei rendida).
      Madredeus sempre: tenho tudo o que eles gravaram.
      O Rodrigo Leão tem o toque de Midas, desde a Sétima Legião, passando pelos Madredeus até à actual formação, tudo o que ele toca vira ouro.
      Adorava o SG do pós 25 de Abril, mas agora já nem tanto.
      O Rui Veloso, o Janita, o Palma, o Tim e grupos associados (Rio Grande, Resistência, etc), tudo muito bom.
      Carlos Paredes, sim, sim, sim: aquela guitarra faz-me chorar.
      Também tive a minha fase Delfins e GNR.
      Pinho Vargas, Rão Kiao, claro.
      Gosto muito da Maria João e do Mário Laginha e muitíssimo da Maria João Pires - vi concertos inesquecíveis em Belgais, mágicos mesmo.
      Gosto imenso da Mariza, como artista e como mulher.
      Ao princípio os Xutos não me diziam nada. Depois, devagarinho, aprendi a amá-los.
      Estou ainda a lembrar-me do Anzol dos Rádio Macau, o que eu cantei essa canção...
      E fico por aqui.
      Maria

      ps: e depois há os Franceses, os Brasileiros, os Italianos...

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    4. João, onde escrevi Janita leia, por favor, Vitorino (o mano mais velho).
      Ai estes "palitos" are getting worse all the time...
      Maria

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    5. Esqueci-me dos Trovante, uma lufada de ar fresco no panorama musical da altura. Um privilégio estar aí perto de Belgais (que história triste essa da Maria João Pires e de Belgais).
      Brasileiros, para além dos que já sabe que vou mencionar, há dois de excepção: Elis e Milton.
      João

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