Já iam quase dois dias, dois dias quentes com temperaturas altas, de noite e de dia, sempre acima dos 30 graus. E pedaladas nada. Ferrara no Norte de Itália, cidade património da Humanidade pela Unesco, um pouco a Norte de Bolonha, palácios renascentistas por onde andava de teatro em auditório, de jardim em escadarias numa azáfama profissional, ruas estreitas, empedrado no chão e barro de cor ocre nas casas, bicicleta como meio de transporte de novos e velhos, damas e cavalheiros, bem vestidos e andrajosos, pequenas esplanadas com gente divertida (sobretudo à noite) ... Ferrara é uma cidade pequena, e falo da zona medieval apenas, para saborear com calma. Fazendo uma visita turística de uma tarde perde-se o sabor do ambiente. É preciso entrar no ritmo da vida quotidiana; a praça vazia pela manhã que, à tarde, se enche de pessoas em passeio e em conversas à volta de um copo de vinho, uma rua pacata que num dia se transforma num mercado buliçoso (um dia, à saída do meu hotel, estava uma feira de roupa e tive que desviar um par de cuecas penduradas num fio para, à saída do hotel, atravessar a rua), umas portas de madeira enormes de um casarão que se abrem furtivamente, deixando ver jardins, um edifício longo numa rua empedrada que se percebe que é a Universidade onde, provavelmente, estudou Copérnico (antes de ter regressado a Cracóvia, por onde também já pedalei e onde vi o rabisco no livro de Copérnico que mudou o mundo; uns círculos concêntricos representando as órbitas dos planetas do sistemas mas ... com o Sol no centro). E, assim de rajada, sem respirar, estas ideias servem de introdução (contexto?) às fotografias.
Ou são simplesmente Wond'ring Aloud ? E, de súbito, chegam-me memórias deste maluco que tocava flauta e cantava no mesmo fôlego; Ian Anderson. Era, na altura, considerado uma das melhores vozes do rock (tal como o outro Ian, o Ian Gillan dos Deep Purple). Lembro-me exactamente da primeira vez que o ouvi. Íamos numa excursão do liceu. As excursões de liceu eram um acontecimento extraordinário. Todos no autocarro (camioneta, como lhe chamávamos) aos berros, a cantar, levantados, uns para aqui, outros para ali, um caos, ninguém pensava em segurança. No meio daquilo, o meu amigo Firmino, mantendo o seu ar fleumático, ia a ouvir música num gravador de cassetes como se estivesse num outro local. Não me lembro bem como mas passou-me o gravador para eu ouvir. Ainda hoje tenho na memória o choque que senti ao ouvir aquela música: "Aqualung" (do album com o mesmo nome) dos Jethro Tull.
Jethro Tull (Aqualung)
O meu hotelzinho (quase de charme) onde, um dia, entre as esplanadas, estava uma barraca que vendia cuecas tamanho XXL penduradas em cordões mais ou menos à altura da cabeça.
Suspeito que, que muito provavelmente, as bikes não foram lá colocadas por minha causa.
Logo ali na esquina abria-se a praça central, a Piazza Trento e Trieste,
local de tertúlias onde os bancos não faziam falta
E na tarde do segundo dia lá consegui alugar uma bike. Mapa no cestinho à frente e siga por entre os palácios, cruzando as praças parando em pequenas esplanadas para hidratar (if you know what I mean)
Há alguma coisa estranha ! Será chuva, será gente, mas há pouco poucochinho nem uma agulha bulia na quieta melancolia ... aaahhhh nas ruas as pessoas deslocam-se a pé e de bicicleta! É isso !
Hey, that's my bike !
O castelo Estense no meio da cidade medieval com um sistema de segurança eficaz: um fosso à volta cheio de água.
Chic, très chic
Também very chic mas numa outra dimensão, digamos assim. Pois, é que as compras na feira que por magia foi montada na praça principal também se fazem de bike
E note-se o detalhe ... do sapatinho, bem entendido
E, como isto é um blog sobre bicicletas, não resisti a outra fotografia de outro ângulo para se apreciar melhor a dimensão. Isto é, a dimensão do salto do sapato e a técnica que é necessária para apoiar toda a estrutura no pedal, mantendo o equilíbrio.
Dos palácios renascentistas e das praças empedradas com madames de salto alto em cima de bikes, sob o Sol quente da Emilia Romagna, voltei, um dia depois, à mist covered mountain
às neblinas que cobrem a floresta aos mil metros.
Dos ocres de Ferrara passei aos verdes da Beira
Dos candelabros pendurados nos tectos dos palácios
aos esquilos pendurados nas árvores.
Outras pedaladas !