domingo, 23 de setembro de 2018

Todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades

Setembro 2018

Séculos antes dos Max, o Max Born e o Max Planck, Camões formulou de uma maneira que toda a gente entende a primeira lei da termodinâmica (a lei da conservação da energia - a energia de um sistema isolado é constante, pode transformar-se em diferentes formas mas não pode ser criada ou destruída).

Manhãzinha a sair do quarto para o pequeno-almoço. Caraças parece que vai chover.


Quando abri a janela, ainda não eram 7 da matina, e já andava o pessoal a correr aqui de um lado para o outro. Às tantas já está toda a gente de volta do breakfast. Ali a porta e subir ao primeiro andar, ao dining hall.



Sentei-me onde havia lugar. Alça-se a perna e toma-se assento no banco comprido. De cada vez que nos levantamos para ir buscar café, pão, whatever ... desalça-se, ou seja, alça-se em sentido contrário para sair (isto não só para os gentlemen mas também para as ladies). Aliás, eu estava na expectativa para ver como as madames se iriam desenvencilhar para se sentarem no banco comprido. Mas, como sempre, muito melhor que os cavalheiros. A maioria das ladies fazia aquilo com graça e elegância, contrastando com a ginástica do puxa a perna com as mãos e respira ofegantemente que os cavalheiros mais anafados eram obrigados a fazer.

Subi ao primeiro andar e, indeed, apesar da hora matinal eu já era dos últimos (mas este gajos não dormem?)



Lá me instalei no banco corrido para o pequeno-almoço.



Feijões estufados em molho de tomate, bacon frito, duas pazádas de ovos mexidos, duas salsichas assadas, uma fatia de pão torrado e dois baldes de café. Em Roma como os Romanos, é o meu lema. Leite, sumo de laranja, queijo, croissants, iogurte ... etc, nem lhes toquei. O estômago um bocadinho dilatado até deu jeito para a gravata cair sobre o abdómen em vez de parecer meramente pendurada no pescoço.

Voltei lá ao jantar. Mas a pressa de chegar ao dia seguinte faz-me saltar para aqui, para o planalto aos mil metros na serra da Lousã, e às pedaladas para Sul




e para Norte



Antes de chegar tinha parado na fonte do Candal, sob a figueira


e sobre ribeiro onde de onde retirei 1 litro de água para o meu cantil


De vez em quando, confesso, à medida que me metia pela floresta,


vinha-me à memória o jantar da noite anterior em HOGWARTS.


O vinho foi uma bela surpresa. Branco e frutado. Ora merda, e eu que prefiro os brancos secos - foi o meu primeiro pensamento. Mas, oh que sabor inesperado e invulgar, um vinho que "sim senhor" (para evitar a crítica erudita e os laivos de feno cortado com erupções de maçã seca e etc): Esk Valley Sauvignon Blanc, Marlborough 2016 (da Nova Zelândia). Fantástico.

Mas a vida é feita de mudança e hoje é dia de pedaladas na floresta


na floresta aberta em que o Sol se mete, alimentando arbustos e ervas rasteiras



 e na floresta das grandes árvores que filtram a luz, escurecendo o chão



Ontem de cabeça no ar em Hogwarts, hoje com os pés (as raízes) no chão da floresta


furtivo, sozinho, por entre as árvores,


seguindo o rasto fresco de uma manada de veados



tão naturalmente com no jantar em Hogwarts, acompanhado por gajos (e ladies) que surfam a onda do conhecimento, olhando para o outro lado, para o mar desconhecido, vendo o que ninguém ainda viu.

A vida é composta de mudança, tomando sempre novas qualidades.

E, já agora, Soledad do mestre Piazzola (som mauzito mas who cares)











quarta-feira, 12 de setembro de 2018

As últimas antes da invernia, da chuva puxada a vento ...

Serra do Açôr
Setembro 2018


... pensava eu. Foi ao contrário. Mas comecemos na véspera, ao anoitecer.

Um vento fino à superfície, a luz do anoitecer, os aromas a lodo e urze típicos da barragem, do grande lago a 700 m de altitude. Pouco mais que isso. Ao fundo, as cumeadas do Açôr cobertas por uma névoa branca. Cumeadas que percorreria de bike no dia seguinte sob Sol e chuva numa sequência improvável e, ao centro, no horizonte, quase invisível, o maciço central da Serra da Estrela.


Na manhã seguinte, o Sol quentinho puxava a que me despachasse antes que se fizesse tarde para pedalar sem pressas, com genica, que eu não gosto nem de pedaladas lerdas nem que a meia dúzia de neurónios na zona do cérebro que hiper desenvolvemos na actividade profissional - aquela zona que nos conta os minutos e está permanentemente a chamar a atenção para nos despacharmos porque temos um compromisso a seguir e mais um conjunto de merdices para fazer - me estrague as pedaladas, inibindo-me de ir por ali ou por além porque se faria tarde.



As subidas têm que ser duras e feitas pedalada a pedalada para que as cumeadas saibam bem. Sabe bem chegar. Assim temos a ilusão de que conseguimos alguma coisa.



Aos mil e tal metros, na cumeada Sul sobre o vale do rio Ceira - ah como eu gosto deste sítio - olho pela milionésima vez como se fosse a primeira o picoto da Cebola.


O cone à direita pica aos 1400m e, por trás, ao centro, sob as nuvens, o maciço central da Estrela aos 2000m. Mas hoje não é dia de subir ao picoto.
Hoje é dia de pedalar por aqui, por estes caminhos de pedras de que tanto gosto



 e lambuzar-me a encher a barriga de amoras. Comi à fartazana. Às tantas, algumas souberam-me um pouco ácidas e aromáticas. Não me digas que ...! Nestes silvados pejados de amoras ( e a mesma regra se aplica noutros frutos que encontramos pelo caminho) deve seguir-se uma regra de ouro (outra das leis do BTT): apanhar apenas as amoras que se encontrem a uma altura razoável e sobretudo no meio do silvado onde um javali, um veado, cão vadio, raposa, gineta e outros, alçando a perna para se aliviarem, não atinjam com o jacto líquido. Na ânsia de apanhar amoras devo ter-me descuidado e apanhei algumas mais rasteiras ali à mão de semear (para mim) e de alçar a perna (para um javali). Em todo  caso, fosse o que fosse era seguramente biológico ! Urina biológica de javali deve ser um petisco para o nosso microbiota intestinal; uma refeição suculenta, bem regada e nutritiva para a bicharada que nos habita.


(cá estão elas, as amoras)

Algumas nuvens acastelavam-se. O céu azul da há umas horas atrás estava a cobrir-se de cinzento. Durante a subida, o Sol luminoso mostrava bem a aridez da paisagem após o incêndio de Outubro passado. Outrora cobertos de árvores, os montes hoje estão nus. Ou quase. Até onde a vista alcança.





Já antes, ao terminar a subida, junto ao marco geodésico, de onde a imensa barragem parece um laguito para sapos, notara os castelos de nuvens





Já tinha poucas dúvidas; vinha aí uma borrasca. O vento arrefecera ligeiramente e o horizonte a Sul,  lá mais em baixo, manchado de negro na vertical dizia-me que chovia a potes. Horas de me pôr a andar.


Na descida iria contornar a borrasca pelo lado Oeste mas, bem o sabia - é uma coisa que me está nos ossos; sei, sem fazer esforço, em qualquer local, de onde sopra o vento, onde nasce o Sol ... - o vento estava de Este e, portanto, mais cedo ou mais tarde estaria em cima de mim. Lá ao fundo, iria virar à esquerda, para Este, para debaixo do céu negro.



O Sol e o ar ameno aqui aos mil metros não deixa perceber muito bem o que se passa lá em baixo. Lá ao fundo junto à barragem para onde terei que pedalar to get back home. Aqui compreende-se a chuva; estou ao nível das nuvens e vejo as cortinas de água que, das nuvens, varrem a terra lá em baixo. Quando lá estiver, também a ser varrido, a levar com ela em cima, terei, seguramente, uma outra visão das coisas. Enquanto que aqui me deslumbro, esboço um sorriso e solto uns suspiros de prazer, lá em baixo, most likely, proferirei umas imprecações tabernáculas sobre a chuva e a respectiva mãe e sobre a minha condição sexual momentânea, if you now what I mean. No mínimo. Curioso isto.







A descida foi feita a cerca de 70Km/h. Olhar fixo em frente, trajectórias cuidadas, tenso, atento, um dedo no travão de trás - como se isso servisse para alguma coisa - bike bem apertada entre os joelhos, um fiozinho frio nas costas mas, ao mesmo, tempo, uma bela de uma sensação. Ia numa corrida contra os lençóis de chuva. Varriam já uma extremidade do grande lago e eu iria passar na outra. Estrada seca até lá baixo. Cheguei num instante. Comecei a sentir, não água, mas uns impactos nos braços, tal a violência das gotas. A estrada de alcatrão começou a pintar-se de grandes manchas. Às tantas, o meu receio - o mesmo dos gauleses comandadas pelo Ordafabeltix, que, diga-se, odiava a música do Assurancetourix - concretizou-se: o céu caiu-me em cima da cabeça. As gotas pareciam pedras a bater no capacete, nos braços e nos tubos da bike. Foi uma festa. Um pouco antes, num exercício de ginástica, sob uma pedra, tirei o telemóvel do bolso para fotografar a superfície da barragem fustigada pela chuva. A superfície lisa e espelhada da véspera era agora rugosa e encrespada.


Pensava que seriam as últimas pedaladas este ano no Açôr sob Sol quente, antes das invernias que, bem as conheço, por ali se instalam. Mas, afinal, foi apenas uma bela de uma chuvada em cima, dura mas morna. As próximas, espero eu, serão seguramente sob invernia a sério.