Serra da Estrela
(Junho 6, 2015)
A semana tinha sido de estágio. Antibióticos há 10 dias, acompanhados a meio da semana por doses dinossáuricas (tiranossáuricas !) de anti-inflamatórios e antipiréticos para tentar combater os 40 graus (e upa upa) de febre devido à gastroenterite. Aliás, este é o método mais eficaz de perda de peso, a gastroenterite; dois dias sem comer acompanhados de diarreias e vómitos são de uma eficácia extraordinária.
Ora, estando no sopé da serra da Estrela, na Covilhã, durante o fim-de-semana, sem febre desde ontem e com uns quilitos a menos que se foram entre vómitos e diarreia estavam criadas as condições ideais para pedalar serra acima. Para tornar as coisas mais estimulantes a bike BTT (que, nas subidas longas e íngremes, sempre dá para meter a "avózinha" e ir por ali acima tic tic tic tic sem grande esforço) ficara no mecânico à espera de uns cubos novos para a roda de trás (pois é, quanto mais se lavam as bikes mais enferrujam). Restava a "alcatrónica" que, ao contrário da BTT, requer uma pedalada mais potente. Além disso a minha alcatrónica é uma clássica que me acompanha há cerca de 15 anos (não é dessas fininhas que mal pesam meia dúzia de quilos).
8:30h da manhã e arranco serra acima.
Plano: Covilhã-Torre ou logo se vê o que isto vai dar.
Mal tinha saído da Covilhã, à chegada à floresta da casa do guarda, e o coração já batia a 160 bpm. Nunca deixo subir mais do que isto nem me mantenho nesta aceleração por mais do que uns breves minutos. As bombas de cálcio no miocárdio podem desregular-se e ... é uma grande chatice.
A água fresca que jorra da fonte neste local foi uma excelente desculpa para parar e encher o bidão.
A partir daqui a serra está quase nua (incêndios de há anos atrás) e o Sol de um dia acima dos 30 °C torna a subida um bocadinho mais inclinada !
A paisagem começa a abrir e a cova da beira até à serra da Gardunha torna-se evidente, embora em cerca de 90 % do tempo as minhas "vistas" eram a roda da frente da bicicleta e o asfalto por baixo. Aliás, com o suor a escorrer-me para os olhos, eu a tentar limpar com as luvas (tinha posto protector solar e acho que o suor o arrastava para os olhos), os olhos a picar e a arder mal conseguia ver.
A chegada à Varanda dos Carqueijais, ainda só aos 1000 m de altitude, foi provavelmente mais difícil do que para Bartolomeu Dias dobrar o cabo das Tormentas. Tirar uma fotos foi a bela desculpa para parar.
A Covilhã ainda logo ali em baixo. E eu convicto que teria subido o suficiente para estar à altitude do Evereste.
Para a esquerda, NE, ao longe, a vila onde nasci. E já lá vão umas quantas voltas de translação ao Sol!
gosto destes contrastes
Decidi (nestas coisas não há nada como tomar uma decisão - e segui-la) que a próxima paragem seria nos Piornos, com vistas para o planalto central, aos 1600 m de altitude.
Depois de ter feito a curva sobre o Sanatório (hoje Hotel) vem o falso plano que nos leva às Penhas da Saúde. Aqui começa a sentir-se a imponência da montanha. O cheiro das giestas amarelas era intensíssimo. Consegui levar a mão ao bolso traseiro (afinal estava cheio de energia !) tirar e disparar o tlm.
As giestas em primeiro plano e as Penhas da Saúde lá atrás. Quer dizer, lá em cima.
Curiosamente, comecei a sentir-me melhor. A pedalar com desenvoltura. A gozar a viagem. A saborear o vento. A sentir-me bem. A ficar eufórico. Acho que são os "efeitos secundários" da Serra.
E, quando dei por mim, tinha já passado as Penhas e estava com o planalto central à frente dos olhos. Lá em cima, a meio (Cântaro raso), a Torre. Na encosta mais próxima e ao centro, um dos mais extraordinários monumentos à estupidez humana que conheço: o mamarracho em ruínas construído há décadas como ponto de partida do teleférico para a Torre. Após a construção, verificou-se que os ventos laterais no vale inviabilizavam o teleférico. Ficou para ali, abandonado.
Vê-se melhor aqui
O plano estava cumprido
Estava nos Piornos com vistas para o planalto central
Andei por ali, para trás e para a frente, a olhar e a tirar fotografias. A fazer render o momento. Já não tinha tempo de ir à Torre e voltar. A estrada para a Covilhã ia ser fechada ao trânsito devido à realização da "rampa da Covilhã" em automobilismo.
Tinha-me apetrechado devidamente com "suplementos" nutricionais: água da fonte da casa do guarda, uma laranja, uma banana e um pão com marmelada. Estava na hora de consumir os "suplementos" que restavam; o pão com marmelada e a laranja.
Na subida tinha visto uns belos "suplementos" numa árvore. Uma cerejeira com belas e maduras cerejas na zona do sanatório. Aproveito na descida e faço uma paragem estratégica.
Os 3 Cântaros (da esquerda para a direita o Raso - onde está a Torre - o Magro e o Gordo).
Em baixo, à esquerda, a Nave de St. António. No centro (o amontoado de pedregulhos gigantes), a moreia central do glaciar que outrora aqui se formou.
À direita o início do Vale Glaciar do Zêzere.
O maior deles todos (dos pedregulhos da moreia) que sobressai nesta foto na cumeada da moreia, é o "poio do judeu" (seta)
Tinha levado o melhor fatinho de Domingo; calções Assos T. cento (que, aliás, não valem a exorbitância que custaram), jersey da Decente, baselayer da Gore e colete Louis Garneau para a descida. Um luxo só para ocasiões especiais.
Uma última vista de olhos para encher o peito
e vamos embora que se faz tarde. sempre a descer até à Covilhã.
É notório o delicado equilíbrio de cores da minha clássica.
What a F... Glorious Day, João!
ResponderEliminarAnd the bike is a place of healing, for sure ;)
And the views, what a great, great views!
:)
Maria
Indeed, Maria. Gostei muito das suas 3 linhas.
EliminarJoão
"Um luxo só para ocasiões especiais": será que é este o primeiro dia da volta?
ResponderEliminarGosto deste dia, vou pensar que é...
E também gosto do fatinho azul ;)
Tenho uma fotografia ao pé desse "projecto de teleférico", tirada num daqueles tórridos Agostos em que vinha cá de férias com os meus pais. Acho que foi a primeira vez que fui à "sua Estrela" e, por incrível que pareça, ainda encontrámos por lá uns pedaços de neve num local abrigado.
Tenho as fotografias que o provam :)
Maria
Já nesse tempo a Maria fotografava e registava as viagens! Interessante.
EliminarAtravessei a serra mil vezes e mesmo em pleno Verão - sob calor tórrido como a Maria descreve - no cruzamento para a Torre numa espécie de ninho de pedras a Oeste do Cântaro Magro havia sempre um bocadinho de neve. Eram as neves eternas da Estrela :)
João
Tenho só as fotos, nesse tempo não registava nada.
EliminarNem nunca tive um "Dear Diary" nem nada.
Ficou tudo nos "frasquinhos de memórias".
Os registos só começaram aqui na Beira, comigo ao volante, e geralmente quando ia sózinha.
Tenho pena de não ter feito registo das viagens que fiz a partir de Lisboa.
Tenho bilhetes de avião, entradas em museus, concertos, postais, folhetos, mapas, etc. tudo ao
molho em caixas.
E tenho as fotografias em álbuns.
Mas de vez em quando faço uma limpeza à tralha acumulada (depois arrependo-me, mas é impossível manter tudo).
Um luxo que mantenho há anos são as Moleskine grandes, diárias (Petit Prince ou Peanuts), onde vou registando os livros que leio ou os filmes que vejo, entre outras coisitas...
A tal neve eterna deve ter sido nesse sítio que o João refere, é junto a umas pedras.
E é isto.
Maria
No outro dia pensei: a Maria deve ter um blog! Fui à net tentar encontrar pistas. Debalde. Ou melhor, segui uma ou duas mas sem ter podido gritar: eureka.
EliminarJoão
Não tenho, João, nem nunca tive.
EliminarTer-lhe-ia dito, se tivesse, em vez de andar aqui na bloga armada em "cogumelo parasita" a usar os blogs alheios.
E sou tudo menos dissimulada.
Eu já seguia o seu blog há uns tempos (graças à barragem e ao Açôr) mas com o meu obsoleto tablet apenas conseguia comentar no sapo. Na ujm comentava por e-mail (escrevi-lhe a dizer que gostava do blog e ela achou giro e perguntou se podia pôr como comentário. E foi assim durante uns anos).
Plebeia que sou, deram-me nome de rainha (aquela que tem péssimas memórias de 1789 e jamais comemoraria o 14 Juillet).
Eu usava sempre o segundo nome sem o Maria até surgirem umas confusões de nomes e equívocos nos 2 ou 3 blogs em que eu comentava.
Resolvi então passar a ser só Maria (afinal é o nome que está em todos os meus cartões: Maria e o último apelido).
E estou a adorar ser Maria, sempre gostei de nomes pequenos e simples.
Eu costumo comentar no Delito (nas séries do Pedro Correia sobre livros,filmes, rios, etc.) e no Horas Extraordinárias.
Agora com o smart, voltei à Heavenly Lady como Tree Lover (há por lá outras marias) e também comento (pouco!!!) num blog about bikes - não sei se conhece...
E é isto!
:) Maria
Adenda:
EliminarJoão, qualquer dia conta-me que pistas seguiu, ok?
Não pode ter sido só com Maria...
Vou ficar à espera, provavelmente sentada...
Maria (plebeia)
Olá Maria,
EliminarTentei seguir padrões. Ler um comentário aqui e ali noutros blogs e tentar perceber se se encaixavam na Maria que conheço do "blog sobre bikes". No ujm foi óbvio, claro. Mas também não havia link. Foi isto. Nada de especial. Segui uma ou duas pistas mas sem convicção. Do gosto de ler e escrever que se percebe nos seus comentários (além de fotografia, cinema, música e sei lá que mais) inferi que ter um blog seria muito provável mas que, por qualquer razão, não o queria divulgar. Sou de ideias simples, nunca me passou pela cabeça que fosse dissimulação.
Visito esporadicamente o Delito de Opinião e o Horas Extraordinárias.
Comecei a visitar blogs há anos, na altura em que o Pacheco Pereira e o Pedro Mexia eram os "papas" blogueiros. O ujm visito também há vários anos. Outros vêm quase desde o início: O Jumento, Der terrorist, Uva passa ...
Um blog que achava extraordinário e onde comentava assiduamente era o Funes el memorioso. Acabou.
João
Pois é, João, nunca me inscrevi nos blogs porque eles pedem o e-mail e eu não me apetece dar, e muito menos o telefone. Se tivesse pc seria diferente, mas nunca pensei seriamente ter um blog.
EliminarAqui na aldeia ninguém lê livros, e filmes de autor "o que é isso?".
Até os meus passeios por aí: "mas a menina gosta de ir às serras?
Ah mas aquilo é só pedras".
Então em 2012/13 comecei a comentar aqui e ali (onde conseguia) mas apenas nos temas que já sabe - fujo de política, religião e futebol, as pessoas irritam-se muito. Mesmo com temas pacíficos, já me aconteceu irritar-me, por exemplo, quando o Dylan ganhou o Nobel. Fiquei feliz, olha o que eu fui dizer ;)
Uma gritaria que só visto (lido).
Mas também já tive muito boas conversas com pessoas cultas e educadas, e já aprendi imensas coisas aqui nos blogs.
Não tenho facecoiso, nem instracoiso, nem nada, tudo isso me passa ao lado.
E é isto.
:) Maria
Esse do Funes el memorioso tinha alguma coisa a ver com o Borges?
ResponderEliminarEu também seguia o Pedro Mexia, gosto da escrita dele (tenho vários livros).
O Jumento e o Der Terrorist conheço mal mas já fui espreitar na barra lateral da ujm: gostei do que li.
A Uva conheço daqui e penso que ela também comentava no blog do Paulo Abreu e Lima (que tinha umas fotografias fantásticas e que também encerrou).
Ela escreve bem e tem um belo sentido de humor (carago!).
Gostei muito de ver o Piódão e a Fraga da Pena pelos olhos dela. E é gira que se farta, embora só se mostre de costas, deve ser coisa de bikers, I guess :)
Maria
Esse mesmo, do Borges. Há uns anos, talvez há uns 15 ou coisa assim, fui a Buenos Aires. Era a primeira vez. Andei por lá, pelas ruas à noite, mais ruelas que ruas onde vi dançar o tango genuíno em pequenos agrupamentos que se formavam ad hoc (não para turistas mas por e para os locais). Fui a um café que era frequentado assiduamente pelo Borges. Até têm lá uma estátua de bronze sentada numa cadeira.
EliminarO Jumento é um tipo que faz análises muito clarividentes da situação política. O Der terrorist é sarcástico, extraordinário e mordaz. A Uva (que agora quase desapareceu) era muito criativa e surpreendente, era o marisco do arroz. E era biker ! Vou ver se encontro o Paulo Abreu e Lima.
João
Ele não escreve lá desde 2016 mas o blog continua visitável:
Eliminarassimterraceu.blogspot.com
Eu tinha algumas fotos dele no meu defunto tablet (Nazaré, Açores, Lisboa, Piódão,etc) e já voltei a recuperar algumas aqui para o smart.
As fotografias estão todas assinadas e são belíssimas.
Quando estive na cratera grande do Faial acabou-se o rolo da Nikon e não pude fotografar mais (até voltar à Horta). Imagine o que senti ao ver a fotografia que não consegui tirar há trinta e tal anos.
A dele muito melhor ainda, pois era um perfeccionista.
E tinha sempre "a bunch of ladies" a comentar - penso ter visto lá a Uva, mas não garanto, já foi há muito tempo...
Com que então andou a dançar o tango em Buenos Aires...
Eu gostava era de conhecer esse café do Borges, que é um dos meus escritores.
O Mega Ferreira esteve aqui uma vez a apresentar um livro. Estava pouquíssima gente e ninguém tinha sequer lido o livro em questão.
Como ninguém dizia nada, eu pedi-lhe para ele nos contar o encontro e a entrevista que fez ao Borges quando este esteve em Portugal. Eu já tinha lido no livro, mas claro que contado por ele foi outra coisa.
E embora eu seja assim mais para o ficar calada, teve mesmo de ser, ninguém dizia nada e éramos para aí umas 10 pessoas.
Mas o João é que era bom para dançar o tango com a ujm, ela está sempre a falar nisso ;)
Boa semana!
Maria
Já confirmei, era mesmo a Uva biker que comentava no Paulo.
ResponderEliminarAndei a ver o blog dela e gostei muito - vi lá um post antigo sobre árvores cortadas e gatos envenenados que me fez pensar: esta é cá das minhas!
E agora trabalha e estuda: não é nada fácil, é mesmo um grande sacrifício.
E sei do que falo, durante anos fiz o mesmo (daí as insónias, dos muitos cafés que bebi para me manter acordada nas aulas à noite).
:) Maria
Tenho uma grande admiração pelas pessoas que trabalham e estudam. É preciso ter "guts", para não dizer outra coisa. Conheci (até profissionalmente) alguns e bem vi o estado de exaustão em que por vezes se encontravam.
EliminarEspero que tenha dado por bem empregue o esforço que fez.
João
Sim, João, dei por bem empregue o esforço que fiz, que até era um prazer. Sempre gostei de aprender e conheci pessoas (professores e colegas) muitíssimo interessantes e inspiradores.
ResponderEliminarAndei no Liceu Francês, que de dia era para os meninos ricos e no pós-laboral era para os remediados.
Consegui entrar para uma das melhores empresas do país sem ser retornada (palavra detestável) e sem cunhas, o que todos diziam ser impossível... mas não foi.
(Um parêntesis, para dizer que só tirei a carta aqui em CB; também diziam que era impossível passar à primeira, sem dar um envelope ao examinador: também era mentira!).
Fiz mal ter saído de Sines, mas a pressão era muita. Teria de ir para Santo André, que naquela altura não era uma cidade, mas sim 2 bairros imensos, um da Petroquímica, outro da Petrogal.
Sem poder comprar o apartamento onde morava (a tal varanda etc. e tal), e sem carta nem carro, a perspectiva de só ver colegas durante 24 horas por dia, incluíndo fds era assustadora.
Éramos mais de dois mil e eu estava entre os primeiros 200, sempre fui efectiva, mesmo que quisessem (e não queriam) seria muito difícil despedirem-me...
E então, with a little help from my friend Aníbal, tomei the craziest decision of my life.
O resto tem sido uma mistura de coisas boas (poucas) e coisas más (bastantes).
E agora pergunta o João: mas porque raio me está ela a contar isto tudo?
E eu respondo: não sei, a sério que não sei. This is a blog about bikes, não é um consultório de um psi.
E sei lá quem vem aqui ler isto...
Sorry, a million times!
Acho que vou passar a escrever estas coisas num papelito, depois enterro algures, pode ser que nasça uma "árvore das lamentações" :))).
Maria
Olá Maria,
Eliminarsabe-se hoje que as nossas decisões, embora nos queiramos convencer disso, não são inteiramente racionais. Um pequeno clique no cérebro e vamos por ali e não por outro lado. Em todo o caso é uma felicidade quando podemos escolher; muitas pessoas não o podem fazer. Fazer uma escolha é, muitas vezes, um privilégio que devemos protege. Por isso, acho eu, as escolhas que fizemos não são boas nem más, foram as que fizemos naquelas circunstâncias.
E, pergunta a Maria: porque raio estou para aqui a arengar sobre isto como se tivesse na minha posse todos os segredos do Universo.
E eu respondo: porque estamos a conversar.
O único constrangimento é o que a Maria mencionou: isto é uma conversa em público, sem lá quem vem aqui ler isto :)
João
O João é uma pessoa tão positiva, vê sempre o lado bom das coisas... eu sou precisamente o contrário, a maior parte das vezes, pelo menos.
ResponderEliminarTalvez seja por isso que me sinto tão bem a conversar consigo.
Seria incapaz de falar de certas coisas mais pessoais face to face.
Eu sei que já pareço um disco riscado (ou uma cassette pirata), sempre a agradecer o tempo que me dispensa... mas, obrigada mais uma vez. :)
Maria