segunda-feira, 28 de agosto de 2023

O ciclista extraordinário em busca do Minotauro de Creta

 Setembro 2022

O ciclista extraordinário fez a viagem no convés do barco. Céu azul e cabelos ao vento. Como o ciclista extraordinário não tem cabelo na cabeça - embora abundante em outras partes do corpo - no dia seguinte ao espelho o ciclista extraordinário reparou que a face e a testa estavam da cor e textura do interior de uma melancia madura. Poderia ter feito a travessia do porto do Pireu para a ilha confortavelmente sentado no salão inferior do barco mas, tendo ido espreitar o convés, o desafio de duas inglesas bem entradas na idade e de sorriso matreiro (Não me diga que vai para baixo? Is this too much for you?") tiraram-lhe o conforto do pensamento (too much for me ladies? Naahh, I´m pretty confortable). Três horas ao sol e ao vento pelo Mediterrâneo adentro, passando por várias ilhas até aquela em que o ciclista extraordinário deveria desembarcar. O ciclista extraordinário perscrutava na sua memória o que ainda restava do livro "Lendas e narrativas da Antiga Grécia" que lera mil anos antes, ainda criança. Este livro encheu-lhe a cabeça de semi-deuses e semi-deusas (sempre muito belas), titãs, ciclopes, enredos e labirintos ... e o minotauro. O ciclista extraordinário lembrava-se bem do minotauro de Creta. E Creta iria estar no horizonte. E, ainda, de cabelos ao vento durante a travessia, embora sem os cabelos, a imaginação do ciclista extraordinário vogava já sobre as ondas mediterrâneas no enredo da versão moderna da lenda: em busca do minotauro ... de bike.

Uma vez desembarcado - entretanto as Inglesas tinham ficado numa outra ilha, não sem antes atirarem um último olhar de despedida - o ciclista extraordinário sentiu-se claramente numa ilha grega (embora nunca antes estivesse estado em ilhas Gregas). Abeirou-se da água, o mar parecia um lago (falta-lhe a força do Atlântico, pensou).


E pôs-se a caminho do sítio onde iria ficar. Às tantas, uma tasca e um muro branco coberto de mantas pareceu-lhe o local certo para uma bela de uma cerveja acompanhada do que houvesse. Ao fundo, sob o último Sol do dia, as montanhas do Peloponeso, o mítico Peloponeso. E o que havia era batatas fritas e fishburguers .. salvou-se a cerveja

Depois foi a história do Nikos. Ainda a caminho do sítio (já o Sol se punha) o ciclista extraordinário deu com a oficina do Nikos. Parede branca, bicicletas à porta e ele magro e tisnado cá fora a lavar uma das bikes.

- Hi !

- Hi !

- I´m João

- I'm Nikos

- How are you Nikos?

- Just great and you?

...

E depois desta troca de galhardetes (já quase amigos) lá fomos ao que interessava ao ciclista extraordinário. O Nikos era de poucas mas muito metafóricas falas. O Nikos alugava bikes, o ciclista experimentou duas ou três e ficou combinado que no dia seguinte pela manhãzinha o ciclista extraordinário estaria ali para pegar na bike e se lançar em busca do minotauro. Não te esqueças do protector solar, disparou o Nikos à despedida (o ciclista extraordinário ainda não se tinha visto ao espelho).

O Sol pôs-se e o ciclista extraordinário ainda a caminho do sítio para ficar. A sensação de estar numa ilha Grega era mais ou menos ... a de estar numa ilha Grega (embora, como disse, o ciclista extraordinário numa estivesse estado numa ilha Grega)



O sítio tinha um cais com um candeeiro na ponta.




No dia seguinte ao pequeno-almoço, o ciclista extraordinário enfardou que nem um alarve e, além disso, arranjou uma bela sandes com tudo o que havia disponível (manteiga, fiambre, queijo, doce, ervas aromáticas, tomate ...) que guardou num saco a tiracolo.
 - Hi Nikos, cá estou como prometido ontem quando aqui passei. A bike está pronta?
O Nikos olhou para mim e atirou: então e o boné?
Pois, horas ao Sol de ilhas Gregas sem boné não era uma boa ideia.
O ciclista extraordinário escolheu a bike e com o Nikos estabeleceu um plano. Ora, a ilha tem apenas uma estrada que faz o perímetro rente ao mar mas em sobe e desce, das baías às montanhas, não há nada que enganar. O ciclista extraordinário percebeu e só lhe ocorreu uma pergunta: Nikos, vou pela direita ou pela esquerda? O Nikos foi peremptório: vai pela esquerda.
O ciclista extraordinário, ainda antes de indicar a route pela esquerda foi à vila procurar um boné. A loja fashion lá da vila tinha bonés de marca. No way. Grande sorte ter encontrado um vendedor local na loja ao lado da peixaria que tinha uns bonés desbotados pelo Sol e com o emblema da ilha. Cinco euros? OK.

As primeiras pedaladas pareciam mesmo dadas numa ilha Grega: azul, pinheiros mansos e uma calma dos infernos. Nada que se parecesse com as falésias alentejanas onde o ciclista extraordinário pedalara já tantas vezes. Por exemplo http://bateoventosopraachuva.blogspot.com/search?q=alentejo





Hey, that's my bike


O ciclista extraordinário continuou o perímetro entre o azul - the warmest colour - e o verde, na expectativa de Creta.



O tempo corria e, às tantas, após uma paragem, na curva da estrada,  surge no horizonte a ilha de Creta. Como se fosse um cetáceo gigante no mar:





Creta e, quem sabe, o Minotauro no horizonte. O ciclista extraordinário ficou ali pasmado a olhar durante muito tempo. Depois, seguiu com a sombra azul de Creta no horizonte.









De vez em quando, havia uns caminhos de terra por onde o ciclista extraordinário se metia, tentando escapar da paisagem "excessiva", em busca de baías escondidas.




Numa das descidas encontrou um tasco e uma pequena praia. Aparece uma lady (que não era das Gregas mais belas que o ciclista já tinha visto). Bom dia, tem cerveja fresca? Tenho. O ciclista extraordinário foi atrás dela, penetrando no escuro do tasco. Ouviu, umas vozes mas não viu ninguém. O tasco tinha uma espécie de frigorífico que deveria estar à volta de 12-14 graus centígrados (e não 4, como seria normal). Que se fod...lixe! 12 graus é morninha mas sempre é melhor que os 30 graus ambiente. Cinco euros por uma cerveja morna mas na pequena baía com vistas para Creta.
Já lá iam umas horas e o ciclista extraordinário atirou-se à bela sandes do pequeno almoço que trazia no saco a tiracolo.





De volta à estrada, o ciclista extraordinário percebeu que o conjunto de casas que vira - casas modestas - deveria ser uma povoação. A única que viu em todo o percurso.



Creta no horizonte, o Minotauro nem vê-lo e o ciclista extraordinário percebeu que começavam a surgir baías com mais frequência e casas com aspecto luxuoso.


 Uma delas com heliporto.


Surgiram duas ou três motoretas com parzinhos e cestas de piquenique e um carro ou dois descapotável (provavelmente de marca muito cara). Tudo muito como num cinema à tarde numas férias de Verão inesquecíveis.  O ciclista extraordinário percebeu que estava a chegar à Vila (a única na ilha) de onde partira, completando o perímetro, e percebeu também porque, logo à partida, o Nikos sugeriu ir pela esquerda; é que pela direita estava a zona das férias paradisíacas para os abastados na vida.

O ciclista parou. Por ali, não se escreveria a lenda da busca do minotauro de bike.

Creta ali, azul. De súbito, um brilho no azul, um fumo branco no azul, um som grave breve ... o Minotauro?




O ciclista extraordinário decidiu voltar atrás, fazer de novo o percurso feito até então. Iria completar duas voltas à ilha. Seria a segunda tentativa para fazer o a avistamento do Minotauro.

O ciclista extraordinário chegou ao Hotel da vila a meio da tarde (deixara já a bike ao Nikos). Estavam à espera dele porque o ciclista extraordinário seria o primeiro orador da reunião que se iria ali realizar. Faltavam cerca de 30 minutos. Os organizadores viram entrar o ciclista suado e sorridente.
- Vou só tomar uma banho já venho, OK?
- Ah, pois sim, com certeza, até já.





terça-feira, 1 de agosto de 2023

Fontes e bicas II

(Tenho para aí dezenas de posts inacabados e não publicados. A maior parte das vezes porque se meteu alguma coisa urgente entre a escrita e o carregamento das fotografias. Isto ao longo dos anos. Começava e não acabava, ou porque pretendia escrever mais ou porque queria carregar mais fotografias não seleccionava "publish". Ficaram marcados como "drafts". Portanto, tenho uma bela colecção de "drafts". Uma espécie de restos arqueológicos. Tendo agora tropeçado neles, porque hão-de ser não publicáveis? Em suma, inicia-se com este post a série dos posts inacabados.)

POST INACABADO. Tanto quanto me lembro a ideia era adicionar mais fotografias de fontes e bicas (um tema recorrente e do qual tenho muitas fotografias). Neste post de 2014 há apenas duas.



SERRA DA LOUSÃ
(Novembro 2014)
Fonte espinho.
Um fonte como deve ser. É uma resistente. Bica em pedra, tudo em pedra, coberta de musgo, e líquenes e fetos, à sombra de castanheiros, na orla da floresta ... uma fonte como deve ser.

Uma fonte tão bela como a Vénus de Milo
O que há é pouca gente a dar por isso.
(o vento também sopra forte aqui)





SERRA DA LOUSÃ
Fonte da Boavista. EN entre Lousã e Góis.
Novembro 2014

Esta é uma instituição: a fonte da Boavista. Data de nascimento inscrita na parede caiada: 1881.
Toda a gente das redondezas com mais do que 70 anos dever ter bebido água nesta fonte em alguma ocasião.






sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Após todos estes anos, um encontro face a focinho durante a brama dos veados

 Setembro 2022

Nos anos anteriores fiz algumas tentativas para registar a brama. Há por aí (no arquivo do blog) umas postas sobre o assunto. Devo ter escrito sobre o som cavo dos machos, bramando na perseguição das fêmeas. Quer dizer, no fundo, elas em grupo, deixam-se perseguir e a brama é um aviso dos machos entre si, Porque, no fundo outra vez, elas é que escolhem. Eles, com as hormonas a inundar o cérebro, desafiam-se e lutam pelo harém. Devo ter também escrito sobre a frustração com que, após a cena em real thing, ouço as gravações que fiz (imagens e som) no telemóvel. Nem fazem jus à coisa e até chateiam. "Que grande merda", tem sido sempre a impressão final.

Desta vez, pedalei serra acima com a cabeça focada em chegar ao lusco-fusco (palavra mais bonita que crepúsculo) à Aldeia da Cerdeira. Bem sei que é por ali que eles andam. Cheguei ao lusco-fusco. Bem, ao lusco-fusco quando a realidade era vista pelos meus olhos. Quando registada no telemóvel parecia que a tarde ia ainda no adro.

E onde fica a Cerdeira?. Fica ali, na encosta em frente:


Deixando de lado as virtualidades criadas pela câmara do telemóvel que, num passe de magia tecnológica, transforma o lusco-fusco da tarde em meio-dia soalheiro (exagerando apenas um pouco), cheguei ao lusco-fusco, usando, como referência, a realidade a que estou habituado.


Na subida à aldeia, uma bela de uma rampa com inclinações acima dos 20%, a respiração ofegante não me impediu de começar a ouvir o bramar de vários machos. Percebi que uns andavam ao fundo, junto à ribeira, mas que outros (um ou dois) andavam logo por ali, perto do caminho à entrada da aldeia.

Pedalei, em silêncio, pelo caminho que leva à aldeia. Olhava para a esquerda, para o lado de onde vinham alguns ruídos de folhagem agitada e uns bramidos roucos atento a qualquer movimento. Com lentes que me deixam distinguir um pedregulho de um javali a 10 m de distância - mas não muito mais do que isso - percebi que andavam por ali algumas fêmeas. Disparei para lá o telemóvel com ampliação no máximo. Ali estava uma.


E ali estavam outras, mordiscando umas ervas despreocupadas mas sempre atentas (já me tinham detectado muito antes de eu ter conseguido vê-las)








Nisto, 

pressinto do outro lado, do lado de baixo, um movimento pelo canto do olho. Duas fêmeas passavam nas calmas com o ar petulante de quem sabe que o macho as seguiria.

Pressentiram-me - têm um radar fantástico (olfacto e ouvido apuradíssimos).






Quando tirei o pé do encaixe metálico do pedal da bike, o clique foi ouvido com estrondo. A mais velha olhou-me, avaliou a situação, sentiu-se segura pela barreira que nos separava


e continuou a pastar nas calmas


atirando-se às folhas do sobreiro (nunca tinha visto as madames a banquetearem-se com folhas de sobreiro)



Percebi, entretanto, que o bramar de um macho estava cada vez mais próximo. Mas do outro lado. Do lado de cima onde tinha visto as primeiras fêmeas. Voltei lá.

A note caía.

Fiquei por ali algum tempo. Ouvia o bramar cada vez mais próximo. O macho estava perto. Ouvia ramos a quebrar e a folhagem das árvores agitadas, provavelmente do roçar das hastes. Percebi que seguia as fêmeas. Mas o caminho tinha obstáculos, sobretudo para quem tem um par de hastes magníficas como os machos. Mas estava próximo. E percebia-se que estava agitado. Já não se via nada, a noite tinha caído. Eu próprio estava agitado. Já se me estavam a eriçar uns pêlos. Pressentia que, após todos estes anos, estava quase quase face a focinho com um dos machos. Estava na orla da floresta. Seguramente que ele me pressentia e, sobretudo, percebia que eu estava próximo das fêmeas. Como é que se explica a um macho carregado de hormonas até às orelhas que não estamos interessados no seu harém? Talvez miando, tentando passar por gato. Sem ver  a ponta de um corno (literalmente) liguei o vídeo e apontei o telemóvel para a frente, para a escuridão (o telemóvel conseguiu captar luz suficiente para se perceber a paisagem) , e esperei.

(paciência e som no máximo; ouvem-se galhos a quebrar, sons de aves e bramidos)


aproximei-me um pouco 


Um friozinho subiu-me pela espinha acima. Tenho que me pôr a andar, I've got the message: sai daqui pá, deixa-me as fêmeas em sossego antes que estejamos a trocar galhardetes, ou melhor, a entrelaçarmos cornos (ele poderia estar  confundir o guiador da bike com um par de cornos).

Serra abaixo às escuras a destilar os nervos acumulados na cena de minutos atrás.















quinta-feira, 30 de junho de 2022

O vento não sopra lá fora

 Primavera de 2022

Durante as pedaladas pelas serranias o vento não sopra lá fora. Sopra na pele como sopra nas folhas das árvores. Trepando a uma árvore em dias de ventania ("desporto"a que o ciclista extraordinário se dedicava há mil anos atrás - há lá coisa mais interessante para fazer numa manhã de ventania forte do que estar a 15 m do chão, abraçado a um salgueiro que oscila ao vento !), agarrado a um galho na árvore oscilante, o vento não sopra lá fora. O mesmo na bike. Mas estas coisas só praticando.

O ciclista extraordinário pedala à bolina contra o vento. Aprendeu com Bartolomeu Dias: profere umas expressões tabernáculas, insultando a mãe que pariu o vento, por exemplo, cerra os dentes, desfralda as velas e mantém o rumo. Quer dizer, isto é o ciclista extraordinário a imaginar o Bartolomeu Dias a caminho do cabo da boa esperança, das tormentas para ele. O Bartolomeu, à segunda vez, na frota do Cabral, enquanto este virou pra Oeste a caminho de terras de Vera Cruz, o Dias disse-lhe adeus e virou para Este, mas ficou lá, não dobrou o cabo que para ele foi das tormentas e não tanto de esperança.

Ora, voltando à serranias da Beira, como qualquer vento que se preze, o vento do Sul soprava forte. Como é sabido o vento nasce dos vários pontos cardeais e daí toma o nome. Pois claro, então a rosa-dos-ventos é o quê? A rosa neste contexto é o que menos interessa. Poderia substituir-se "rosa" por "roda".

Aos 700m, a zona em que a serra é devassada com a substituição dos pinheiros bravos por eucaliptos, a ventania instalou-se, naturalmente. Pedalar neste turbilhão com um sorriso na cara é um estado que demora algum tempo a aprender.


Isto aos 700m, aos 1200m com o cenário composto pelo planalto da estrela na linha do horizonte e o picoto da Cebola (o cone perfeito, o adamastor da serra do Açor) a servir de "partner" (lido à portuguesa como partenér) o ar piava mais fino, menos ruidoso mas mais infiltrante pela pele adentro.



De alguma maneira, uma maneira que o ciclista extraordinário não percebia muito bem, o vento dissipava os pontos cardeais. Seguindo uma das regras fundamentais das pedaladas em montanha, se queres voltar ao vale talvez seja boa ideia começares a descer, o ciclista extraordinário fitou o vale lá em baixo e pedalou serra abaixo. O vento ia sossegando. Por alturas da fonte espinho, na floresta cruzada por riachos belos, limitados por pedras cobertas de musgo, o ciclista extraordinário puxou mais uma vez pelo telemóvel para fazer mais um videozinho. O marulhar das folhas das bétulas sob o vento que se tinha transformado em brisa e num cenário sonoro marcado pela água que corria nos riachos.



Outro, mas com adeus no fim.






quinta-feira, 31 de março de 2022

navegar nos soutos aos mil metros, mil metros frios, e o companheiro furtivo

 Fevereiro 2022

À primeira sensação parecia tudo parado: o ar finíssimo, ar que se sente nos olhos, a luz fria e brilhante, as folhas de inverno quietas nas árvores, apenas uns estalidos aqui e ali não sei bem de que origem.  O ciclista extraordinário por ali fora num pedalar fugidio, a navegar sem vento pelos soutos fora aos mil metros de altitude. Tal o ambiente que o ruído das rodas da bike era ensurdecedor.




Um pedalar fugidio de narinas abertas ao ar frio. A  respiração do ciclista extraordinário condensada, que é como quem diz que a energia cinética das moléculas expiradas diminuía a olhos vistos.




E, pensava o ciclista extraordinário, bem que podiam diminuir (a energia cinética das moléculas expiradas) não ali, num souto na península Ibérica mas logo ali ao lado (visto de Júpiter é logo ali ao lado) num bosque de um país chamado Rússia

(Floresta na Rússia)

ou no de um país chamado Ucrânia.


(Floresta na Ucrânia)

Mas era ali, no souto ibérico.


Na orla do souto, antes de o ciclista extraordinário se lançar na descida serra abaixo, o caminho levou-o pela floresta, por entre os majestosos e clorofílicos cedros. O troncos coberto de musgo a fazer a fotossíntese (que é como quem diz a colher a luz do Sol), imperfeita como todos os processos biológicos, deixando escapar parte da energia da luz recém chegada d uma viagem de 150 milhões de quilómetros e, por isso, a fluorescência (a luz que emana) dos troncos.



Logo depois de ter estado a olhar para cima, rente aos troncos, o ciclista extraordinário percebeu o vulto que se esgueirava por entre as árvores.


O companheiro imaginário das voltas pela floresta. Por entre as árvores, escolhendo cuidadosamente o sítio onde colocar cada pata, que pousa lentamente no chão num balanço como se fosse uma folha caída da árvore, olhar de soslaio, fazendo-se distraído, mas atento. Cachaço curvado à medida que caminhava, estacou a 10 m e levantou a cabeça, altivo. Era uma saudação.





terça-feira, 1 de março de 2022

A natureza da luz do dia quando se faz noite

2022

A luz criada no sol é projectada no espaço e, por acaso, 150 milhões de Km depois, num pequeno planeta - a pale blue dot -  incide no espelho de água do Dnieper, o rio que nasce na Rússia e atravessa Kiev na Ucrânia, tornando-o belo.


A mesma luz incide nas encostas da serra da Lousã sobre a aldeia de xisto da Cerdeira, tornando-as surpreendentes.

(notar a Lua)

O Dnieper e a serra da Lousã fazem parte do pale blue dot. Our home! E o Dnieper e a serra da Lousã são tão belos como a Vénus de Milo mas, pelos vistos, como diria o "outro", há é pouca gente para dar por isso.


O Sol punha-se, como quem diz que a Terra rodava. Kiev e Moscovo estavam já às escuras quando parte da energia da luz era absorvida nas encostas da serra da Lousã, deixando ver as cores que sobravam. E era surpreendente. Na Cerdeira, outra luz, luz criada em filamentos aquecidos com energia gerada em centrais hidroeléctricas que, se formos por aí fora, iremos desaguar (não no mar negro) na energia da luz que é criada no Sol.



Estava por ali sabendo que a descida iria ser feita às escuras. Enquanto olhava, a Terra ia rodando mais um bocadinho.  A luz do Sol incidiria em Washington mas à serra da Lousã, tal como acontecera já em Kiev e Moscovo, faltaria em breve.









Durante a subida, embora emoldurado pelo amarelo intenso das mimosas, tivera a percepção da surpreendente cor da encosta lá ao alto, aos 1200m.







Um pouco antes, ao início do vale da ribeira de S. João, onde se ergue o castelo da princesa Peralta, era o azul.










E mais nada para contar deste canto do pale blue dot. A não ser, talvez, recordar uma música que, pelos vistos, emociona muita gente mas cujas palavras, também pelos vistos, passam despercebidas. Era nisto que pensava quando, na descida, encostei a bike para ver a Terra rodar mais um bocadinho de modo a esconder o Sol.



A música? Transcrevo apenas a letra:

Imagine there's no heaven
It's easy if you try
No hell below us
Above us, only sky

...

Imagine there's no countries
It isn't hard to do
Nothing to kill or die for
And no religion, too

...

Imagine all the people
Sharing all the world, ... isto é, o pale blue dot

...