Março 2016
(Serra da Lousã)
Por regra, pedalo serra acima a olhar à volta. Olho para a frente, para cima, para um e outro lado. Olha hoje corre ali água, com os diabos há tantas salamandras esventradas na estrada, já se sente o cheiro intenso das mimosas, até nem está muito frio, às tantas subo já aqui por S. Lourenço, as nuvens vêm de Sul isto vai dar chuva, mais um muro que caiu, que cheiro há por aí animal morto, o Trevim está escondido por uma tira de neblina ...
Desta vez acho que fiz a subida a olhar todo o tempo para a roda da frente. Fixamente. Pedalei com fúria concentrado a alinhar umas ideias que, em sequência, eu queria que dessem corpo a um texto de uma lógica irrefutável. Que raio, proporem-me para elaborar um documento para discussão da homeopatia! Eu só posso escrever um texto científico. Esperam provavelmente um texto de várias páginas com um preâmbulo delicodoce sobre concepções holísticas do ser humano, mais uns "palavrões" quânticos ... quando a minha vontade é escrever apenas duas linhas: os conceitos-chave da homeopatia são incompatíveis com as leis da química e da física. Ponto.
Mas OK, vamos fazer isto como deve ser; referenciar os ensaios clínicos e as meta-análises que mostram que o efeito dos designados medicamentos homeopáticos é semelhante ao placebo. Apenas isso. Provavelmente alguém trará para a discussão o conceito de hormese mas, OK, aí já estamos do lado da ciência; a hormese nada tem a ver com homeopatia.
Ia pedalando e, mentalmente, escrevendo o relatório sobre a homeopatia. Como, aliás, faço muitas vezes com outros problemas.
Mas OK, vamos fazer isto como deve ser; referenciar os ensaios clínicos e as meta-análises que mostram que o efeito dos designados medicamentos homeopáticos é semelhante ao placebo. Apenas isso. Provavelmente alguém trará para a discussão o conceito de hormese mas, OK, aí já estamos do lado da ciência; a hormese nada tem a ver com homeopatia.
Ia pedalando e, mentalmente, escrevendo o relatório sobre a homeopatia. Como, aliás, faço muitas vezes com outros problemas.
a casca rugosa das árvores e o musgo, as clareiras iluminadas e os ramos das árvores que se diluem na neblina ao longe, e a água no chão e o cheiro orgânico ... e, no fundo, enquanto estou lá não vejo nada disto, não vejo as coisas isoladamente, vejo tudo ao mesmo tempo numa impressão difusa e inteira. Aqui em casa ao olhar a fotografia é que recapitulo o momento e, então, consigo separar elementos.
Enquanto lá faz-se parte da paisagem, não se está de fora, a olhar.
E agora, para algo completamente diferente: gone in 25 seconds.
Muito bom! O texto, as imagens, o ambiente e, no fim, o homem que se dilui na serra. Gostei mesmo.
ResponderEliminar(E olhe que, quando a minha filha era pequena, depois de vários tratamentos para a bronquite alérgica que não resultaram, foi um tratamento homeopático que a pôs como se de nada padecesse. E assim esteve durante uns dois anos, impecável. Infelizmente, o médico reformou-se e a que o substituiu, mudou a medicação e a magia desapareceu. Passámos de novo para a medicina tradicional.
Mas fiquei sempre com esta dúvida: porque é que um tratamento destes resulta numa criança? O efeito placebo não foi com certeza.)
Estes seus textos têm isto: vamos pela serra mas, tal como o acompanhamos a si, quase parece que acompanhamos também aquilo que pensa enquanto por lá anda.
"o homem que se dilui na serra"
ResponderEliminarSe calhar é mesmo isso. Obrigado.
O caso da sua filha e a dúvida que coloca são muito interessantes. De facto, o efeito placebo resulta numa criança? Provavelmente não. Do que sei, nos casos individuais em que a homeopatia parece ter eficácia terapêutica há factores externos que não são tidos em conta (passagem do tempo, exposição a determinadas substâncias, condições fisiológicas particulares e transitórias, associação do medicamento homeopático a outras intervenções ...). É que não há um único ensaio clínico que suporte a eficácia da homeopatia.
De qualquer modo, por causa do documento que tenho que escrever, vou estudar o assunto em detalhe.
Ela já tinha feito a medicação normal e vacinas e sei lá e andava sempre com pieiras, falta de ar, etc, sempre com o ventilan atrás. Uma médica tradicional recomendou que fosse àquele homeopata. Era uma pessoa de idade que tinha feito e fazia ainda medicina tradicional e que passou a fazer homeopatia. Aquilo parecia um laboratório de alquimia.
ResponderEliminarUmas bolinhas, umas pinguinhas. Para a minha filha que teria uns 6 ou 7 anos era um médico como os demais. E para meu espanto parecia ter ficado curada. Eu não queria acreditar.
O diabo foi quando foi a uma consulta de rotina lá, pensando eu que, estando ela boa, escusava de continuar e era outra médica que mudou aquele equilíbrio de pinguinhas e bolinhas. Ela voltou aos problemas. Depois com termas, auto-vacina (no Dr. Ruah) e provavelmente com a mudança de idade, a coisa praticamente curou.
Como não tenho conhecimentos não sei interpretar, apenas dar o este testemunho. Leio o que o Carlos Fiolhais escreve sobre o assunto, que a homeopatia é uma treta e acredito que possa ser mas que isto aconteceu, aconteceu.
E bons voos, nem que mentais, pelos meandros da serra.
Caso queira dar uma vista de olhos num relatório independente sobre avaliação da eficácia terapêutica da homeopatia veja este do National Health and Medical Research Council do governo da Austrália:
ResponderEliminarhttps://www.nhmrc.gov.au/_files_nhmrc/publications/attachments/cam02_nhmrc_statement_homeopathy.pdf
Pelo que já percebi, a grande preocupação das agências de saúde (FDA, OMS ...) é que as pessoas substituam a medicina tradicional pela homeopatia nas doenças graves (nas outras parece-me que estas agências estão reféns de alguns interesses e vão empurrando o problema com a barriga ...)