sábado, 13 de fevereiro de 2021

Depois da neve vem a chuva, como bem sabe quem vive por estes lados.

2021

Depois da neve veio a chuva. E quem mora por estes lados sabe que pelas encostas da serra correm mil riachos. Por aqui, por ali, contornando pedras e árvores, encontrando caminho serra abaixo. E sabe que a serra se enche do som dos riachos e de neblinas nos vales e de aromas húmidos, de voos rápidos de aves que tentam encontrar abrigo e de árvores que caem, de terras que deslizam, de brisas inesperadas sem direcção definida, do escurecer precoce a meio da tarde. Sabe estas e outras coisas. Por exemplo, uns sabem que as células são sistemas termodinâmicos abertos que trocam matéria e energia com o meio ambiente, outros conhecem os comprimentos de onda em que a clorofila absorve radiação e que a Voyager 1 está fora do Sistema Solar. Outros ainda a relação dinâmica e complexa dos homo sapiens com os outros seres vivos, o número de Avogadro de moléculas e o que é uma supernova. Há quem saiba que olhar o céu estrelado à noite é uma viagem ao passado e como funciona a vacina de RNA ou o que é o receptor ACE2. Há os que conhecem o Teorema de Pitágoras e o chilrear dos pintassilgos, que sabem encontrar míscaros nos pinhais durante o Outono e descrever o que Giordano Bruno disse, há 500 anos, sobre o Universo. Uns, ainda, sabem da sonda Curiosity que anda pela superfície de Marte há vários anos, do que Lavoisier disse sobre  teoria do Flogisto e que as mimosas florescem em Fevereiro na serra. E  há aqueles que sabem que o aroma da giesta molhada é tão belo como a Vénus de Milo.



















Outros sabem que falar de “raça” não tem qualquer significado biológico porque aprenderam que, na sequência do trabalho de naturalistas no sec XVIII (entre os quais Linnaeus), que andavam fascinados em agrupar humanos com aparência distinta em função da geografia, David Hume, Kant e outros filósofos pegaram nesta diversidade física para concluir que o excesso de Sol e calor extinguia o “potencial humano” e daí as nações civilizadas complexas seriam as dos brancos !!! Portanto, bem sabem os que por aqui se entretêm a ouvir a água caudalosa por entre as pedras do leito dos riachos, que “raça” é uma ideia estúpida – que não tem lugar em Ciência - porque tem uma conotação hierárquica.










Há outros que gostam dos aromas húmidos de líquenes e plantas, nas pedras e nas árvores e que não percebem como o "crescimento económico" foi elevado à categoria de mantra, de um objectivo último da vida, de verdade indisputável, como se de uma lei física Universal se tratasse. E que acham que pouca gente pensa nisso, sobretudo nas consequências predatórias que este objectivo tem no mundo natural de que fazemos parte. E que o aparente (mas sobretudo transitório em termos geracionais)  bem-estar que proporciona é limitado a uma pequena parte da humanidade. Muito pequena. 





Há também quem saiba como o oxigénio produzido na fotosíntese pelos fetos e musgo nos troncos da árvores (nuas, porque se tivessem folhas verdes poder-se-ia acrescentar aqui as folhas) é utilizado no nosso organismo e que a larga maioria das moléculas de oxigénio que inspiramos fazem uma longa viagem até se ligarem a uma proteína nas mitocôndrias, a citocromo c oxidase, e aí terminam a viagem formando água, literalmente. E também sabem que o oxigénio pode ser tóxico e que mata as células



A neblina que esconde os riachos, abafa e esconde o som e alguns dos que por aqui passam e se demoram a olhar a o ribeiro sabem que os átomos dos quais somos feitos foram fabricados nas estrelas há milhares de milhões de anos. Somos antigos e estáveis na Física mas novos e efémeros na Biologia. E que alguns deles (átomos) fizeram já parte de outros seres vivos aqui na Terra e que ... claro ...  está-se mesmo a ver ... os átomos que agora se organizam no ser vivo que se extasia com a água que corre no ribeiro farão parte de outros seres vivos no futuro.





E muitos sabem que suas todos estes riachos confluem na ribeira de S. João. E que a ribeira fica caudalosa. E que junto à beira se sente nos ossos a força, a dinâmica e o turbilhão à frente dos olhos 
































Há quem tenha dado conta que as mimosas florescem cada vez mais cedo. E, vendo-as floridas, acendem-se memórias com mil anos, memórias de Siddharta contemplando o rio.








domingo, 7 de fevereiro de 2021

A hora do Yeti

 Fevereiro 2021

(Serranias da Beira)

Planalto da serra, 4 graus centígrados, duas da tarde, mil metros de altitude. Nevoeiro cerrado. The mist covered mountain. Horas por ali sem ver vivalma de duas ou quatro patas, de duas ou quatro rodas. Nevoeiro cerrado. A road to nowhere. A tremenda beleza da abóbada fractal tecida pelos ramos das árvores. De vez em quando chegavam ruídos; árvores que inclinam ao vento? habitantes de 4 patas? ...? Mas nada via a não ser o horizonte próximo desfocado. Era a hora do Yeti.




E o Yeti ia de bike.