quarta-feira, 26 de junho de 2019

Pedaladas rente aos palácios da Renascença

Ferrara, Itália, 2019


Já iam quase dois dias, dois dias quentes com temperaturas altas, de noite e de dia, sempre acima dos 30 graus. E pedaladas nada. Ferrara no Norte de Itália, cidade património da Humanidade pela Unesco, um pouco a Norte de Bolonha, palácios renascentistas por onde andava de teatro em auditório, de jardim em escadarias numa azáfama profissional, ruas estreitas, empedrado no chão e barro de cor ocre nas casas, bicicleta como meio de transporte de novos e velhos, damas e cavalheiros, bem vestidos e andrajosos, pequenas esplanadas com gente divertida (sobretudo à noite) ... Ferrara é uma cidade pequena, e falo da zona medieval apenas, para saborear com calma. Fazendo uma visita turística de uma tarde perde-se o sabor do ambiente. É preciso entrar no ritmo da vida quotidiana; a praça vazia pela manhã que, à tarde, se enche de pessoas em passeio e em conversas à volta de um copo de vinho, uma rua pacata que num dia se transforma num mercado buliçoso (um dia, à saída do meu hotel, estava uma feira de roupa e tive que desviar um par de cuecas penduradas num fio para, à saída do hotel, atravessar a rua), umas portas de madeira enormes de um casarão que se abrem furtivamente, deixando ver jardins, um edifício longo numa rua empedrada que se percebe que é a Universidade onde, provavelmente, estudou Copérnico (antes de ter regressado a Cracóvia, por onde também já pedalei e onde vi o rabisco no livro de Copérnico que mudou o mundo; uns círculos concêntricos representando as órbitas dos planetas do sistemas mas ... com o Sol no centro). E, assim de rajada, sem respirar, estas ideias servem de introdução (contexto?) às fotografias.

Ou são simplesmente Wond'ring Aloud ? E, de súbito, chegam-me memórias deste maluco que tocava flauta e cantava no mesmo fôlego; Ian Anderson. Era, na altura, considerado uma das melhores vozes do rock (tal como o outro Ian, o Ian Gillan dos Deep Purple). Lembro-me exactamente da primeira vez que o ouvi. Íamos numa excursão do liceu. As excursões de liceu eram um acontecimento extraordinário. Todos no autocarro (camioneta, como lhe chamávamos) aos berros, a cantar, levantados, uns para aqui, outros para ali, um caos, ninguém pensava em segurança. No meio daquilo, o meu amigo Firmino, mantendo o seu ar fleumático, ia a ouvir música num gravador de cassetes como se estivesse num outro local. Não me lembro bem como mas passou-me o gravador para eu ouvir. Ainda hoje tenho na memória o choque que senti ao ouvir aquela música: "Aqualung" (do album com o mesmo nome) dos Jethro Tull


Jethro Tull (Aqualung)

O meu hotelzinho (quase de charme) onde, um dia, entre as esplanadas, estava uma barraca que vendia cuecas tamanho XXL penduradas em cordões mais ou menos à altura da cabeça.
Suspeito que, que muito provavelmente, as bikes não foram lá colocadas por minha causa.


Logo ali na esquina abria-se a praça central, a Piazza Trento e Trieste,


local de tertúlias onde os bancos não faziam falta





E na tarde do segundo dia lá consegui alugar uma bike. Mapa no cestinho à frente e siga por entre os palácios, cruzando as praças parando em pequenas esplanadas para hidratar (if you know what I mean) 

Há alguma coisa estranha ! Será chuva, será gente, mas há pouco poucochinho nem uma agulha bulia na quieta melancolia ... aaahhhh nas ruas as pessoas deslocam-se a pé e de bicicleta! É isso !



Hey, that's my bike !


O castelo Estense no meio da cidade medieval com um sistema de segurança eficaz: um fosso à volta cheio de água.


 Chic, très chic


Também very chic mas numa outra dimensão, digamos assim. Pois, é que as compras na feira que por magia foi montada na praça principal também se fazem de bike 


E note-se o detalhe ... do sapatinho, bem entendido


E, como isto é um blog sobre bicicletas, não resisti a outra fotografia de outro ângulo para se apreciar melhor a dimensão. Isto é, a dimensão do salto do sapato e a técnica que é necessária para apoiar toda a estrutura no pedal, mantendo o equilíbrio.



Dos palácios renascentistas e das praças empedradas com madames de salto alto em cima de bikes, sob o Sol quente da Emilia Romagna, voltei, um dia depois, à mist covered mountain



às neblinas que cobrem a floresta aos mil metros.


Dos ocres de Ferrara passei aos verdes da Beira


Dos candelabros pendurados nos tectos dos palácios




aos esquilos pendurados nas árvores.



Outras pedaladas !

sábado, 15 de junho de 2019

O Rally passou por aqui. E, como alguém dizia, não havia necessidade porra.

Serra da Lousã
Maio 2019

Obviamente, o estradão a meia encosta da serra que atravessa soutos onde corços, veados, aves, esquilos ... fazem a sua vida, foi escolhido para que os pilotos pudessem desfrutar das belas paisagens, observar os animais, ouvir o canto das aves e a música dos riachos, e deixar-se deslumbrar pela beleza das  árvores. O mesmo se aplica ao público. Milhares de pessoas ali se concentraram atraídas pela beleza do local, pese embora as nuvens gigantes de pó que não deixavam ver um palmo à frente do nariz, quanto mais a copa das árvores. E, sobretudo, porque longe dali, no vale, em zonas deflorestadas, não havia por lá estradões onde o Rally pudesse passar com reduzido impacto ambiental.

Cá está um pedaço do troço, na parte designada tecnicamente por "zona rápida". Naturalmente que todo o ecossistema, incluindo insectos, aves, pequenos mamíferos etc se divertiu imenso com as nuvens gigantes de pó (já para não falar das folhas das árvores que precisam de fazer a fotossíntese) e com os roncos dos motores ...não arredando pé dali, daquela zona. As fotografias foram tiradas 15 dias antes da passagem do Rally. Hoje a zona está silenciosa. Insectos, aves e etc devem ter iniciado a sua migração anual em direcção à Antárctida que ali, na floresta, no Verão faz muito calor.




Uma vez que no dia do Rally as estradas de acesso à meia encosta estavam fechadas a partir da Vila, muitos jipes tentaram o acesso aos troços pelo lado de cima, pelo cume da serra, indo à volta. Fizeram-se até marcações e colocaram-se placas. Portanto, a confusão instalou-se numa grande área em toda a encosta Norte da serra.
Cá está um dos acessos, logo acima do troço onde passaram os carros mostrado nas fotografias anteriores.

 e outro


e outro



e outro. Logo ali, um pouco mais à frente, encontrei uma placa de metal cravada no chão com a indicação de "ponto de encontro". Pareceu-me adequado. Em vez de uma mensagem do tipo: pessoal, arrancamos por ali abaixo e, depois do pequeno bosque sombrio de abetos onde luz mal atinge o chão, corta-se à esquerda até cruzar um riacho onde às vezes os veados vão beber. Depois seguimos e quando começarem a ver as belas Bétulas e, já agora, se desligarmos os motores ou não os forçarmos a roncar com intensidade, talvez tenhamos a sorte de observar alguns esquilos que por ali costumam andar. O ponto de encontro é logo a seguir junto aos pequenos carvalhos e castanheiros. Mas não, em vez da mensagem, como se estivéssemos num cruzamento movimentado de uma cidade, espeta-se ali um ferro com uma placa de metal e já está. Muito mais prático. E, além disso, a malta não sabe distinguir uma bétula de um castanheiro e, como na serra não há rede net, era uma merda não poder checkar no telemóvel a diferença entre bétula e esquilo (ou era castanheiro?).




Parece, pois, inquestionável que estes são os lugares mais adequados para se vir acelerar.  Sobretudo, como disse, porque lá em baixo no vale, há estradões com curvas e depressões, locais excelentes para Rally mas não têm a exuberância paisagística que extasia, que enleva pilotos e público.


Dada a taxa de extinção de espécies, de destruição de ecossistemas e da perda de biodiversidade actuais, com consequências imprevisíveis para a nossa mas sobretudo para as gerações futuras, todas as acções contam. Ah e tal, daqui por uns meses volta tudo ao mesmo, a floresta recupera, os animais voltam, os ecossistemas reconstituem-se, blá, blá,, blá e se amanhã não chover é capaz de fazer Sol, dirão alguns com a leveza de pensamento de quem nunca ouviu falar da dinâmica dos sistemas complexos. É que, paradoxalmente, há hoje a preocupação com a prevenção de incêndios na florestas e, no entanto, o impacto negativo provocado por estas actividades parece ser genericamente aceite.

domingo, 9 de junho de 2019

The Earth from below, uma ou duas vezes de lado e outra above from below

Junho 2019

E depois da Earth from above, o ciclista extraordinário completa a trilogia com Earth from below e uma ou duas vezes de lado. E, ainda, um above from below.

Para observar a Terra from below, com os pés bem assentes, olha-se para cima. E esta ideia, aparentemente tão simples, é bizarra para muitos.







Esta é uma excepção. É from above mas a 1 m de altitude.


À beira do caminho, a meia encosta, um fio de água que corre pela ponta de uma pedra fazendo uma bica (onde o ciclista extraordinário saciou a sede com vistas para o mar)


Com vistas para o mar, pois claro! O traço brilhante que se vê na linha do horizonte acima das dedaleiras do centro é o mar (na região da Figueira da Foz).



Esta é from above mas por below, como é bom de ver.



E, como este é um blog about bikes:
From below com bike


e sem bike



Outra excepção: esta de lado


E, quando se acaba a floresta,



 umas pedaladas adiante, abrem-se os horizontes. E aqui já estamos from above, fechando o círculo.





sexta-feira, 7 de junho de 2019

Earth from above ou ver para crer



O fotógrafo Yann Arthus-Bertrand tem várias colecções de fotografias intituladas (mais de 60 livros publicados): Earth from above.
Anda há dez anos a pairar umas centenas de metros acima do solo em balões, helicópteros e outros dispositivos voadores, com a máquina fotográfica apontada para baixo.

Algumas fotografias de desertos:

Uma única árvore no Tsavo National Park in Kenya


Troncos de árvores abatidas, flutuando no rio Amazonas (esta não é de um deserto mas, atendendo à velocidade da deflorestação, a região caminha a passos rápidos nessa direcção).


Cabanas  de povos africanos do deserto, evidenciando as cercas de protecção


Camelos no deserto


Uma povoação no deserto


Desta não consegui a descrição


Montanhas desérticas


Vila de Araouane, Norte de Timbuktu, Mali


Deserto no planalto da serra da Lousã, evidenciando as ruínas das cabanas usadas pelos provos primitivos que aqui habitaram há cerca de 5000 anos e, sobretudo, o complexo sistema de canais de irrigação por eles construído.



Viciando o cérebro em alguns padrões é fácil associar novos padrões à mesma ideia mesmo não estando com ela (a ideia) relacionados. É muito fácil enganarmo-nos a nos próprios, em suma. Vi com os meus olhos, dizem uns. Pois, mas era outra coisa! Ver para crer? Talvez seja mais interessante pensar em ver para duvidar.