segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

... after all these years

30 de Dezembro de 2018


still normal?




The answer is blowing in the wind.

Não fui a NYC, à Madeira ou à Austrália. Fui ao Cabeço da Ortiga arejar as ideias ao vento frio. Não pude ficar para a starry night.


Cabeço da Ortiga. Som alto ! Primeiro dedo: Trevim, cume da serra da Lousã; segundo dedo: maciço central da serra da Estrela. No vale em frente à minha sombra: serra do Buçaco (um pequeno planalto a meio do vale) e, no horizonte, a serra do Caramulo






quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Videozinho sobre a realidade propriamente dita

Dezembro 2018
Serra da Lousã


A biodiversidade afunila-se, reduz-se a uma velocidade que quase nem permite um ponto da situação, não de modo linear com o passar do tempo mas exponencialmente. A somar a isto, é largamente aceite que estamos numa nova época de extinção em massa (plantas e animais); dezenas de espécies por dia e, de novo, a uma taxa milhares de vezes maior que a que tem ocorrido no passado. Está-se a correr apara a extinção de 50% da espécies em dúzia e meia de anos. E a causa não se relaciona com catástrofes climáticas, vulcões, alteração da inclinação do eixo terrestre ... mas sim com a actividade humana. Ah e tal mas são sobretudo minhocas e insectos dizem os arrogantes, ignorando as relações e interacções entre as espécies. Convém ter presente que a vida confortável que temos nos designados países desenvolvidos só é possível porque a maior parte da humanidade vive no limiar da sobrevivência, sem acesso aos recursos que nós desperdiçamos, a água potável, a alimentos, sem fazer lixo, sem consumir e sem poluir ... para mais o marketing meteu na cabeça de tanta gente os "produtos biológicos", um negócio da china. Mas não vou por aí que daria pano para mangas. Depois temos a inteligência artificial, a transformação da organização da sociedade que tem necessariamente que ocorrer (os Finlandeses já estão a fazer experiências), a comunicação global ruidosa (no sentido em que o ruído perturba o sinal), o apelo do virtual (pronto usar e deitar fora, sem chatices), a possibilidade de editar o genoma humano (um gajo chinês já se chegou frente, anunciando o feito - como disse o Feynman, ele que participou no projecto Manhattan que levou ao desenvolvimento da primeira bomba atómica, a Ciência dá-nos a chave que pode abrir as portas do céu ou do inferno) e etc. Bem, era apenas para dizer que suspeito que o que se vê no videozinho, um videozinho vulgar que actualmente se pode gravar à porta de casa será, dentro de uns poucos anos, uma experiência trivial para poucos de nós, embora virtual para muitos.





segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

sábado, 22 de dezembro de 2018

O veado pôs-me os olhos em cima

Dezembro 2018

Serra acima, olhando à volta sem grandes planos, comme d'habitude. Uma ventania infernal. Nem é tarde nem é cedo, meto-me pelo caminho antigo do Candal.





Caminho com lajes no chão, muros antigos cobertos de musgo e plantas, ruínas de casas ...





Por entre as pedras do muro, a visão da ribeira lá em baixo trouxe-me à memória o som grave da guitarra tocada por Mr. L. Cohen, dooommm, doommm, dooommmm, dommm, dooooommm, Suzanne takes you down to her place near the river ...


Desci até à ribeira. A pé, a bike ficou cá em cima no caminho.






Às tantas olhei para trás e, no pequeno prado que tinha atravessado com a bike, vejo um veado imponente, imóvel, a olhar na minha direcção. Fitava-me. Quase que percebia o seu ar surpreendido: o que é que aquele gajo anda ali a fazer? Não é graçola. O cérebro do veado (tal como de outras espécies que não o Homo sapiens) fazem necessariamente estas perguntas, embora não o expressando através de um código constituído por letras e palavras (quem nunca viu um cão arrebitar as orelhas e inclinar ligeiramente a cabeça, olhar interrogativo, perante uma situação anómala?). De telemóvel na mão, apontei-o na sua direcção. Nesse instante, percebendo que também o fitava, correu encosta acima como eles correm encostas acima: rápidos e elegantes. Disparei.



Ali, no centro da fotografia, cabeça e armação tapadas pelo eucalipto do meio.



Num ápice atingiu a estrada e começou a correr mas sempre à vista, como que a exibir-se lá de cima. Olhei rapidamente o tlm, seleccionei vídeo e apontei para lá. Saiu isto (lá em cima, na estrada):


Depois, quase tudo como dantes. A ribeira corria e o vento soprava forte.




terça-feira, 18 de dezembro de 2018

O monólito ou o topo da carreira do ciclista extraordinário

Dezembro 2018


- Hello, HAL. Do you read me, HAL?
- Affirmative, Dave. I read you.
- Open the Pod bay doors Hal.
- I'm sorry Dave, I'm afraid I can't do that.
- Open the doors Hal.
- Dave, this conversation can serve no purpose anymore. Goodby.






Na EN236, a 8 km da Lousã, no cruzamento para a aldeia da Cerdeira ... o monólito.  Cerdeira, home for creativity.



O céu era épico, como convém à narrativa das pedaladas ao monólito ao alvorecer do dia. A odisseia foi iniciada com o mínimo de life supporting systems; um cantil com água da torneira, uma banana e um pedaço de marmelada embrulhado em papel de alumínio. No espaço de uns segundos, uns 2001 segundos, a marmelada já tinha marchado.

Aproximava-me a alta velocidade do lugar com as coordenadas do monólito.




Quase, mais um pouco.




Quase, um pouco mais de azul e é além 


Estava a chegar quando eles começaram a passar. Primeiro dois, depois outro e mais dois. Esguios, pernas musculadas, alto equipamento, bikes de estrada topo de gama. Nas jerseys tinham escrito GBT (ou GBR, não sei bem). Depois um mais lento. Acompanhei-o e Hi man are you? So, enjoying the mountain? ... eram a selecção Britânica de ciclismo de pista, estavam num campeonato de perseguição em pista no Velódromo de Sangalhos e tinham vindo treinar à serra da Lousã. O treino consistia em períodos de 1 min a toda a velocidade intervalados por períodos de 3 minutos de descanso. Apanhei o último num período de descanso. Tipo simpático que gostava de pedalar na montanha, embora fosse profissional de estrada e de pista. OK, time to go, nice to talk to you, my name is Oliver Wood. Likewise, my name is João, bye. O Oliver arrancou para o minuto a todo o gás. Tentei ir atrás dele. Num ápice passei dos 12 Km/hora para os 28 km/hora and counting. Parece nada mas é como ir na autoestrada a 100 e de repente passa um maluco a 260km/h. O carro de apoio da equipa britânica vinha atrás a puxar por mim. Quando o tendão de Aquiles do pé direito começou a doer, o joelho esquerdo a estalar, o coração na boca, tentando sorver ar, os gémeos da perna direita a gemer ... achei que era melhor abrandar. Uma eternidade. Fui atrás dele pr'aí uns 30 segundos. Tinha pedalado com uns gajos simpáticos e profissionais da selecção Britânica mas, sobretudo, ao lado do Oliver (em casa fui à net: Oliver Woods, várias vezes campeão de pista e membro da equipa do Bradley Wiggins, este vencedor do Tour de France e recordista da hora !). O ciclista extraordinário acabara de atingir o topo da carreira.

Seguiram e, logo depois, cheguei às coordenadas do monólito. Aproximei-me, passei a mão na aresta, lentamente, não me lembrei do meu nascimento, não vi qualquer luz especial nem se me abriram escancarados todos os segredos do Universo. Recuei, peguei na bike e vim-me embora. Às tantas, o monólito estava off.
Já em cima da bike, ouvi uma voz: just what do you think you're are doing, João, quer dizer, Dave? Olhei para trás; tinha sido uma ilusão. Estava tudo na mesma.



sábado, 15 de dezembro de 2018

Videozinho ao Sábado - pedaladas neblínicas

Dezembro 2018


O nevoeiro assapava-se sobre o cimo da serra. Temperatura boa, cerca de 8-10 °C e, cá em baixo, uma ventania dos infernos. Lá em acima, aos 900m de altitude, mal entrei na atmosfera aerossólica a realidade mudou, o vento acalmou, a luz espalhou-se, difusa, o pingo instalou-se na ponta do nariz e o botão dos sentidos rodou para o 110%. Atento. É preciso ir atento quando se pedala sózinho por soutos e florestas neblínicas; o ruído de um galho de árvore que se parte ou é pisado, uns vultos que o não são (não são corços, são apenas arbustos a oscilar com o vento), uma árvore que, de súbito, sacode as gotas de chuva em cima de nós, um friozinho que se instala na "espinha" sem se saber porquê ...

(ao longo da EN236, a chegar ao planalto da serra da Lousã)

Um pouco mais, aí aos mil e tal metros, logo depois de ter saído da protecção das árvores,



no planalto desprotegido que se adivinhava na claridade ao fundo da estrada, o vento era doido, trazendo uma chuva miudinha que se metia por todos os sítios onde não se devia meter. Bem o sabia. Dias assim, com nevoeiro denso e aparentemente amenos no sopé da serra, podem transformar-se em tempestades que varrem o planalto e nos varrem da bike se não tivermos cuidado. Planeara ir até à floresta dos grandes cedros para tirar fotografias. Por vezes, bem punha a força que tinha nos pedais, tentando avançar, mas o vento de frente era uma mão invisível que me barrava o avanço. À volta os montes nus, as ervas dobradas ao vento, uma ou outra árvore fantasmagórica e o horizonte fechado. Que bem me soube pedalar por ali a solo.


Quando cheguei à floresta, seguindo teimosamente o plano, o telemóvel, com 10% de bateria, desligou-se. F... -se! Parei, estive por ali a olhar. Arrefeci. Horas de voltar. Sempre a descer. Foi difícil. Frio. Húmido. Contraído. A espreitar por cima dos óculos (embaciados), perdendo visão lateral e a posição relativa face às bermas, a chuva miúda arremessada contra os olhos, o olhar fixo em frente, seguindo um risco imaginário, mãos coladas no guiador ... e vem-se ali em cima da bike como se fizéssemos parte de um filme, como se tudo se estivesse a passar a duas dimensões.

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

La vie en blue

Dezembro 2018

Pelas horas húmidas da manhã, as primeiras pedaladas cortam o friozinho que se mistura com a luz baça. É uma receita gourmet, agridoce: o calor no peito contrasta com o frio nas extremidades (orelhas, face...). É uma receita quase infalível (tenho que colocar aqui o "quase" por razões epistemológicas; afirmações infalíveis não é comigo) para levar o dia por diante.







O nevoeiro denso, condensando, formava gotas de água nas pálpebras que, com a dinâmica das pedaladas, pingavam sobre a face. Outras escorriam pelo nariz. Pouco a pouco, serra acima, o ar ia ficando mais ameno, o nevoeiro ia rareando. Meteu-se pelo vale da ribeira de S. João. Era nisto que ia pensando, pedalada a pedalada. Mais um pouco, talvez na curva da Cerdeira, vai aparecer o azul. Parei na curva da Cerdeira. As cores pálidas à volta, o branco ao fundo, serviam de cenário para o contorno dos castanheiros nus.


Finalmente o azul ... the warmest color.


et le soleil.

YES, nous sommes du soleil





O Castelo da princesa Peralta, sobranceiro ao vale da Ribeira de S. João, fazia de farol junto às margens do mar de nevoeiro que se estendia a perder de vista até ... ao mar líquido e salgado.


Subi, sabia que quanto mais subisse maior a distância e o azul.

Para onde nos atrai o azul?
(Guimarães Rosa)




Cheguei ao cimo da serra e espreitei o outro lado. O lado Sul da serra estava mais enigmático. Um filtro ténue branco cobria o horizonte, o azul era mais neblínico.




sábado, 8 de dezembro de 2018

As cores da água

Dezembro 2018


Des toutes le couleurs (Léo Ferré)



Fico sempre fascinado ao olhar a aparente desordem que se encontra na natureza porque é isso mesmo, aparente. Os padrões inumeráveis que observamos são percebidos pelo cérebro com harmonia.  O padrão fractal da natureza não deve ser estranha a esta percepção. Se até o empacotamento do genoma no núcleo dos neurónios (e das outras células) parece ser consistente com um glóbulo fractal!

Desta vez pus-me a olhar a ribeira que corria aos meus pés. Pés metidos em sapatinhos com sola de carbono e aplicações metálicas para encaixe em pedais de bike; o calçado ideal para passear nas margens de ribeiras sobre pedras húmidas e troncos cobertos de musgo. Tinha pedalado uns 7 ou 8 km serra acima, ia a fazer a curva onde sei que fica o caminho para a ribeira da Sardeira, olhei em frente determinado mas, de repente, virei o guiador da bike para o caminho da ribeira, deixando a estrada, como se uma força alheia o tivesse feito. Encostei a bike a uma bétula. A água corria, ora lentamente, fazendo poças, ora em turbilhão à volta de calhaus no meio da ribeira, no fundo da ribeira, nas margens da ribeira. Folhas e os paus arrastados pela corrente, outros presos nas pedras. Um reboliço. Uma dinâmica em que tudo muda a cada segundo. E, no entanto, tudo está onde deve estar. A imagem é de harmonia. Às vezes faço experiências estúpidas: mudo um pau de sítio ou atiro um calhau para a água e ... alguma coisa se modifica. Fica a impressão de que há uma perturbação. Depois há as cores e o som das folhas das árvores agitadas pelo vento e o da água que corre (e ainda não é desta que formulo aqui a minha teoria sobre o som da água que corre).




Hello !










E porque este é um blog sobre bicicletas, cá está uma bicicleta:




quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Ceci n'est pas une fougère











Não fumo cachimbo enquanto pedalo. Não fumo cachimbo.

Olho as árvores. Portanto, porque é que colocaria aqui fotografias de cachimbos?

domingo, 2 de dezembro de 2018

O sonho do outro lado do vale

1 Dezembro 2018


do imenso vale entre as serras do Caramulo e da Lousã. Fui para a cama na expectativa de me levantar. Iria acordar ainda de noite para, depois, viajar até ao Luso no sopé da serra do Caramulo onde, ao alvorecer, iniciaria a subida da serra na companhia de umas centenas de outros "tolos". Fui para a cama na expectativa de acordar para mais um "assalto" ao Caramulo. Devo ter começado a sonhar logo depois. Ao princípio as imagens vinham desfocadas mas, depois, percebi que era um dia de neblinas. Um dia de luz difusa e baça. Estava no cimo da serra da Lousã, o olhar a vogar sobre a neblina até à serra do Caramulo, no horizonte, do outro lado do vale. Ao contrário do sonho, daí a umas horas, estaria no cimo da serra do Caramulo a olhar para aqui, onde o sonho me colocou. Acordar vai ser um alívio.





Sonhei que subia a serra a Lousã pelo caminho sobre as aldeias abandonadas da Silveira onde já me encontrei com animais invulgares.  Tão real que sentia a humidade do nevoeiro na ponta do nariz.


Sobressaltei-me, virei-me de um lado e de outro. O sonho era tão real que via a urze e sentia o vento. Mas os sonhos são histórias que o cérebro elabora com as memórias que guarda. Nada de muito diferente da situação em que estamos acordados e conscientes. A consciência? Pois, ninguém sabe bem do que se trata. Outras espécies (os cães, para dar um exemplo que pode ser útil quando se discute o bem-estar animal mas o que é que isto agora interessa, nem quer faz parte do sonho) além de nós, o Homo sapiens, possuem um cérebro com esta propriedade.


Via, claramente vista, a encosta coberta de urze e de ervas secas, estas aparentemente frágeis mas, por isso mesmo, dobram-se sob a ventania, resistindo-lhe, ao contrário dos pinheiros que enfrentam o vento e se partem ao meio.


Sentia o aroma dos grandes cedros, a solidão das pedaladas a solo por caminhos difíceis em locais remotos e belos. Não me lembro bem mas acho que, às tantas, abri os olhos para tentar ver as horas. Uma e meia da manhã. Ainda não estava na hora.


Como em quase todos os sonhos as imagens sobrepunham-se e adicionavam-se em sequências sem nexo. Às tantas estava no Santo António da Neve, junto aos Poços da neve.
Via o primeiro poço ao longe


e, depois, closer ("closer"? o sonho trouxe-me o filme do mesmo nome e a cena de strip da Natalie Portman com o Clive Owen mas que, obviamente, não cabe aqui num blog de bicicletas)




Tudo muito real, bem sabia que o primeiro poço se alinha com antigos castanheiros e lá estavam eles sob o céu branco.


Numa imagem estranha vi a minha bike conduzida por um fantasma.


Subi, subi até não haver mais caminho para subir. No cume da serra, para Norte - sem perceber como é que os sonhos se alinham pelos pontos cardeais - procurei ao longe a serra do Açor.



o imenso Açor



Depois, no sonho, virei-me para Sul


Os caminhos da serra estão impressos na minha memória como num mapa topográfico, Não me surpreendi, pois, por ter voltado ao lado norte da serra sobre o imenso vale e ter, de novo, olhado o Caramulo ao longe. Estava do outro lado do vale. Treinado na minha profissão a ter dúvidas e a conviver com elas (e isto não é fácil, por regra foge-se da dúvida a sete pés e, em desespero, o cérebro de muita gente inventa explicações e conspirações para eliminar a dúvida), vislumbrar de novo o Caramulo não me trouxe suores frios e, ainda assim, num sonho, tal como na mecânica quântica, tanto se pode estar num lado do vale ou no outro e, até, em ambos lados ao mesmo tempo. O cérebro joga ao gato e ao rato consigo próprio. Mesmo acordado tenho dúvidas sobre o que vejo quanto mais a sonhar!






Quase que me lembro de sorrir durante o sonho por ter percebido que estava a sonhar, que num sonho posso estar em qualquer lugar e que acordaria daí a pouco tempo para me pôr a caminho do outro lado do vale. Do lado certo do vale.
Passei por bosques e riachos aparentemente familiares mas belos carvalhos e castanheiros encontram-se nas encostas da Lousã e do Caramulo.







Foi a fonte espinho que me acordou. Pedalava no sonho como quem regressava casa e, às tantas, na curva da estrada, dei com a fonte. Parecia a fonte, os muros cobertos de musgo, os grandes plátanos ...



Olhei a pedra com o nome da fonte. Não tive dúvidas! Era a fonte onde já tantas vezes passei. A não ser que na serra do Caramulo haja uma fonte "Espinho" à beira da estrada, estava do lado errado do vale.