sexta-feira, 19 de julho de 2019

Ocaso e a great gig in the sky

Julho 2019









E, ao acaso, granito coberto de líquenes e a great gig in the sky aos 1920 m de altitude.




Pink Floyd - The great gig in the sky (live 1988)
As 3 ladies que cantam (por ordem de entrada): Rachel Fury, Durga McBroom e Margaret Taylor

PS: recomenda-se vivamente a repetição da audição (pelo menos 3 vezes).

quarta-feira, 17 de julho de 2019

O ciclista extraordinário desceu das serranias da Beira e foi à Póvoa, a Norte, ao mar

Julho 2019
NGPS Sunset, Póvoa de Varzim

Habituado aos montes e às ervinhas, às serranias altas da Beira onde o olhar, inevitavelmente, percorre as lonjuras, de início o ciclista extraordinário sentiu-se claustrofóbico. Na divulgação do evento (70 Km com orientação por GPS, vistas sobre o mar e o por-do-Sol no horizonte e tal, a coisa parecia atractiva e, portanto, o ciclista extraordinário lá se inscreveu e lá foi fazer o passeio com mais uns cerca de 500 outros pedalantes). Estradões e caminhos pelo meio de campos de cultivo em que, ao princípio, a única maresia que o ciclista extraordinário sentiu foi a do estrume de vaca (que, aliás, and seriously, é um aroma muito apreciado pelo ciclista extraordinário). Depois, os labirintos de caminhos por entre eucaliptos deixaram o ciclista extraordinário com saudades de uma bela subida por serranias acima. Mas, o melhor estava para vir. Lá mais para o meio e, sobretudo, no final haveria de surgir primeiro o rio Cávado e, depois, o mar.

Mas antes, ao princípio da tarde, antes da partida, mal chegou ao local do evento (Estádio Municipal de Póvoa de Varzim) o ciclista extraordinário estacionou a voiture, tirou a bike do tejadilho, equipou-se logo ali, ficando por breves instantes em pelo e, estava nisto, a verificar se estava tudo em ordem, um pão com marmelada, água, o GPS, o capacete etc quando, ao levantar o olhar, logo ali ao lado avistou e reconheceu de imediato uma das campeãs da blogosfera pedalística (e não só): a Loira. O ciclista, num impulso, chamou-a, ela olhou-o com o ar de quem pensa "dassssssss mais um chato a meter-se comigo". O ciclista aproximou-se, identificou-se e gostou da maneira efusiva e amável com que a Loira o cumprimentou. O ciclista e a Loira cumprimentaram-se com duas pancadinhas de capacete. O ciclista extraordinário nunca tinha tentado dar dois beijinhos a alguém com um capacete, usando ele próprio também um capacete. O encontro imediato com a Loira foi breve, o pelotão dela estava a arrancar e o ciclista extraordinário tinha ainda que levantar o dorsal.

Finalmente, depois dos eucaliptais, de uns troços pedregosos a subir a a descer, a meio do percurso, surgiu o rio Cávado. Os belos caminhos à beira rio reconciliaram o ciclista extraordinário com a tarde de pedaladas. Margens verdejantes, vegetação frondosa, uma certa sobriedade na maneira como o rio corria, construções insólitas à primeira vista que se transformavam em ruínas de moinhos à segunda vista


Belos espelhos de água que reflectiam o céu branco e que surgiam inesperados nas clareiras que se abriam depois de caminhos fechados onde o ciclista extraordinário se perdeu algumas vezes, quer dizer perdeu porra do track GPS pois ia por ali sozinho sem saber dos outros 500 pedalantes. Em vez de virar no segundo silvado à direita, virava nas urtigas à esquerda.


O Cávado, dizia o ciclista extraordinário, assim como que o Danúbio do Nuârte carago.


Depois ... o mar. O track levou o ciclista extraordinário ao mar. O Por do Sol, tal como prometido pela organização do GPS Sunset Póvoa do Varzim, estava ali à espera.







Logo depois, feitos os 70 e picos Km, o ciclista extraordinário chegou à meta, ao estádio municipal de onde partira 5 horas e tal antes e onde tinha à sua espera uma sandes de porco no espeto e uma bela de uma bjeca.
O ciclista extraordinário dirigiu-se ao bar do estádio para receber a prometida sande de porco no espeto e olhou à volta, olhou os outros muito animados, e pensou que estas coisas das pedaladas partilhadas é bom. Os últimos a chegar, confraternizavam, já perto das 9 da noite. O ciclista extraordinário um deles. Uma varanda sobre a luz que vinha do mar. Um dos fotógrafos, apontou a câmara fotográfica para o ciclista extraodinário. Este, tinha tirado o capacete, estava a mastigar um pedaço de pão e porco, pôs a cerveja no chão, olhou o fotógrafo e disse: dispara.


Havia outra duas fotografias, soube o ciclista extraordinário mais tarde, que o fotógrafo disparou enquanto ele, o ciclista extraordinário, pedalava pelos eucaliptais





The end.





sexta-feira, 12 de julho de 2019

O vento que entra pelos olhos

Serra da Lousã
(Julho 2019)


O Sol a cair, a estrada deserta, o lusco-fusco nos sítios onde o Sol batera pela manhã, as silhuetas das árvores, as curvas dos muros e das bermas que fugindo ao meu olhar, marcavam o percurso. Subia, subia. A sensação da road to nowhere.


Sopra o vento (porque a chuva não batia certamente)? Sob um grande castanheiro tirei a dúvida. Soprava o vento pelos olhos adentro.



Assim:


domingo, 7 de julho de 2019

Vídeozinho quase insignificante

Serra da Lousã
Julho 2019



Estava na orla de um Bosque aos 700 m de altitude. Ou melhor, subia a custo por um caminho na orla do bosque quando sinto um cheiro orgânico intenso (como quando se está junto de um rebanho de cabras). Ia de cabeça baixa, procurando evitar regos, raízes e pedras. Não me queria apear pois, se o fizesse, não conseguiria montar de novo na bike (dada a inclinação do caminho). O cheiro fez-me olhar à volta, procurando algum vulto de quatro patas. Pedalei mais um pouco até uma zona plana. 

No chão estavam marcadas as pegadas recentes na terra mole; vários gamos, provavelmente. E jovens.



Olhei à volta. Nada. 


Voltei um pouco atrás, ao sítio onde tinha sentido o cheiro. Meti-me no bosque e fiz o vídeozinho. Com sorte talvez apanhasse algum dos habitantes fugidios destes lugares. Silêncio. Um belo bosque. Um belo pretexto para postar o bosque na memória das pedaladas.

Do bosque à floresta ao 950 m. Aqui os aromas são aromáticos e intensos ("cédricos").


Pelo not so long and winding carreiro da clareira até lá acima, à direita



e, depois, pela floresta. Nem gamos, nem veados e muito menos gente. Vi muitas borboletas.


Era para postar apenas o videozínho mas, com o balanço, foram a reboque as duas ou três fotografias que tirei na pequena volta em que fui "lavar as vistas".





quarta-feira, 3 de julho de 2019

Mais Outúbrico que Júnhico

Serra da Lousã
Junho 2019

(Philip Glass - mad rush)


Já não é o primeiro ano que isto acontece; um Junho neblínico, ventos de pouca força que fazem a neblina percorrer o topo dos montes. Parte-se de lá de baixo e, às tantas, passando a fronteira da neblina aos cerca de 800m, entra-se noutro tempo (e, aqui, "tempo" tem todas as conotações que se lhe quiser dar). Lembra Outubro. Um friozinho húmido, silêncios que prenunciam o Inverno, a luz baça e coada, o chão da floresta atapetado com folhas,  ... e, no entanto, sopra por vezes um vento morno que não deixa esquecer o Verão que aí vem.


... o recorte indistinto das árvores contra um cenário branco e cheio de luz ...



... clareiras de luz que se abrem na paisagem ...


... castelos em vales neblínicos ...







segunda-feira, 1 de julho de 2019

Manual de sobrevivência

Serra da Lousã
(Junho 2019)


Depois de uma shitty week, atolado em fucking bureaucracy, estava com ganas de passar um dia de pedaladas pelas serranias. Quis o destino e o alinhamento dos astros, com particular destaque para a sintonia dos anéis de saturno com a galáxia ia XVr2Z51B sob ligeira influência de alguns fotões perdidos provenientes do Sol, que se me proporcionasse um Sábado sozinho em casa (com a minha cachorrinha) e, portanto, com o tempo por minha inteira conta.

Saí ao fim da manhã, depois de uma visita breve ao mercado acompanhado pela madame de quatro patas. Bike verificada e com a barriga já a pedir papinha (porque o pequeno almoço já lá ia "mas que lixe não me vou demorar mais"), meti uma banana, um pedaço de marmelada e uma barra de Isostar (merdilhices que ás vezes me dão ou compro e que como nunca como acabo por deitar fora porque atingem o prazo de validade - mas que levo para uma emergência) nos bolsos da jersey. Água apenas um cantil de 750 ml.
- Ciao bella, faz óó que eu já venho.
- Ão, ão, ão ...

Pela EN236 acima em força. Temperatura amena. Inclinação suave. Mal dei conta estava no Candal e já iam 11 km a subir. Paragem na fonte para encher o cantil e a barriga de água. O Candal fica a meia encosta, a meio da subida pela EN236. A partir daí as coisas vão mudando; mais inclinação, maior imprevisibilidade no tempo, mais abetos e castanheiros, mais vistas sobre as lonjuras ... Antes de descer para a Castanheira de Pêra, deixei a EN236 e cortei à esquerda para o caminho sobre o vale do Coentral. É um belíssimo vale. Luminoso e a perder de vista, encimado pelo St. António da Neve. Comecei a sentir os odores orgânicos que indiciavam a presença por perto de animais, fezes cujo conteúdo (se têm caroços ou não), cor e formato revelavam o fazedor de quatro patas da coisa, o vento que se metia pelo vale acima e por aí fora.


Contornar todo o vale leva tempo. À medida que pedalava ia olhando lá para cima, para o St. António da Neve aos 1200 m e fazendo planos: quando chegar ao estradão que vem do Coentral viro à esquerda e depois logo vejo se vou ao St. António - mas isso vai dar uma granda volta - ou se sigo para o Trevim. Ao mesmo tempo, um caminho sinuoso e íngreme que fizera há anos, contornando a serra e atingindo o St. António pelo outro lado, e que bem via do estradão que levava, inquietava-me a cabeça; não te metas lá pá, serão umas duas horas, nem sequer tens água, aquilo é inclinado p'ra caraças, uma cascalheira infernal, ficas cada vez mais longe , ainda por cima aquilo é completamente isolado pá, és tolo ou quê? ... Quando cheguei ao estradão. em vez de virar à esquerda, pensei em explorar o tal caminho mas apenas um bocadinho; vou só até à curva ver as vistas e, depois, volto para trás. Já agora mais um bocadinho. Afinal, já não me lembrava muito bem, mas o caminho era largo, estava limpo, pouco inclinado, isolado sim mas as vistas valiam pela inquietação.


E fui indo, sabendo qual seria a conclusão: já que estou aqui não vou voltar atrás, vou dar a volta.
Uma bifurcação, o belo caminho plano e limpo seguia para baixo para o vale e um trilho estreito e íngreme para cima, para o St. António da Neve. Obviamente, segui para cima pelo trilho. Às tantas comecei a fazer contas; água muito pouca, a temperatura no meu computador da bike marcava 37 graus, vento nada, tinha comido a banana quando acabei de subir serra e já estava a sentir fome. A coisa complicou-se. Comecei a dar pequenos golos de água, poupando-a. Quente mas era água. A última vez que ali tinha passado, há anos, tinha sido a descer com dois parceiros e vínhamos em hipotermia devido a uma tempestade de neve e granizo que apanháramos no St. António. Agora ia ali quase sem água, sob calor intenso e a deitar contas à vida. Derrapei algumas vezes tanta era a inclinação. As pernas começaram  a ficar pesadas. Devagar, muito devagar, cheguei aos 4-5 Km/h (uma marcha lenta). Nunca mais dali saía. Pensei comer a marmelada ou a barra isostar mas não teria saliva para a mastigar. A cabeça a latejar, sentindo o sangue nas carótidas. O melhor é cantar para me distrair, pensei. Oh rama, oh que linda rama, oooooohhhhh rraaaaaamaaaa da oooolivveeeiiir... não consegui; a garganta e a mucosa da boca colavam-se de tão secas. Nestas alturas nem pensar em parar de pedalar. Olhar fixo em frente e uma e outra e outra pedalada e ... surge a reprogramação metabólica. Há receptores e sensores moleculares nas células que, face a situações de stresse, alteram o metabolismo em função dos estímulos externos e necessidade energética. Dentro de limites há adaptação à nova situação. A coisa começa a ficar controlada. A situação aguda de aflição dá origem a uma situação crónica de esforço controlável. Estamos à beira do precipício mas de súbito ganhamos asas. A dificuldade está em nos mantermos o tempo suficiente na fine line que separa o on do off; continuar o esforço ou desistir. Percebi que mais um pouco e atingiria um estradão de eólicas lá mais acima, na cumeada. Antes disso o caminho alargou, aplanou e ... parei.



Logo depois atingi o estradão das eólicas. Estava aos 1000 m e o St. António lá em cima à esquerda aos 1200 m. Voltou a brisa. O estradão, aparentemente plano, tinha rampas do catano. Tinha que comer alguma coisa. Entre a marmelada e a barra Isostar optei pela última. Não foi bem comer foi mais ruminar. Tentei verificar a validade da barra mas não focava o raio das letras. Lá foi. Um dedo de água quente no cantil. Antes de atingir o St. António acabar-se-me-ia a água.





Cheguei. A partir dali sabia que, tirando uma subida ou outra, seria tudo a descer até à Lousã.
Para Este a cordilheira do Açor e, no horizonte, quase invisível devido ao haze, o maciço da Estrela.


Para sul



e para sudoeste, serranias a perder de vista.


Mal comecei a descer pela encosta Norte tentei ver se, junto aos Poços da Neve , havia água. Debalde. Sabia da bela fonte na floresta uns Km mais abaixo. Num instante estaria lá.


Extraordinariamente, de súbito a temperatura caiu para os 21 graus. Dos 30 e tal quase 40 do lado Sul, na cascalheira a pique sob Sol intenso, para o "frio" do lado Norte. Passei no sopé do Trevim e nas curvas sombrias sentia arrepios de frio


Depois de tantas horas vi pessoas; junto ao baloiço, evidentemente. Pediram-me que lhes tirasse uma fotografia e retribuíram o acto.


O lado Norte estava coberto por uma neblina húmida. Meti-me na floresta e parei na fonte.
Aahhhhhh ... água fresca.




Estava ainda aos 900 m mas com a sensação de estar a um pulo de casa. Cheguei por volta das 6 da tarde. Tantas horas e tinha comido apenas uma banana e uma merdilhice de uma barra. Fiz o almoço: comi duas laranjas para entrada, depois uma sopa de alho françês, um robalo na frigideira (barrado em azeite, colocado na frigideira anti-aderente em lume forte para tostar rapidamente a pele de ambos os lados, mantendo o interior suculento, sem nenhum tempero, leva apenas flor de sal quando colocado no prato) que partilhei com minha cachorrinha, arroz de tomate e cenoura (belos tomates coração de boi comprados no mercado), duas fatias de pão de centeio, meia caixa (pequenina) de mirtilos, meio litro de cerveja (Franziskaner comprada no LIDL), um pêssego ... e, assim de repente, não me lembro de mais nada.

Acabei de almoçar eram 8 horas da noite. Depois fui passear com a madame de 4 patas para ambos esticarmos as pernas.